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Coluna | Heron Santana

Quando a comunicação é capaz de curar

A importância da comunicação saudável, que tem forte base na Bíblia, para os relacionamentos humanos em tempos de agressividade. E que cura.


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A Bíblia mostra muitos exemplos interessante de como uma comunicação relacional mais próxima das pessoas, e que cura, é eficiente e pode gerar bons resultados. (Foto: Shutterstock)

A sociedade parece naturalizar a comunicação violenta, exigindo que famílias se esforcem para exercer relacionamentos através da empatia, respeito e mútua compreensão com base no amor que Jesus ensinou.

Há um momento na Bíblia em que o amor romântico é descrito na perspectiva feminina. “Mical, filha do rei Saul, amava Davi”, descreve o primeiro Livro de Samuel (I Samuel 18:20). Assim inicia a história de um relacionamento onde o cuidado um com o outro parece potente. Quando o rei Saul, com medo de que Davi usurpasse o trono, planejou matá-lo, Mical ajudou seu amado a escapar da fúria do pai. Este, por sua vez, arriscou a vida em batalhas corporais envolvendo 200 filisteus para ganhar a mão de Mical em casamento. São provas de amor imenso um pelo outro.

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Apesar disso, o casamento de Davi e Mical teve um fim doloroso, dilacerado pela comunicação violenta do casal. O incidente que desencadeou essa ausência de compreensão e empatia, ironicamente, foi uma celebração. Davi estava supervisionando o retorno a Jerusalém da Arca do Senhor e sentiu tamanha alegria que começou a dançar em meio a seus súditos. Observando a cena, Mical se revoltou com essa exposição.

Quando Davi retornou ao palácio, sua esposa o cumprimentou com sarcasmo. A tradução na linguagem de hoje apresenta assim as palavras de Mical: “Que bela figura fez hoje o rei de Israel! Parecia um sem-vergonha, mostrando o corpo para as empregadas dos seus funcionários”. Davi não pareceu ter pensado na resposta, embalado pelo calor da discussão, quando disse: “Eu estava dançando em louvor ao SENHOR, que preferiu me escolher em vez de escolher o seu pai e os descendentes dele e me fez o líder de Israel”.

De um lado, uma esposa incapaz de se colocar no lugar de seu marido, vivendo um momento incomum de emoção. De outro, um marido atacando a vulnerabilidade da esposa, lembrando a rejeição de Deus a seu pai e a sua família. O capítulo termina dizendo que Mical não teve filhos, deixando a impressão de que iniciou, ali, o fim da intimidade do casal.

A força das palavras

O ponto da Bíblia é tão claro hoje como era no tempo de Davi: se um marido ou esposa, ou dois irmãos ou amigos, não restringem suas palavras quando estão com raiva, é improvável que o amor sobreviva, não importa o quão profundo o sentimento que une um ao outro. A comunicação gentil e empática oferece a habilidade de controlar o que dizemos quando estamos com raiva. E isso é um pré-requisito para um relacionamento duradouro.

Palavras têm o poder de arruinar ou de restaurar. Na sociedade de hipercomunicação das tecnologias e redes digitais, o uso adequado das palavras pode representar uma bênção para muitas pessoas. Por outro lado, as palavras podem ser usadas para engajar uma comunicação violenta e demolidora do outro. Há estudos que mostram maior engajamento, nas redes sociais, de conteúdo com o uso de palavras violentas e que alimentam o ódio. Quando a violência predomina na comunicação, até mesmo a internet, capaz de conectar dispositivos, torna-se ser incapaz de conectar pessoas que se amam e se respeitam.

A importância da comunicação na família

Os relacionamentos com nossa família costumam ser os mais importantes, mas também podem ser a fonte de nossas maiores tensões. Isso se dá especialmente quando vivemos em um tempo em que a comunicação violenta parece se tornar natural na sociedade, quando as pessoas sequer conseguem suportar conviver com aqueles que têm opinião contrária sobre aspectos diversos da vida.

Desenvolver padrões de comunicação saudáveis ​​e honestos pode ajudar a construir bases que garantam que nossas famílias – em particular casais e filhos – se sintam apoiadas. Habilidades de comunicação ajudam a expressar seus sentimentos com calma, principalmente quando algum integrante da família estiver preocupado, estressado ou chateado, ou quando estiver discordando de outro familiar.

