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Coluna | Felipe Lemos

Comunicação, cristianismo e bolhas informacionais

Por que a ideia de bolhas informacionais não é tão interessante para cristãos preocupados com o conceito de pregação do evangelho?


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Bolhas informacionais são um fenômeno nem tão novo, mas os danos a uma visão mais abrangente da missão cristã são bem evidentes. (Foto: Shutterstock)
Bolhas informacionais são um fenômeno nem tão novo, mas os danos a uma visão mais abrangente da missão cristã são bem evidentes. (Foto: Shutterstock)

É impossível falar de comunicação eficiente entre indivíduos e das organizações atualmente sem mencionar o fenômeno das bolhas informacionais ou sociais. E antes que o leitor desavisado imagine que ele não tem qualquer relação com o tema, permita-me apenas dar um exemplo.

Você, que tem perfil em alguma rede social, provavelmente já recebeu a sugestão da rede social para seguir alguém que você desconhece; ou, de forma insistente, a tal rede social chegou a mostrar atualizações a perfis que você não segue, mas cujas postagens são parecidas com as de outras pessoas seguidas por você.

Definições importantes

Se já passou por tal experiência, ou ainda vai passar, o tema das bolhas informacionais lhe interessa. O conceito é visto na comunicação em todas as dimensões, mas acarreta, principalmente, implicações psicológicas e até em relação à religião professada.

O termo filtro-bolha foi exposto, pela primeira vez em 2011, pelo ativista político e da internet Eli Parisier. Autor do livro O filtro invisível – o que a internet está escondendo de você, ele explicou o conceito, em entrevista ao jornal El País, em 2017. O empresário esclareceu que a ideia da filtragem intencional de informações é real e, portanto, declarou que “existe esse processo de filtragem, de uma enorme quantidade de informações que podem chegar ao leitor, que são selecionadas por esses algoritmos. O que mudou é que toda esta construção se tornou consciente de si mesma”.[1]

Lúcia Santaella, doutora em Teoria Literária, professora e uma das maiores especialistas em semiótica, comenta que “mais e mais, o monitor de nossos computadores é uma espécie de espelho unilateral que reflete tão só e apenas nossos próprios interesses, enquanto os algoritmos observam tudo o que clicamos”.[2] ­

Os algoritmos são basicamente uma sequência de instruções bem definidas, normalmente usadas para resolver problemas de matemática específicos, executar tarefas, ou para realizar cálculos e equações. No caso das redes sociais, o uso objetivo por parte das big techs (controladoras das redes que nós usamos) é publicitário, ou seja, fazer com que um anúncio de produto, serviço ou mensagem chegue às pessoas com chance altíssima de consumo.

Criando as bolhas

Completando a ideia de Santaella, a jornalista Madeleine Lacsko analisa o efeito dos algoritmos na vida. E isso vai além das vendas. As pessoas tendem a estabelecer bolhas informacionais, dando a impressão de que tudo o que veem ali é a única vida existente. Nas palavras de Madeleine, “todas as vezes que você dedicar sua atenção a alguma coisa, a rede social fará com que apareça na sua timeline mais conteúdo do mesmo tipo, com o objetivo de manter você usando”.[3]

Em resumo, as bolhas informacionais levam as pessoas (eu, você, pessoas de nossa família, nossos amigos) a pensar que aquilo que consomem na internet, sobretudo nas redes sociais, é a única ou a mais provável realidade existente. De acordo com essa lógica, tudo o que não está ali, ou não existe, ou é uma grande mentira a ser evitada e repelida.

Bíblia e as bolhas

Mas a comunicação contemplada pela ideia divina de levar adiante a mensagem bíblica vai no sentido contrário ao das bolhas informacionais. Biblicamente, Deus idealizou o plano de salvação da humanidade de uma forma ampla e abrangente, isto é, exatamente o contrário da ideia destas bolhas nas quais as pessoas se fecham para as demais ideias e indivíduos.

Noé falou do dilúvio aos moradores do planeta em sua época. Tudo leva a crer que foi uma mensagem comunicada de forma ampla e irrestrita. A maioria esmagadora do público lamentavelmente, segundo se deduz do relato, não se interessou pela mensagem e preferiu ficar presa em sua própria bolha informacional; no caso, provavelmente a reação se deu porque, talvez, imaginassem que a crença em uma grande inundação era improvável; que Noé era um lunático ou que Deus não iria destruir a ninguém. O texto afirma que “então Deus disse a Noé: — Resolvi acabar com todos os seres humanos, porque a terra está cheia de violência por causa deles. Eis que os destruirei juntamente com a terra”. Gênesis 6:13

Há um outro episódio na narrativa bíblica contundente, no Antigo Testamento, quanto à existência de bolhas informacionais. E o fato de muitos crerem nelas levou a consequências drásticas. A Bíblia fala que Deus levantou vários profetas, dentro os quais Jeremias, Ezequiel, Habacuque e Oseias, responsáveis por avisar a liderança religiosa de suas épocas acerca da invasão do império de Babilônia e de um futuro cativeiro da nação de Judá. Jeremias, inclusive, informou que o exílio duraria até 70 anos.

