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Os adventistas e a relação com os governos e as autoridades

Saiba por que a Igreja pratica e defende a separação das funções eclesiásticas daquelas de liderança civil, e o que diz a Bíblia a esse respeito


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A Igreja Adventista se une a governos e organizações para atuar em favor da comunidade, mas sempre mantendo uma posição apartidária (Foto: Shutterstock)

No início deste ano, a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) conseguiu beneficiar famílias do interior da Bahia que foram vítimas de inundações provocadas pelo rompimento de barragens e deslizamentos de barreiras, como consequência de fortes chuvas, que deixaram milhares de pessoas desalojadas.

Com dificuldade, os integrantes da agência humanitária adventista chegaram a cidades como Jequié, Ipiaú e Barra do Rocha para levar suprimentos e alimentos às famílias. Esta ação foi possível graças ao trabalho em cooperação com o governo do Estado da Bahia e o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), um órgão do governo estadunidense encarregado de ajuda externa em situações de vulnerabilidade (1).

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Este exemplo de ação serve para ilustrar a postura da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) com as autoridades, tema do quarto marco referencial adventista para a liberdade religiosa, disposto no novo manual prático para diretores de liberdade religiosa da igreja local. O marco está descrito assim:

Postura da IASD com autoridades

‘Então Pedro e os demais apóstolos afirmaram: 'Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens’ (Atos 5:29)’. A IASD obedece às autoridades terrenas e suas leis, desde que não conflitem com os ensinamentos das Sagradas Escrituras”.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma denominação religiosa global com mais de 21 milhões de membros em todo o mundo. Como organização religiosa, ela mantém o princípio da separação entre Igreja e Estado, e incentiva seus membros a serem cidadãos responsáveis e cumpridores das leis em seus respectivos países, sem ter, institucionalmente, envolvimento direto com a política partidária ou com governos.

O que diz a Bíblia

Este princípio da Igreja segue as orientações da Bíblia. Nas Escrituras Sagradas, a Igreja entende que Cristo encorajou Seus seguidores a respeitar os governos seculares, tornando “a César as coisas que são de César, e a Deus as coisas que são de Deus” (Mateus. 22:21). Em 1 Timóteo 2:1-2, somos encorajados a orar “por reis e todos os que estão na autoridade, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica”.

O exemplo de Cristo é também citado nos textos da escritora norte-americana Ellen White, uma das fundadoras da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Ela escreveu: “O povo de Deus reconhecerá o Governo humano como sistema estabelecido por determinação divina e, por preceito e exemplo, ensinará obediência a ele como dever sagrado enquanto sua autoridade for exercida em sua legítima esfera de ação. Mas quando as suas reivindicações estão em desacordo com as reivindicações de Deus, devemos escolher obedecer antes a Deus do que aos homens. A Palavra de Deus precisa ser reconhecida e obedecida como autoridade acima de toda legislação humana. O "Assim diz o Senhor" não deve ser posto de lado por um "Assim diz a Igreja ou o Estado". A coroa de Cristo deve ser erguida acima de todos os diademas dos potentados terrestres” (Eventos Finais, p. 142).

Ellen White mostrou sua visão ao comentar o desejo dos judeus de estabelecer um governo temporal de Jesus, no tempo em que Ele esteve na Terra, sentimento que ainda hoje pode inspirar cristãos com o anseio de um governo nacionalista religioso. Ela advertiu: “Hoje, no mundo religioso, existem multidões que, segundo creem, trabalham pelo estabelecimento do reino de Cristo como um domínio terrestre e temporal. Desejam tornar nosso Senhor o governador dos reinos deste mundo, o governador em seus tribunais e acampamentos, em suas câmaras legislativas, seus palácios e centros de negócios. Esperam que Ele governe por meio de decretos, reforçados por autoridade humana. Uma vez que Cristo não Se encontra aqui pessoalmente, eles próprios empreenderão agir em Seu lugar, para executar as leis de Seu reino. O estabelecimento de tal reino era o que desejavam os judeus ao tempo de Cristo. Teriam recebido Jesus, houvesse Ele estado disposto a estabelecer um domínio Temporal, impor o que consideravam como sendo leis de Deus, e fazê-los os expositores de Sua vontade e os instrumentos de Sua autoridade. Mas Ele disse: ‘O Meu reino não é deste mundo’ (João 18:36). Não quis aceitar o trono terrestre” (O Desejado de Todas as Nações, p. 509).

Conforme texto no site do Ellen White Estate, entidade responsável pelo espólio literário da autora, a preocupação legítima do governo civil está relacionada aos assuntos temporais; a Bíblia diz que nesta esfera é ordenado por Deus. Por outro lado, a Igreja recebeu autoridade espiritual, e Cristo teve o cuidado de enfatizar que a autoridade da Igreja era distinta do poder temporal (Mateus 18:17,18; João 18:36).

