Uma visão bíblica e de Ellen White sobre teologia da ordenação
Marcos Blanco, doutor em Teologia e diretor da Revista Adventista em espanhol, apresenta uma proposta para abordagem do assunto.
Em julho de 2021, a Comissão Diretiva Plenária da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul aprovou o relatório produzido por uma comissão especial a respeito do fortalecimento da atividade do ancionato. Entre as indicações estava a autorização para que as congregações adventistas possam recomendar a ordenação de mulheres para atuarem como anciãs.
O registro histórico demonstra, ao menos, 16 votos da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia e da Divisão Norte-Americana relacionados à ordenação. O primeiro é datado de 1881, da Associação Geral. Em 1984, o Concílio Anual da sede mundial adventista reafirmou um voto de 1975 sobre o tema. E assegurou que as mulheres podem ser ordenadas anciãs da igreja local nas Divisões que resolverem decidir desta forma.
Para tratar dos aspectos bíblicos e presentes em textos de Ellen White a respeito da teologia da ordenação, a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) conversou com o pastor Marcos Blanco. Ele é doutor em Teologia, diretor da Revista Adventista em espanhol e gerente de redação da Asociación Casa Editora Sudamericana (ACES). Durante a votação do documento sobre o fortalecimento do ancionato, Blanco fez uma exposição sobre esta temática.
Sobre ordenação
Qual é o conceito básico de ordenação segundo a Bíblia?
A Igreja Adventista entende que o cristão, ao se unir à Igreja por meio do batismo, nasce em uma nova vida e passa a fazer parte de um sacerdócio real cuja missão é anunciar “as virtudes daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pedro 2:9). Assim, todos os crentes recebem esse ministério da reconciliação (2 Coríntios 5:18-20), e são chamados e capacitados pelo poder do Espírito e pelos dons que Ele lhes concede para cumprir a comissão do evangelho (Mateus 28:18-20).
Agora, embora todos os crentes sejam chamados para utilizar seus dons espirituais para o ministério, a Bíblia menciona que algumas posições de liderança eram respaldadas publicamente (Números 11:16, 17; Atos 6:1-6; 13:1-3; 14:23; 1 Timóteo 3:1-12; Tito 1:5-9). Em algumas ocasiões, esse respaldo foi dado por meio da “imposição de mãos”, como no caso dos diáconos (Atos 6:6), de Barnabé e Paulo (Atos 13:3).
No entanto, é necessário levar em consideração que a ordenação tenha variado seu significado teológico e eclesiástico ao longo do tempo. Há cristãos que entendem que a ordenação transfere algum poder ou graça especial. Apesar disso, os adventistas entendem que a ordenação bíblica é a ação da Igreja que reconhece publicamente aqueles que o Senhor chamou e capacitou para o ministério da igreja local e global. Nesse sentido, a ordenação não transmite qualidades especiais às pessoas ordenadas nem introduz uma hierarquia real dentro da comunidade de fé, mas confere autoridade representativa para o trabalho específico do ministério para o qual foram nomeadas (Atos 6:1-3; 13:1-3; 1 Timóteo 5:17; Tito 2:15).
Deste ponto de vista, poderíamos dizer que a ordenação é uma habilitação para o serviço e para representar a Igreja, para proclamar o evangelho, administrar a Santa Ceia e o batismo, plantar e organizar igrejas, guiar e instruir os membros, opor-se aos falsos ensinamentos e geralmente prestar serviço à congregação (Atos 6:3; 20:28, 29; 1 Timóteo 3:2, 4, 5; 2 Timóteo 1:13, 14; 2:2; 4:5; Tito 1:5, 9).
Superioridade dos homens?
A Bíblia apresenta um conceito de não superioridade dos homens sobre as mulheres em termos de liderança ou não?
Este é um tema amplo que merece alguma análise. No relato da criação do ser humano que Gênesis nos apresenta, Adão e Eva foram criados iguais: ambos recebem a imagem e a semelhança de Deus, uma vez que compartilham a mesma natureza; ambos recebem a função de governar o resto da criação; e ambos recebem a mesma bênção: “Assim Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27). Há diferenciação de sexo (gênero), porque eles têm diferenças complementares, mas nenhum é colocado sob a sujeição do outro. Apenas como consequência da queda, a mulher é colocada sob a sujeição de seu esposo. Ellen White deixa claro:
“Na criação Deus a fizera [Eva] igual a Adão. Se houvessem eles permanecido obedientes a Deus – em harmonia com Sua grande lei de amor –, sempre estariam em harmonia um com o outro; mas o pecado trouxera a discórdia, e agora poderia manter-se a sua união e conservar-se a harmonia unicamente pela submissão por parte de um ou de outro. [...] Se os princípios ordenados na lei de Deus tivessem sido acariciados pela raça decaída, esta sentença, se bem que proveniente dos resultados do pecado, ter-se-ia mostrado ser uma bênção para o gênero humano; mas o abuso da supremacia assim dada ao homem tem tornado a sorte da mulher mui frequentemente bastante amargurada, fazendo de sua vida um fardo” (Patriarcas e Profetas, página 29, ênfase acrescentada).
Se prestarmos atenção, o novo acordo era necessário porque o pecado trazia discórdia na relação marido-mulher. Não há nenhuma indicação no texto bíblico, nem em Ellen White, de que as mulheres de lá em diante estariam submissas aos homens em geral. Essa ordem se restringe ao lar. A submissão das mulheres a seus maridos depois da queda não fecha a possibilidade de que uma mulher ocupe postos importantes de liderança fora do lar, na sociedade e entre o povo de Deus.
