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Coluna | Felipe Lemos

A comunicação religiosa e o desafio dos cortes de vídeos 

Na chamada economia da atenção, vídeos superficiais se tornam um desafio a uma fé religiosa que precisa mais consistência para ser desenvolvida


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Ao consumir cortes de vídeo, é preciso ter em mente que há um contexto maior a ser considerado antes que uma análise conclusiva seja feita (Foto: Shutterstock)

Eu cresci como profissional no contexto comunicacional em que o texto escrito era o centro das atenções. Evidentemente, isso mudou em grande parte devido à popularização da linguagem audiovisual. Recentemente, minha filha, uma nativa digital, fez-me enxergar isso com mais clareza. Perguntei a ela qual seria uma boa forma de fazer vídeos que interessassem às pessoas. Obviamente, ela pensou em si mesma como público e respondeu: “Pai, hoje o negócio são shorts, vídeos curtos. Ninguém quase olha vídeos longos!”. E então vejo ela, de vez em quando, deslizando o dedo pela tela em busca de segundos e minutos de conteúdo. Uns interessantes; outros, nem tanto. 

Vídeos curtos, muitos deles cortes ou partes de vídeos maiores, já são uma mania digital há alguns anos. Em um artigo de 2020, o pesquisador Tongxi Zhang observava a tendência comportamental de consumo de vídeos curtos. Ele escreveu que “com as mentes únicas e a criatividade das pessoas desta geração, muitos têm dependido das redes sociais para definir seu humor ou emoções. Primordialmente, o objetivo de plataformas de vídeos curtos é o entretenimento”. 

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Segundo o YouTube, o YouTube Shorts (vídeos curtos), em 2023, registrava mais de 70 bilhões de visualizações diárias, e o número de canais que publicam shorts cresceu 50% ao ano globalmente. Uma análise da plataforma mostra que as visualizações de YouTube Shorts em TVs conectadas globalmente cresceram mais de 100% de janeiro a setembro de 2023.  

Pontos positivos 

É inegável que os vídeos curtos se tornaram uma forma de levar conteúdo a muita gente. Os shorts, seja qual for a plataforma, chamam a atenção de muitos desavisados e distraídos. Os vídeos engraçados conduzem as pessoas até cursos ou plataformas em que podem comprar produtos ou serviços. É um grande negócio, tanto para quem produz conteúdo quanto para as empresas que ganham bilhões de dólares administrando as plataformas com suas regras e critérios. No Brasil, por exemplo, políticos e aspirantes a políticos já utilizam com maior frequência o recurso dos cortes. Tudo para que suas mensagens passem a fazer parte da timeline permanente dos usuários. 

No contexto da comunicação religiosa, especialmente do estudo da Bíblia, também se torna uma boa oportunidade. Se temos mais gente vendo vídeos curtos, o ambiente parece interessante a fim de que influenciadores cristãos apresentem seus conteúdos em partes menores. É uma grande competição pelo interesse das pessoas. 

Pontos de atenção 

Mas nem tudo é oportunidade quando se fala de meios digitais. A comunicação estabelecida por meio de vídeos curtos indica, também, muita superficialidade. Lembre-se que um corte não é o todo. Hoje o contexto vem sendo chutado para fora das telas. O que se vê são pedaços de falas, de sermões, de aulas, de entrevistas, de debates, de histórias contadas. Intensifica-se a realidade de pessoas que aprendem a partir de extratos cuidadosamente pensados e intencionalmente preparados em vídeos que as levam a uma decisão sobre o que é a realidade. 

E então há um ponto de alerta importante. Em tempos de uso desenfreado de recursos de inteligência artificial (IA) generativa, é possível, ainda, construir discursos e argumentações, em partes ou pedaços, absolutamente descontextualizados e falsos. 