“A igreja se preocupa, como uma questão de prioridade, com a alma e a consciência do indivíduo. A história revela que frequentemente o Estado usou a Igreja para obter seus fins e que, inversamente, em outros casos, a Igreja dominou o Estado. Em ambos os casos, resultou em perseguição. Portanto, os adventistas do sétimo dia acreditam que os propósitos distintamente diferentes do reino de César e do reino de Cristo são melhor alcançados quando nenhum deles é subserviente ao outro e nem invade a área que pertence ao outro”, afirma o texto (2).

A Igreja como agente positivo na sociedade

Ao não se envolver diretamente em questões político-partidárias ou da agenda da administração pública, a Igreja busca ser um agente positivo na sociedade e promover, a partir dos ensinos da Bíblia, a justiça social e o cuidado com todas as pessoas, e isso pode envolver a interação com governos em questões de interesse público. Por exemplo, a Igreja pode trabalhar com governos para fornecer assistência humanitária, ajuda em desastres naturais, cuidados de saúde, educação e outras iniciativas que beneficiem a comunidade em geral.

É com base neste princípio que a Igreja Adventista do Sétimo Dia apoia a liberdade religiosa, que é o direito das pessoas escolherem sua própria religião e praticá-la livremente. E com isso, incentiva a cooperação entre religião e sociedade, mas não apoia a imposição de qualquer crença religiosa sobre outras pessoas.

Comentando sobre o tema, o pastor Ted Wilson, presidente mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, disse que os adventistas “acreditam na construção da sociedade através do poder de Deus e se esforçam para ajudar os governos a alcançá-la, sem conexão direta com esses governos ou com partidos políticos” (3).

O pensamento do líder mundial da Igreja corrobora um importante documento, com o título “Relações Igreja-Estado”, que estabelece as diretrizes do relacionamento dos adventistas com o governo. Alguns trechos do documento ajudam a tornar a posição ainda mais clara:

“Como cristãos, os adventistas do sétimo dia reconhecem o papel legítimo do governo organizado na sociedade. Apoiamos o direito do Estado de legislar sobre questões seculares e apoiamos o cumprimento de tais leis. Quando nos deparamos com uma situação em que a lei da Terra entra em conflito com os mandatos bíblicos, no entanto, concordamos com a liminar bíblica de que devemos obedecer a Deus em vez do homem (…) A Igreja Adventista do Sétimo Dia está consciente da longa história do envolvimento do povo de Deus nos assuntos civis. José exerceu o poder civil no Egito. Da mesma forma, Daniel subiu ao auge do poder civil na Babilônia e a nação foi beneficiada como resultado. (…) Na própria história da Igreja, os adventistas se juntaram a outras organizações religiosas e seculares para exercer influência sobre as autoridades civis para cessar a escravidão e promover a causa da liberdade religiosa (…)”(4).

O documento segue, afirmando que, embora os adventistas não devam patrocinar partidos políticos ou utilizar o púlpito ou as publicações oficiais para promover teorias políticas, reconhece o direito de membros da iIreja de participar da administração pública ou da atividade política. Está descrito no texto: “Os adventistas podem adequadamente aspirar a servir em posições de liderança civil. No entanto, devemos permanecer sempre atentos aos perigos que estão associados à influência religiosa nos assuntos civis e evitar assiduamente tais perigos. Quando os adventistas se tornam líderes ou exercem influência em sua sociedade em geral, isso deve ser feito de maneira consistente com a regra de ouro. Portanto, devemos trabalhar para estabelecer uma liberdade religiosa robusta para todos e não devemos usar nossa influência com líderes políticos e civis para promover nossa fé ou inibir a fé dos outros” (5).

É um posicionamento coerente com uma Igreja que tem a missão de apontar o Salvador e Seu amor e justiça, para inspirar diariamente as pessoas e torná-las cidadãs honradas de qualquer país, com cidadania final no reino celestial.


Referências

(1) Ação da ADRA foi resposta à insegurança alimentar de 300 famílias afetadas pelas chuvas na Bahia. Disponível em: <https://noticias.adventistas.org/pt/noticia/adra/adra-inseguranca-alimentar-bahia/>

(2) Site Ellen White Estate: Compartilhando a Visão. Disponível em <https://ellenwhite.org/topics/500>

(3) Should Adventists be politically active?. Coluna do Pastor Ted Wilson. Disponível em: <https://www.pastortedwilson.org/should-adventists-be-politically-active/>

(4) Documento “Church-State Relations”. Disponível em <https://www.adventist.org/documents/church-state-relations/>.

Idem.

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Uma compreensão adventista sobre o direito à liberdade de religião e crença

Helio Carnassale é teólogo, mestre em Ciência das Religião, e foi diretor do departamento de Liberdade Religiosa da sede sul-americana adventista. Heron Santana é jornalista e diretor do departamento de Comunicação e Liberdade Religiosa da Igreja Adventista para os Estados da Bahia e Sergipe.