Liberdade religiosa deve estar fundamentada no diálogo e respeito, sublinha encontro
Evento reúne líderes adventistas de todo o mundo
Fort Lauderdale, Flórida... [ASN] Dez dias atrás, no dia 13 de agosto, a pequena e pacata cidade de Charlottesville, no Estado da Virgínia, Estados Unidos, foi palco da maior marcha de supremacistas brancos em solo americano nos últimos anos. O caos se estabeleceu: confrontos com manifestantes contrários aos racistas deixaram três mortos e mais de 30 pessoas feridas. Uma mulher morreu depois que um carro foi jogado contra manifestantes críticos a grupos racistas. No dia 22 de agosto, a cerca de 1,6 mil quilômetros de distância de Charlottesville, na ensolarada Fort Lauderdale, no sul da Flórida, o 8º Congresso Mundial de Liberdade Religiosa teve início sob o tema “Liberdade Religiosa e Esperança para Coexistência Pacífica”, com a participação de delegações que somaram mais de 600 pessoas de 60 países. Em Charlottesville, as conexões entre valores religiosos e práticas políticas mostraram o resultado do uso da força em detrimento das ideias. Durante o encontro, o conceito predominante foi outro: o exercício da força não pode promover liberdade religiosa e liberdade de consciência; só o diálogo é capaz de tal afirmação.
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Foi um posicionamento que pontuou o primeiro dia de reuniões plenárias no congresso. Desde a mensagem de boas vindas do embaixador da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla, sigla em inglês), para quem “não precisa haver conflito entre nós simplesmente porque nossas visões teológicas divergem”; passando pela mensagem do diplomata maldívio Ahmed Shaheed, relator especial da Organização das Nações Unidas para a Liberdade de Religião e de Crença, que trouxe mensagem por meio de vídeo alertando que “vivemos em um mundo em que a violência em nome da religião está destruindo sociedades”, mas lembrando, otimista, que “os valores de coexistência, compaixão, empatia e solidariedade permeiam, como um ponto em comum, inúmeras convicções não violentas”; e teve um ponto excepcionalmente relevante quando David Little, autoridade em assuntos de liberdade religiosa, ética e direitos humanos, que atuou como professor de Prática de Religião, Etnia e Conflito Internacional na Harvard Divinity School, e foi membro do Comitê Consultivo do Departamento de Estado sobre Liberdade Religiosa no Exterior, apresentou seminário homenageando Roger Williams, teólogo inglês que fundou em 1638 a Primeira Igreja Batista na América, precursor da separação entre Igreja e Estado, e defensor ardoroso dos princípios de separatismo, liberdade de religião e separação de Estado e igreja, para quem a “essência da liberdade de consciência está no diálogo e não no exercício da força”.
O evento também contou com a participação do diplomata americano Robert A. Seiple, que foi nomeado primeiro embaixador dos Estados Unidos para a liberdade religiosa, em 1999. Seiple conversou, em vídeo, com a jornalista Betina Krause, homenageando defensores da liberdade religiosa. Destaque também para a palestra de Brian J. Grim, presidente da Religious Freedom & Business Foundation e especialista em impacto socioeconômico das restrições à liberdade religiosa, que apresentou cases de negócios sociais e iniciativas empreendedoras, de várias partes do mundo, que valorizam a liberdade religiosa e de consciência.
Debate sobre a América do Sul
Durante a tarde, houve separação de grupos para sessões de trabalho sobre o tema “Paz e Liberdade Religiosa”. No espaço destinado para discussões em português, líderes do Brasil e representantes de outros países participaram de seminários, seguido de debate sobre liberdade religiosa em países da América do Sul. O encontro contou com a presença do pastor Erton Köhler, presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia para oito países sul-americanos; do pastor Helio Carnassale, diretor de Liberdade Religiosa da Igreja Adventista para o mesmo território, acompanhando por lideranças regionais, como Eder Leal e Almir Oliveira, respectivamente líderes de Liberdade Religiosa da Igreja Adventista para os territórios sudeste e noroeste do Brasil. A mediação foi realizada pela advogada Damaris Moura, presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo.
Köhler pontuou as tensões políticas e ideológicas que se lançam no Brasil e em alguns países sul-americanos, apelando para que a Igreja procure ter uma conduta de equilíbrio. “É preciso ir em busca de uma liberdade religiosa inclusiva; defender a liberdade religiosa não é defender os próprios interesses, mas o interesse de todos, desde que a crença não prejudique o semelhante”, discursou. Para ele, é preciso liberdade para se expressar sem ser descriminalizado, e lembrou casos de professores que não têm direito de ensinar o que a Bíblia diz sobre a criação do mundo, por exemplo, como contraponto ao que diz a ciência, ou mesmo pessoas prejudicadas pela observância de um dia sagrado. “A defesa se baseia em duas palavras: liberdade e respeito. É isso o que devemos oferecer. É isso que devemos ter."
Helio Carnassale advertiu sobre o crescimento das demonstrações de hostilidade social provocadas por intolerância religiosa em países da América do Sul como o Brasil, Argentina e Bolívia. Com base em dados do instituto de pesquisa Pew Research Center, alertou que o crescimento das hostilidades fez com que o Brasil saísse de uma situação de baixa para moderada hostilidade social. Ele fez um apelo para que os adventistas não busquem a hostilidade contra outros grupos religiosos como forma de expressão de crença. “Conhecemos as profecias, sabemos a verdade, devemos pregá-la e vivê-la sem maquiar ou minimizar sua relevância, mas precisamos fazer isso sem ser hostil com outras crenças”, reforçou, em uma linha de raciocínio compartilhada por seus colegas.
O encontro segue hoje com o debate de meios e métodos de promoção da liberdade religiosa em todo o mundo. O Congresso Mundial de Liberdade Religiosa vai até o dia 24 de agosto. [Equipe ASN, Heron Santana]