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Coluna | Leonardo Godinho Nunes

Daniel 5, a queda da Babilônia e o fim

O que o capítulo 5 do livro do profeta nos fala sobre a soberania divina sobre os impérios e a respeito da queda de Babilônia de uma maneira mais ampla?


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Famosa pintura de Rembrandt ilustrando o episódio descrito no capítulo 5 de Daniel. (Foto: https://thewritelife.tech/2017/12/22/daniel-5-writing-wall-gods-message-king-belshazzar/).

Em Daniel, “as perspectivas humanas e celestiais se encontram no contexto da história”[1]. As visões, estrutura, narrativas, teologia e abrangência profética nele descritas o diferenciam dos outros livros do Antigo Testamento. O leitor é atraído por cenários intrigantes, como a destruição de uma estátua gigante por uma pedra, o aparecimento de animais híbridos que lutam entre si, ou ainda, uma batalha entre seres angelicais.

Sua estrutura está dividida em duas partes: a primeira, histórica (Daniel 1-6) e a segunda, profética (Daniel 7-12). No entanto, o livro é uma unidade literária. As diferentes seções se comunicam entre si. A maneira como Deus lida com Babilônia ilustra como Deus julgará as nações. Assim, a ascensão e queda das nações apresentadas na parte profética do livro devem ser compreendidas com base nos princípios descritos na seção histórica[2]. Este artigo pretende discutir sobre a revelação de Deus à Belsazar, a queda da Babilônia e suas implicações no cenário profético.

O contexto 

O profeta Daniel introduz o capítulo 5 e descreve uma grande festa que o rei fez aos seus súditos. E como ele usa os utensílios sagrados do templo de Jerusalém, trazidos por Nabucodonosor, para beber vinho e louvar aos “deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra” (Daniel 5:1-4). É interessante notar que os elementos metálicos que aparecem em Daniel 5:4 são os mesmos que compõem a estátua polimetálica descrita em Daniel 2. Nesta ocasião, o rei da Belsazar diviniza estes metais e celebra a vitória dos deuses babilônicos sobre o Deus de Israel.

Daniel 5:5-6 descreve, contudo, o aparecimento misterioso de uma mão que escreve algo na parede e que espanta o rei e seus convidados. A reação de Belsazar e sua pressa para trazer os intérpretes sugere que ele viu neste sinal um mau presságio. De fato, na Bíblia, quando a mão de Deus escreve, o faz em um contexto de juízo (Daniel 7:10; Êxodo 31:18; 34:1; Apocalipse 3:5; 21:27; Deuteronômio 10:5).

Logo após o fracasso dos intérpretes em traduzir o que estava escrito, Daniel é convidado a se apresentar diante do rei para lhe dar a interpretação. Mesmo não tendo mais a juventude de seus anos iniciais na Babilônia, as Escrituras Sagradas testificam que ele era um homem que tinha “o espírito dos deuses santos” e se achava nele “luz, e inteligência, e sabedoria como a sabedoria dos deuses” (vv. 11).

Belsazar consulta Beltessazar 

Como demostrado no esboço abaixo[3], a estrutura deste capítulo está organizada em um quiasmo[4], cujo clímax é o encontro entre Daniel e Belsazar.

A A glória do rei (vv. 1-4)

B O mistério da escrita (vv. 5-9)

C O sermão da rainha (vv. 10-12)

D Belsazar consulta Beltessazar (vv. 13-16)

C’O sermão do profeta (vv. 17-24)

B’ O mistério decifrado (vv. 25-28)

A’ A queda do rei (vv. 29-31)

Neste encontro, o rei babilônico promete a Daniel presentes e o terceiro lugar em seu reino, caso fosse revelado o mistério (vv. 16). Tais presentes são rejeitados por Daniel que, nos versos 17 a 24, introduz seu discurso a respeito de como o rei havia se levantado contra o “Senhor do céu” (vv. 23).

O profeta lembra, por sete vezes neste capítulo, que Belsazar conhecia a experiência de humilhação de Nabucodonosor (vv. 2, 11, 13, 18 e 22). Todavia, ele decidiu se levantar contra o Deus, em cuja mãos estava a sua vida (vv. 23).  O rei permitiu que “o amor dos prazeres e a glorificação do eu obliterassem as lições que jamais devia ter esquecido[5].

Interpretação da escrita na parede e suas implicações 

Após o seu discurso, o profeta passa a fazer uma exposição acerca do escrito enigmático e seu significado. Para Belsazar, a dificuldade não estava na definição das palavras, mas em compreender o significado delas para si, pois os termos tinham um significado conhecido para os falantes da língua hebraica e aramaica [6]. Por isso, Daniel esclarece dizendo: “esta é a interpretação daquilo: Mene: contou Deus o teu reino e deu cabo dele. Tequel: pesado foste na balança e achado em falta. Peres: dividido foi o teu reino e dado aos medos e aos persas” (Daniel 5:26-28).