Compreender esses padrões de comunicação saudável ajuda a evitar o uso de palavras violentas nas relações familiares. Em um livro importante sobre o uso das palavras nos relacionamentos humanos, o escritor Joseph Telushkin* lembrou de um velho ensinamento judeu que compara a língua a uma flecha. “Por que não outra arma, uma espada, por exemplo?”, alguém pergunta.  “Porque, se um homem desembainhar sua espada para matar alguém, e este alguém implorar por misericórdia, o homem pode ser sensibilizado e devolver a espada a bainha. Mas uma flecha, uma vez atirada, não pode ser devolvida”.

O domínio da raiva na comunicação familiar resulta em consequências irreversíveis, especialmente para crianças. O Comitê Nacional para a Prevenção do Abuso Infantil, uma organização americana, compilou uma lista de comentários depreciativos que pais irritados fizeram para seus filhos:

  • “Você é patético, não consegue fazer nada certo”
  • “Cale sua boca!”
  • “Ei, seu estúpido, você é surdo? Não consegue ouvir?!”
  • “Saia daqui, estou cansado de olhar para o seu rosto!”
  • “Eu gostaria que você nunca tivesse nascido”

Bíblia e comunicação que cura

A Bíblia é profunda ao ensinar sobre a importância de exercer uma comunicação saudável. Em seus textos, é possível encontrar conselhos subjacentes a um impacto de uma comunicação capaz de conectar e aproximar familiares. “O tolo não tem prazer no entendimento, e sim em expor os seus pensamentos”, afirma Provérbios 18:2.

O texto oferece uma reflexão fundamental nesse tempo de tanto acesso a meios de expressão e pouco estímulo para a observação e escuta. “Quem responde antes de ouvir comete insensatez e passa vergonha”, descreve outro texto (Provérbios 18:13), chamando novamente a atenção para escutar antes de falar. “Um irmão ofendido é mais inacessível do que uma cidade fortificada”, alerta outro verso (Provérbios 18:19), reforçando o impacto na consolidação de barreiras que impedem o fortalecimento de vínculos.

Como desenvolver uma comunicação saudável?

Com as reflexões de Provérbios, é possível imaginar o que pode ser feito para construir uma comunicação familiar saudável. Uma comunicação capaz de oferecer autonomia para todos os membros e fortalecer o relacionamento e a conexão. Especialistas em comunicação, psicologia e outras ciências se unem em sugestões que ajudam a compreender o que pode ser feito. A seguir, sete conselhos que podem ajudar você a desenvolver uma comunicação familiar capaz de gerar conexão:

1. Pense antes de falar. O conselho é respirar um pouco antes de responder a algo em contexto de tensão.  Certifique-se de que suas palavras, tom e linguagem corporal refletem calma e tranquilidade.

2. Fale a verdade. Pode parecer a coisa certa dobrar ou esconder a verdade para evitar ferir seus entes queridos, mas ser desonesto quebra a confiança. No entanto, a verdade deve sempre ser dita com gentileza e amor. Ser brutalmente honesto fere sentimentos, mas a verdade gentil constrói intimidade.

3. Respeite os pontos de vista de cada um. É mais importante estar “certo” ou proteger seu relacionamento? Evite ficar preso no certo/errado e aprenda a respeitar as diferenças um do outro. É mais saudável oferecer conselhos e direcionamentos a partir uma posição clara de respeito ao pensamento do outro do que administrar uma conversa pautada em quem tem razão.

4. Escute a si mesmo. A única maneira de saber como nossas palavras e tom realmente soam para os outros é prestar atenção em nós mesmos. Ouça quão lento ou rápido você fala, quão suave ou alto está a sua voz, quão amoroso ou zangado você pode soar. Isto é o que seus familiares ouvem.

5. Deixe os outros falarem. Você sabe como pode ser frustrante quando você está tentando falar e alguém o interrompe no meio da sua frase. Permitir que os outros falem até que terminem sem interromper é uma ótima regra para todos seguirem.

6. Seja aberto sobre seus sentimentos. Dê permissão absoluta para que todos os membros da família verbalizem o que sentem, veem, pensam e querem. Tenha cuidado para não reprimir sentimentos e percepções com os quais discorda. Reconheça e valide todos os sentimentos para que haja liberdade para se expressar novamente no futuro.

7. Seja um bom ouvinte. Quando alguém estiver falando com você, dê a eles sua atenção. Evite pensar no que vai dizer a seguir. Concentre-se no que está sendo dito, no que seu familiar pode estar sentindo e como você pode ter empatia.

Referência:

* Joseph Telushkin é autor do livro Words that Hurt, Words that Heal: How the Word You Choose Shape Your Destiny, ainda sem tradução em português.

Heron Santana

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