Além disso, gostaria de esclarecer que, segundo o apóstolo Paulo, a submissão entre cônjuges deve ser mútua (“Sujeitem-se uns aos outros no temor de Cristo” [Efésios 5:21]), e isso significa que o esposo deve amar “a sua esposa, como também Cristo amou a igreja” (Efésios 5:25).
Mulheres no Antigo Testamento
Em seus estudos, o que você percebeu sobre o papel das profetisas do Antigo Testamento e das líderes da igreja cristã no século I da Era Cristã, conforme registrado no Novo Testamento? Você pode falar sobre mulheres chamadas para atuar como líderes?
É evidente que a mulher não estava subordinada ao homem nas esferas intelectual, mental, emocional e em outros âmbitos. Uma mulher podia participar em condições de igualdade com o homem na vida pública do antigo Israel. Conhecemos mulheres importantes desde o mais antigo até o último período da história de Israel. Miriã, por exemplo, atuou como conselheira do governo (Êxodo 2:4, 7, 8; 15:20, 21) e foi profetisa (Êxodo 15:20).
Temos Débora, essa heroína israelita que serviu como “juíza”, igual aos outros juízes e que também foi profetisa (Juízes 4; 5). Atália governou como rainha sobre Judá durante seis anos (2 Reis 11). Os ministros do rei consultaram Hulda, a profetisa (2 Reis 22:14). A esposa de Isaías também era “profetisa” (Isaías 8:3). Em outro contexto, o livro de Ester conta como uma mulher salvou a nação. Algo importante de destacar é que, no Antigo Testamento, tanto os homens como as mulheres podiam fazer o voto nazireu e ser dedicados e separados para Deus (Números 6:2).
Dessa forma, o Antigo Testamento proporciona uma ampla evidência de que Deus escolheu as mulheres para a liderança espiritual e política, considerando-as capazes de realizar tais tarefas.
E quanto ao Novo Testamento?
Quando vamos para o Novo Testamento, a liderança era exercida por meio dos dons espirituais que o Espírito Santo dá para o benefício da igreja e para o cumprimento da missão (Romanos 12; Efésios 4). Cada seguidor de Cristo, sem exceção, tem uma contribuição especial e única a fazer para o bem-estar e para a missão da igreja, segundo o dom que lhe foi dado. Agora, como Igreja Adventista, consideramos que os dons do Espírito não são outorgados sobre a base de gênero. Os dons espirituais relacionados com a liderança não são de exclusividade do homem, mas o Espírito Santo outorga dons segundo acredita ser necessário, independentemente do sexo.
O Novo Testamento contém muitos exemplos de mulheres piedosas que dirigem, pregam, ensinam e discipulam: Priscila instrui Apolo (Atos 18:24-26); o apóstolo Paulo envia uma saudação a Maria e Júnias, “muito respeitadas entre os apóstolos” (Romanos 16:6, 7); menciona Febe, como diaconisa da i111111greja em Cencreia (Romanos 16:1); Lídia era uma mulher poderosa na comunidade, cabeça do lar e que cuidou de Paulo e Silas (Atos 16:14, 15); Ninfa é descrita como líder da igreja que se reunia na casa dela (Colossenses 4:15); e o apóstolo Paulo menciona, entre seus “colegas” ou “colegas de trabalho” (sunergos, em grego) a Timóteo (1 Tessalonicesses 3:2), Tito (2 Coríntios 8:23), Epafrodito (Filipenses 2:25), Clemente (4:3) e Filemom (Filemon 1:1), por exemplo, mas também a mulheres como Priscila (Romanos 16:3) e Evódia e Síntique (Filipenses 4:2, 3).
Argumentos opostos
Os que são contrários à ordenação da mulher, seja para o ancionato seja para o ministério, argumentam, por exemplo, que a liderança eclesiástica é uma prerrogativa dos homens, já que as mulheres sempre atuaram como complemento. Como você vê esse argumento?
É verdade que vemos uma forte presença masculina na liderança do Antigo Testamento. Por outro lado, já mencionei vários exemplos em que as mulheres desempenharam cargos de liderança espiritual, bem como em outros âmbitos. Quando Gênesis menciona que Eva foi criada como “ajudadora idônea”, aponta que a mulher seria uma contraparte adequada no mesmo nível de igualdade.
Há alguns que pensam que, porque o marido é o “cabeça da mulher” ou “cabeça do lar”, então ele tem que ser “cabeça da mulher” dentro da igreja. Segundo eles, isso desqualificaria a mulher de exercer posições de liderança. No entanto, de acordo com as Escrituras, Cristo é o único Cabeça da Igreja, enquanto os membros humanos da igreja de Cristo, coletivamente (homens e mulheres), formam o corpo de Cristo (Efésios 1:22, 23; 5:23; Colossenses 1:18; 2:19; cf. 1 Coríntios 11:3; Colossenses 2:10).
Da mesma forma, Ellen White afirma: “Cristo, não o pastor, é o cabeça da igreja” (Signs of the Times, 27 de janeiro de 1890), e “Cristo é o único Cabeça da igreja” (Manuscript Releases, v. 21, p. 274). Nem as Escrituras nem os escritos de Ellen White aplicam a expressão “liderança cefálica” na igreja a ninguém além de Cristo. Além disso, nem as Escrituras nem os escritos de Ellen White apoiam nenhuma transferência da função de cabeça no lar às funções dentro do corpo da igreja.