Os três substantivos escritos na parede poderiam ser compreendidos como medidas de peso: uma mina, um shekel e a metade de uma mina[7]. A palavra mene é usada primariamente na Bíblia para mensurar prata e ouro[8]. Além disso, o termo mene deriva de uma raiz traduzida como ‘numerar, contar’ e descreve o deus babilônico do destino em Isaías 65:11, 12. Em outras palavras, o Deus de Israel determinaria o destino da nação babilônica e o número de seus dias estava completo.

O termo tekel vem de uma raiz traduzida como “pesar”. Ser pesado no contexto bíblico e do antigo Oriente Médio estava relacionado com o julgamento de Deus[9]. A leveza do shekel (10 gramas) representava um reino achado em falta diante do Deus que pesa todas as ações (1 Samuel 2:3; Salmo 62:9). Finalmente, a palavra peres envolve um verbo traduzido como “dividir”.  Na Bíblia esta palavra sempre aparece em um contexto de violência (Deuteronômio 14:2; Miqueias 3:3) e sua forma plural, encontrada em Daniel 5:25, indica a pluralidade de predadores que atacaria aquela nação.

O conteúdo revelado, portanto, descreve o destino da Babilônia. Naquele mesmo dia, em 539 a.C, Ciro e seu exército invadiram e conquistaram a cidade, o que marcou a queda da Babilônia e a ascensão do império Medo-Persa[10]. Tendo, deste modo, iniciado o cumprimento histórico da sucessão de reinos profetizados em Daniel 2:31-45.

Significado de Babilônia

Algo também digno de nota é que Babilônia, nas Escrituras Sagradas, não representa somente uma região geográfica. O termo grego Babylṓn é usado apenas 12 vezes no Novo Testamento. Sua maior incidência está no livro do Apocalipse (Apocalipse 14:8; 16:19; 17:5; 18:2,10 e 21). Nele, tem-se a Babilônia como um símbolo dos poderes das trevas que perseguem o povo de Deus no tempo do fim.

Em Apocalipse 14:8, é predita a queda da Babilônia espiritual, assim como nos tempos do reinado de Belsazar. Ao descrever as sete últimas pragas João declara que Deus se lembrará da Babilônia e lhe dará o “vinho do furor da sua ira” (Apocalipse 16:19).  Embora Apocalipse 17 descreva a grande hostilidade destes poderes a ponto de se embriagarem com “o sangue das testemunhas de Jesus (Apocalipse 17: 5-6), chegará a hora de seu juízo e Babilônia cairá (Apocalipse 18).

O conteúdo de Daniel 5 traz uma reflexão a respeito da transitoriedade dos reinos terrestres, o juízo de Deus e aponta para a queda antitípica da Babilônia do tempo do fim. Assim como Ciro conquistou Babilônia com seu exército, Jesus dará fim à Babilônia espiritual e estabelecerá o seu reino eterno, por ocasião de sua vinda. Por isso, “ficai também vós apercebidos; porque, à hora em que não cuidais, o Filho do Homem virá” (Mateus 24:44).

Este artigo foi escrito em parceria com Natan Lima,  pastor distrital no Rio Grande do Sul. 


Referências:

[1] SYMPOSIUM on Daniel: introductory and exegetical studies. Edição de Frank B. Holbrook. U.S.A.: Review and Herald Publishing Association, 1992. v. 2. p. 61

[2] COMENTARIO biblico Adventista do Sétimo Dia: Isaías a Malaquias. Edição de Francis D. Nichol, Vanderlei Dorneles. Tatuí - SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013. v. 4 . 819 e 820

[3] Doukhan, Jacques. Secrets of Daniel: Wisdom and Dreams of a Jewish Prince in Exile. Hagerstown, MD: Review and Herald Pub. Association, 2000. p. 86.

[4] Uma estrutura literária onde os elementos paralelos se correspondem em uma ordem invertida (Ex: A-B-C-Cʹ-Bʹ-Aʹ).

[5] White, Ellen G. Profetas e reis. Tradução de Carlos Alberto Trezza. 8. ed. São Paulo, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007. p. 333.

[6] BALDWIN, Joyce G.  Daniel: An Introduction and Commentary. Tyndale Old Testament Commentaries. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1978. v. 23. p. 137.

[7] Equivale respectivamente a 600g, 10g e 300g.

[8] SWANSON, James. Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domains: Aramaic (Old Testament). Oak Harbor: Logos Research Systems, Inc., 1997.

[9] Doukhan, Jacques. Secrets of Daniel: Wisdom and Dreams of a Jewish Prince in Exile. Hagerstown, MD: Review and Herald Pub. Association, 2000. p. 84

[10] Cf. O Cilindro de Ciro, artefato escrito em acadiano que hoje se encontra no museu britânico. Ele descreve esta conquista e se apresenta como uma evidência externa importante a respeito da queda do império Neo-Babilônico.

Leonardo Godinho Nunes

Leonardo Godinho Nunes

Conexão Profética II

Profecias, no seu contexto, explicadas para quem quer entender o tempo em que vive.

Doutor em Teologia Bíblica pela Universidade Andrews, é pastor há mais de 25 anos e professor de Teologia. Atualmente trabalha como coordenador do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia da Faculdade Adventista do Paraná. É casado com Beverly S. M. Nunes e pai de Larissa e Eduardo.