Mas a realidade profética deu lugar a uma outra realidade, estabelecida dentro de uma perspectiva de bolha informacional. Monarcas israelitas como Jeoaquim, Joaquim e Zedequias se fecharam para uma mensagem dos profetas legítimos da parte de Deus. E optaram por “comprar” um discurso de que, em pouco tempo, Judá conseguiria resistir à Babilônica, inclusive articulando uma coalização militar com o Egito.

O texto explica que “ora, nesse tempo o exército do rei da Babilônia cercava Jerusalém, e o profeta Jeremias estava preso no pátio da guarda que estava no palácio do rei de Judá. Pois Zedequias, rei de Judá, o havia encerrado, dizendo: — Como você ousa profetizar que o Senhor Deus disse que entregará esta cidade nas mãos do rei da Babilônia, e que este a conquistará? Como ousa dizer que Zedequias, rei de Judá, não escapará das mãos dos caldeus, mas infalivelmente será entregue nas mãos do rei da Babilônia, vindo a falar com ele pessoalmente e vendo-o face a face?
Como ousa profetizar que ele levará Zedequias para a Babilônia, onde ficará até que o Senhor atente para ele, como ele mesmo disse, e que, se lutarmos contra os caldeus, não seremos bem-sucedidos?”. Jeremias 32:2-5

Os problemas das bolhas para pregação do evangelho

Deixar de se abrir para entender o que está fora da sua bolha informacional pode impedir de enxergar a realidade. E isso, evidentemente, limita a capacidade de tomar decisões mais corretas. Se pensamos que a única realidade possível é aquela que consumimos dentro do perverso e lucrativo sistema de algoritmos retroalimentando as ideias, deixamos de entender como outros, diferentes de nós, pensam.

E isso é totalmente limitador para cristãos que receberam, de Cristo, a missão de pregar o evangelho a todas as pessoas (Mateus 24:14), ou a toda a tribo conforme Apocalipse 14:6. O evangelho não vai ser pregado em bolhas ou para bolhas, mas para pessoas que, inclusive, reagem negativamente ao evangelho.

Caminhos possíveis

Por conta disso, deixo três sugestões para cristãos preocupados em cumprir com a missão da maneira como Deus espera e evitar a influência contundente do ambiente caracterizada pelas bolhas informacionais:

  1. Não se informe ou aprenda apenas por meio do que está nas redes sociais. É claro que tudo hoje passa, de certa forma, pelo meio digital, mas não limite seu conhecimento sobre a Bíblia, sobre a religião do outro ou sobre diferentes sistemas de crenças apenas unicamente por meio daquilo que se divulga nas redes sociais. Lembre-se que um dos grandes objetivos das redes é fomentar discussões, e não necessariamente ensinar.
  2. Ao receber informação nas suas redes sociais, verifique outras fontes que tratam do assunto, inclusive as que contrariam os argumentos. Compare informações, aprenda a checar fontes consideradas oficiais para determinados assuntos, observe se a Bíblia e os regulamentos e normas da sua igreja falam algo a respeito do assunto. Às vezes, até informações divergentes devem ser objeto da nossa leitura e atenção. Isso enriquece até mesmo a confirmação de nossas crenças.
  3. Não restrinja sua vida ao uso de redes sociais. Poderia citar aqui alguns estudos e artigos sobre os riscos da hiper conexão ou de uso excessivo de redes sociais, mas, mesmo sem tais referências, fica bem óbvio que um cristão deve ter uma vida que contemple distintas atividades, o que inclui leituras de livros e boa qualidade, lazer ao ar livre, e descanso.

 As bolhas informacionais existem, são úteis para organizações que controlam plataformas em redes sociais e, portanto, atendem a interesses financeiros. A compreensão de um cristão que se diz temente a Deus e deseja compartilhar o evangelho deveria ser mais ampla do que isso. Vá além das bolhas criadas para limitar sua visão acerca da Bíblia e da maneira como a sua mensagem pode ser compartilhada e deixe Deus guiar seu pensamento para algo que ultrapassa as redes sociais.


Referências:

[1] “O problema é que damos todo o poder para plataformas como Google e Facebook”. Disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/186-noticias-2017/568896-o-problema-e-que-damos-todo-o-poder-para-plataformas-como-google-e-facebook.

[2] Santaella, Lúcia. A pós-verdade é verdadeira ou falsa?

[3] Lacksko, Madeleine. Cancelando o cancelamento, página 102.

Felipe Lemos

Felipe Lemos

Comunicação estratégica

Ideias para uma melhor comunicação pessoal e organizacional.

Jornalista, especialista em marketing, comunicação corporativa e mestre na linha de Comunicação nas Organizações. Autor de crônicas e artigos diversos. Gerencia a Assessoria de Comunicação da sede sul-americana adventista, localizada em Brasília. @felipelemos29