Bíblia em contexto 

A mensagem bíblica é um dos alvos deste novo paradigma comunicacional de vídeos curtos. Professores, pregadores, mentores, coachs e outros que se propõem a ensinar em cortes de vídeo utilizam o recurso abundantemente. Cativam uma audiência com pedaços de ideias e recortes de conceitos. Fatalmente, apelam para chamadas ou títulos simplistas e mentirosos mesmo. Desprezam o conteúdo bíblico de forma contextualizada e só se preocupam em vender uma ideia. Obviamente, não se pode generalizar, mas isso está se tornando uma prática comum. 

O estudo do texto bíblico vai muito além de 15 ou 20 vídeos curtinhos subindo e descendo diariamente na tela do aparelho que está em suas mãos. A coleção dos 66 livros canonizados do Antigo e Novo Testamentos é considerada, pelos cristãos, como inspirada por Deus para edificar espiritualmente aquele que confia nesta palavra como revelação divina. 

O apóstolo Paulo ilustra bem a necessidade de se entender o texto sagrado como uma mensagem coesa. Em II Timóteo 3:14-16, ele explica ao jovem líder que “quanto a você, permaneça naquilo que aprendeu e em que acredita firmemente, sabendo de quem você o aprendeu e que, desde a infância, você conhece as sagradas letras, que podem torná-lo sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (Nova Almeida Atualizada). 

A totalidade da Bíblia, e não partes isoladas, permite uma compreensão integral da revelação. O recurso da intertextualidade predomina nos escritos sagrados. É a ideia de um texto anterior, cronologicamente falando, que auxilia na compreensão de outro posterior. João, o autor do Apocalipse, faz eco a textos de Ezequiel, Deuteronômio, Jeremias, Zacarias, entre outros, para ajudar seu público a criar sentido com a mensagem. Paulo faz o mesmo e cita salmos, textos de Isaías; Jesus se valeu de porções do Pentateuco para ensinar. Há outros exemplos, mas entendamos que a Bíblia é estudada como um grupo de livros cuja autoria é a mesma (Deus), ainda que no estilo de diferentes escritores em tempos diferentes. 

Conselhos finais 

É preciso assistir a vídeos curtos ou shorts exercendo alto grau de capacidade crítica. Nem todas as ideias expostas nas plataformas digitais expressam realmente a realidade do que a Bíblia pretende ensinar. A preguiça mental e o desejo de assimilar lacrações podem determinar uma leitura pobre de um texto rico como é o livro sagrado do cristianismo. 

Por isso, deixo alguns conselhos comunicacionais sobre estudo da Bíblia em tempos de vídeos curtos, sintetizados em três tópicos: 

  1. Pesquise sobre a temática do vídeo curto que apareceu para você antes de compartilhar ou recomendar a ideia a outros. Hoje a IA e os sistemas de busca estão teoricamente mais precisos e podem oferecer múltiplas possibilidades de autores e comentaristas que ajudam a dar uma visão ampla do texto mencionado ou do tema abordado. 
  1. Busque os vídeos completos que deram origem aos cortes. Verifique o contexto em que tais palavras foram empregadas. Não se apresse em concluir algo que nem a argumentação completa teve a pretensão de oferecer. Rápidas conclusões costumam esconder pensamentos equivocados baseados em atitudes precipitadas. 
  1. Desenvolva o hábito de estudar a Bíblia, em oração e dependência de Deus, na condição de um cristão. Invista tempo em comparar textos de diferentes livros da própria Bíblia, selecione bons comentários de contexto histórico e cultural e permita que o Espírito Santo o guie nessa jornada. 

Referências: 

1. Bite-Sized Content, Big Impact - Unlocking The Advertising Power of YouTube – Disponível em https://www.comscore.com/Insights/Blog/Unlocking-the-Advertising-Power-of-YouTube.  

2. Zhang, Tongxi. (2020). A Brief Study on Short Video Platform and Education.  

Felipe Lemos

Felipe Lemos

Comunicação estratégica

Ideias para uma melhor comunicação pessoal e organizacional.

Jornalista, especialista em marketing, comunicação corporativa e mestre na linha de Comunicação nas Organizações. Autor de crônicas e artigos diversos. Gerencia a Assessoria de Comunicação da sede sul-americana adventista, localizada em Brasília. @felipelemos29