O soft power, os adventistas e a liberdade religiosa
A ideia é erguer o estandarte da liberdade religiosa através da influência.
Às vezes, alguém me pergunta: “Para que servem os eventos de liberdade religiosa?” Eu costumo responder: “Você já ouviu falar do soft power (poder de convencimento)?” O soft power é um conceito muito complexo proveniente do âmbito das relações internacionais. Simplificando, trata-se de uma forma de influenciar os outros usando meios culturais, ideológicos e diplomáticos. Como diz o ditado: “A persuasão é melhor do que a força” (Caçam-se mais moscas com uma gota de mel que com um barril de fel).
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O poder, ou seja, a capacidade de obter o comportamento que esperamos nos outros, tem diferentes formas: ele pode ser imposto pela força (poder militar); pode-se comprar a vontade com dinheiro (poder econômico). Mas também se pode apelar a outros meios mais sutis e, por acaso, mais nobres.
É aqui que entra o soft power, a ideia de influenciar sem a necessidade de forçar, mas, sim, persuadir. Joseph Nye, professor da Universidade Harvard, que cunhou o termo,[1] explica da seguinte forma: “Quando você consegue fazer com que os outros admirem seus ideais e queiram o que você quer, você não precisa gastar tanto em paus e cenouras para atraí-los em sua direção. A sedução é sempre mais eficaz que a coerção”.[2]
Valores, cultura, relações
Agora você deve estar se perguntando: “E o que tudo isso sobre o soft power tem a ver com a liberdade religiosa?”. Muito. Como adventistas, tanto individualmente quanto corporativamente, temos uma agenda muito clara de defesa e promoção da liberdade religiosa. Faz parte de nossa identidade adventista e, portanto, sempre deve ser uma de nossas prioridades. Mas como promover essa agenda quando nossa Igreja não é tão numerosa nem tão abastada, nem tão histórica quanto as outras? Usando o soft power (ou algo parecido).
De acordo com Nye, as principais ferramentas de soft power de um país são os valores, a cultura e a política exterior (existe até um ranking de países de acordo com o grau de eficiência no uso desses recursos).[3] Há aqui um claro paralelismo. Nós também temos valores, em nosso caso, baseados na Bíblia. Sempre que formos fiéis a esses valores, isso pode ser muito persuasivo para aqueles que nos observam.
Além disso, temos uma cultura própria, uma identidade adventista que fomos construindo como resultado de nossa cosmovisão. Essa cultura é expressa, por exemplo, na busca da excelência acadêmica, no cuidado da saúde, na hospitalidade, na predileção pela boa música. Isso também impacta as pessoas que acabam nos conhecendo. Embora não tenhamos política exterior, mantemos, na verdade, relações com os governos, com outros grupos religiosos e com outros atores na sociedade civil. A maneira de nos relacionarmos é outra forma clara de influenciar o ambiente que nos rodeia.
Claro, não necessariamente concordaremos com as teorias de Nye. Mas a ideia de liderar por meio da influência não é nova: Jesus mesmo nos chamou para ser o “sal da terra” e a “luz do mundo”, para deixar nossa luz brilhar diante de todos.[4]
Promovendo a liberdade religiosa
Essa forma de influência tem valor inestimável para promover nossa agenda em favor da liberdade religiosa. Comprovei isso pessoalmente, visto que frequentemente sou convidado para eventos de liberdade religiosa em diferentes partes do mundo. Há alguns meses, eu comprovei novamente, desta vez em casa, durante as Jornadas Universitária de Liberdade Religiosa de 2018.
Para esse evento, organizado pelo Centro de Estudos sobre Direito e Religião,[5] recebemos no campus da Universidade Adventista del Plata (UAP), na Argentina, a visita de alguns dos mais influentes acadêmicos, líderes religiosos e funcionários do governo no campo da liberdade religiosa. Houve exposições e debate de ideias.[6] Embora, é claro, nem sempre concordemos com todas as opiniões, foi a oportunidade de compartilhar apenas um pouco de nossa cultura, nossos valores e nossa forma de nos relacionar com os outros.
Além da atividade acadêmica, os visitantes conheceram a universidade, foram convidados a assistir a um concerto musical e a nos acompanhar em nosso culto religioso no templo. O impacto em cada um deles foi muito positivo. E isso, por sua vez, sem dúvida, influenciará a favor da liberdade religiosa em diferentes âmbitos.
Naturalmente, essa não é a única nem a mais importante das atividades desse tipo organizadas pelos adventistas. Tanto por meio da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla, sigla em inglês), como através do departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa, nós, adventistas, temos organizado e promovido eventos por muitos anos.
Talvez a novidade seja que agora fazemos isso na universidade, com base em um centro de pesquisa, com o prestígio e o valor acadêmico e simbólico que isso implica. Definitivamente, trata-se de uma ferramenta nova de soft power, mas com o mesmo objetivo de sempre: defender e promover a liberdade religiosa para todos.
Referências
[1] Nye, Joseph. Bound to Lead: The Changing Nature of American Power. Nova York: Basic Books, 1990.
[2] Nye, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. Nova York: Public Affairs, 2004. Prefácio. Salvo por indicação contrária, todas as traduções pertencem ao autor desta nota.
[3] https://www.elpais.com.uy/vida-actual/almacen-londres-duermen-armas-soft-power-britanico.html.
[4] Mateus 5:13-16. A esse respeito, Ellen White diz que “Os que professam crer na verdade devem ser, eles mesmos, justos, e exercer toda a sua influência para esclarecer e ganhar outros para a verdade. Suas palavras e obras são o meio através do qual são transmitidos ao mundo os puros princípios da verdade e da santidade. Eles são o sal da Terra, e a sua luz” (Testemunhos para a Igreja, v. 1, p. 262).
[6] Imagens e vídeos das proposições podem ser vistos pelo facebook.com/cedyr.