A glamourização da dúvida
Ter convicção no que se crê é o fundamento básico da fé
Está na moda falar contra doutrinas e certezas em favor das verdades existenciais. Duvidar é hoje uma virtude, um sinal de inteligência. Se um cristão declarar: “Eu sei, eu creio e eu tenho certeza!”, será rapidamente denunciado como alguém arrogante e até oposto à fé pura, que só poderia ser encontrada na vivência.
O argumento existencialista é que a vida desafia a teologia. Mas, no final de sua vivência, quando a vida desafia a sua teologia, Paulo afirma que sabe em quem ele tem crido, e tem certeza de que Deus é poderoso (2 Timóteo 1:12).
Conhecimento e fé
Ele liga a fé ao conhecimento doutrinário (1 Timóteo 4:16; 2 Timóteo 1:5, 13), e não tem a vivência como base. Fé e doutrina estão na mesma frase, pois quem se desvia da verdade doutrinária perverte a fé (2Tm 2:18); tem a mente depravada, e é reprovado na fé (2 Timóteo 3:8). Não saber, ou saber errado, afeta a fé.
O motivo é simples: você crê baseado em algum conhecimento. Ninguém crê baseado em nada. As “sagradas letras [...] podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2 Timóteo 3:15), e, por isso, um pregador deve ter muito cuidado com a doutrina, já que ela afeta a salvação dos ouvintes (1 Timóteo 4:16).
E como devemos reagir diante do que não entendemos, do insondável? Incredulidade? Jamais! Diante do incompreensível, a reação de Paulo foi adoração fundamentada no que ele sabia (Romanos 11:33-36).
Mas, e quando não cremos?
No livro Em Favor da Dúvida, Peter Berger defende que é saudável a harmonia entre incertezas e convicções, especialmente diante das ameaças do totalitarismo e do fundamentalismo religioso. Talvez ele tenha alguma razão: há espaço para a dúvida.
Jesus lida com a nossas dúvidas e descrenças? Sim. Após a ressurreição, Jesus lidou com a dúvida de Tomé, e, quando reuniu seus discípulos antes da ascensão, “alguns duvidaram” (Mateus 28:17). Deus nos dá evidências suficientes para fundamentar nossa fé, mas não afasta a possibilidade da dúvida.
No entanto, uma geração viciada em desconstrução e em novidades não se contenta em manter a dúvida como uma possibilidade no horizonte. Muitos estão “em busca de ganchos em que pendurar dúvidas, procurando alguma desculpa a fim de rejeitar a luz do Céu” (Evangelismo, p. 594).
Frequentemente, os apóstolos da dúvida, em seus sermões ambíguos, têm como alvo a Bíblia. Não há nada que Satanás mais deseje, desde o Éden, do que destruir a confiança na Palavra de Deus. Ele é o general do grande exército dos que duvidam e dizem: “Nossa fé é direcionada a uma pessoa e não a um livro”. Tudo bem. Mas, se isso é verdade, então é preciso dar ouvidos a essa pessoa divina, que fala através de um texto! Não faz sentido dizer “eu creio em você, mas não no que você diz”. A fé não nos autoriza a semear dúvidas sobre as “sagradas letras”.
Os discípulos de Jesus devem ter “compaixão daqueles que duvidam" (Judas 1:22). Os que duvidam não são exemplos a serem seguidos. São alvo de nossa compaixão, não da nossa admiração. A ordem de Jesus é a mesma dada a Tomé: “Não seja incrédulo, mas crente!” (João 20:27). Em lugar algum da Bíblia há elogios a quem não crê. Ao atender o pedido vacilante de um pai (“ajuda-me na minha falta de fé!”; Marcos 9:24b), Jesus respondeu a uma fé ainda iniciante, imatura e débil, mas era fé (“eu creio”; Marcos 9:24a).
Podemos ter certezas?
Paulo está “bem certo” (2 Timóteo 1:12). O verbo grego aqui descreve o estado de alguém convicto, induzido à convicção. Muitos teólogos do século 21, considerando essa postura inadequada, passaram a elogiar a dúvida e demonizar a certeza. Dizem: “Uma teologia das dúvidas precisa nascer”; “É preciso fazer morrer a teologia das certezas”; “Fé não é certeza, mas sim a dúvida que nos leva além!”. Ironicamente, todos esses teólogos estão convictos disso!
Ao contrário do que sugerem exegeses inovadoras e criativas, a “Fé é certeza do que se espera, convicção dos fatos que não se veem” (Hebreus 11:1). A essência desse texto não é dúvida ou incredulidade. Esse texto jamais seria representado por algo líquido ou gelatinoso. Ele é uma rocha sólida.
Os evangelhos foram escritos “para que você tenha plena certeza das verdades em que foi instruído” (Lucas 1:3-4). Eles são um “relato dos fatos que se cumpriram entre nós” (Lucas 1:1). E a fé é convicção dos fatos. Não é arrogância ou pretensão buscar a certeza na revelação.
Os evangelhos também foram escritos “para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham vida em seu nome” (João 20:31). O texto sagrado existe para que você se torne um crente convicto.
Somos estimulados à “completa certeza da esperança” (Hebreus 6:11). Podemos entrar no santuário celestial com “ousadia”, em “plena certeza de fé”, guardando “firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel” (Hebreus 10:19-23).
A Bíblia diz “com certeza” que Jesus é o Senhor e Messias (Atos 2:36). Jesus ressuscitou para dar “certeza [ou garantia] a todos” de que Deus um dia “com justiça há de julgar o mundo” (Atos 17:31). O evangelho chega “em plena convicção” (1 Tessalonicenses 1:5). Olhe essa linguagem! Não é uma linguagem hipotética, flácida, do “pode ser que”, ou do “talvez”.
Um monumento à convicção
Nós não somos existencialistas oferecendo um sentido artificial para a vida das pessoas. Nós buscamos saber, crer e ter certezas bem fundamentadas nas Escrituras, e não em nossas experiências de vida.
No fim de sua vivência, Paulo ainda tem muitas perguntas sem respostas. Por que o Senhor vai deixar que ele morra? A resposta é “não sei”. Mas ele tem convicções ainda mais fortes. Porque sem convicções ninguém oferece o pescoço ao carrasco para ser decapitado.
Ele diz: “Por essa causa [o evangelho] também sofro, mas não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (2 Timóteo 1:12). Aqui ele usa as três palavras na mesma sentença: ele “sabe”, “crê” e “tem certeza”.
A última carta de Paulo é um monumento à convicção!