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Coluna | Diego Barreto

A hora mais escura precede o raiar do sol

Assim como na tentação de Cristo no deserto, em nossa vida, é nos momentos mais críticos que devemos evidenciar a nossa integridade e dependência de Deus.


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Você já deve ter ouvido falar sobre, ou mesmo presenciado, aquele momento de escuridão profunda logo antes do nascer do sol. Uma penumbra especial cobre a atmosfera momentos antes do primeiro raio de sol despontar. A noite inteira não foi tão escura quanto esse exato momento.

É esta cena que me vem à mente ao ler o relato do evangelho de Mateus sobre a tentação de Jesus no deserto. Depois de 40 dias e 40 noites - frisem-se as noites também - o diabo aparece para tentá-lo. Você, com certeza, já enfrentou privação alimentar em algum momento da sua vida e sabe o quanto é difícil, beirando o insuportável. Imagine agora 40 dias sozinho, no ermo, no escaldante calor que só um deserto consegue proporcionar. Ao anoitecer, a situação se inverte por completo; o calor é substituído por um frio que pode chegar à linha dos graus negativos em certos lugares e estações. Acredito que momento em que Jesus esteve por lá haja sido numa época mais amena, em que esse frio se limitava a 13 graus positivos; o que ainda é muito frio para quem está sozinho em um deserto.

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Jesus caminhava para o fim desse período de jejum. Não sei se Ele planejou ficar lá por exatos 40 dias, ou se esse foi o tempo que conseguiu aguentar. De qualquer maneira, o relato deixa claro que Seu corpo não suportava mais; Ele estava no limite humano. É possível que tanto tempo de privação estivesse, inclusive, inviabilizando o Seu retorno, tamanha a debilidade do corpo. Não temos relatos sobre isso, mas as justificativas bíblicas levam a algumas implicações.

Esse, com certeza, foi o pior momento para o “eu” de Jesus. Ele chegara no limite. Nesse momento, Satanás surge, e com a ‘solução’ para o problema. Há algo importante para ser percebido aqui: A tentação surge no momento mais terrível da experiência no deserto, na hora mais escura e no momento de fraqueza máxima. Ela não surge com cara de pecado, claro, nem com uma ameaça; ela surge doce, brilhante, com cara de salvação.

Você acha que em todo esse tempo Jesus não pensara em algum momento que poderia resolver a fome com Seu próprio poder? É claro que Ele tinha criatividade suficiente para pensar nessa solução! Inclusive, com tamanha fome, ideias maiores e melhores devem ter passado por Sua cabeça. Mas a percepção da profundidade de Sua missão O impedia de comer até aquele momento. E eis que surge uma “forcinha do céu”. Quão difícil é resistir numa hora dessas!

Acontece com você!

Em sua vida você já deve ter passado por situações terríveis e insuportáveis. Você bem sabe o quanto elas nos minam e consomem. Imagine agora que, no ápice do sofrimento e da dificuldade, a vida, ao invés de te apresentar um alívio, te aperta ainda mais com um desafio novo. É desumano! Assim é o pecado: desumano. Ele te importuna quando você está mais vulnerável. Ele te caça quando você não tem mais forças. E tão sujo quanto possível fazendo isso com voz de cordeiro. Ao faminto, oferece um banquete; ao perdido por muito tempo, uma saída; ao miserável, dinheiro; ao aflito, consolo; ao triste, risos; ao azarado, sorte; ao bem-sucedido, o triplo do que conseguiu; ao que está em guerra, paz; ao Filho de Deus, um enviado do céu.

Essa história bíblica nos ensina a não cair no desespero. Ela nos mostra que, na pior das circunstâncias, as coisas ainda podem piorar se escolhermos caminhos mais fáceis, mais óbvios e egoístas. Ela nos ensina que a batalha só termina depois que vencemos o último e maior dos desafios: o “eu”, que sempre chega na pior hora. Quando Jesus foi convidado a usar Seu poder para benefício próprio, o Diabo o estava instigando a pensar em “si mesmo”. A base de todo pecado é essa. Foi assim que Lúcifer caiu, Eva e tantos outros. Quando Satanás sugeriu a Jesus se jogar do templo e deixar os anjos O salvarem, estava oferecendo um caminho mais curto e sem morte para ser reconhecido como filho de Deus. As pessoas que presenciassem os anjos O salvando em pleno ar certamente teriam a confirmação. Nenhum fariseu ou sumo-sacerdote poderia negar essa evidência.

Mas não foi para pegar atalhos, esfregar Sua divindade na cara dos sacerdotes ou tentar a Deus que Jesus veio a este mundo. Nessa tentação ecoa a primeira. “Se Tu és O Enviado de Deus, prove aos olhos de todos que és Tu mesmo. Deus, com certeza, te salvará. Ainda que você aja de forma independente, fora dos Seus planos, Ele não te deixará cair”. O caminho do próprio “eu” será sempre o caminho da independência de Deus, que transforma o Senhor em uma ferramenta de uso a serviço da criatura.

Por fim, Jesus é convidado a se prostrar para “receber de volta” a Terra que Ele veio salvar. A missão de Cristo era complexa, e o caminho, tortuoso. Precisava reivindicar o mundo das mãos do inimigo. A proposta, no entanto, era clara e fácil: “Renda-se, e eu te devolvo. Admita minha vitória aqui, prostrando-se, e não vai precisar enfrentar a luta que está diante de você”. Considere que essa é a hora mais escura. Os sofrimentos, as possibilidades do mal, o tamanho da luta, a fúria do inimigo, todos esses elementos estão em evidência e saltam em cada poro do corpo de Jesus. Talvez o medo e a incerteza se unam à fome e a dor física de alguém que está apenas começando a sua tarefa. Coisas muito piores poderiam vir. Mas há um caminho mais fácil, mais simples e curto sendo oferecido. Apenas ajoelhar-se, e os homens tornariam a ser propriedade do Céu. Ninguém precisaria morrer, bastava ajoelhar-se.

Princípios não se vendem

Nos momentos mais difíceis da vida, seremos sempre convidados a comprometer os princípios e os valores. Diante de todo sofrimento que essa vida é capaz de gerar, seremos convidados insistentemente a vender-nos por “um prato de lentilhas”. O verdadeiro caráter é revelado em dois momentos. Primeiro, quando sozinhos em um quarto escuro, longe da vista de qualquer um que possa nos ver e nos julgar. Segundo, na hora mais difícil. Jesus tinha os dois naquele deserto. Seu exemplo nos incentiva à integridade. Nos motiva a lutarmos contra nosso próprio “eu”, mesmo quando ele grita a nós em sua dor.

Quando parece que Deus nos abandonou à nossa própria sorte, e estamos em face do maior dos inimigos, a integridade na negação de si é o que nos dará a mesma vitória que Cristo obteve. E isso é impossível sem o poder de Deus e de Sua Palavra. Por isso Cristo se firmava na Palavra. É ela que nos permite fazer a reflexão que fazemos agora. É ela que nos previne, nos ensina o verdadeiro caminho, nos convida a deitarmos nossa própria vontade no túmulo da existência e nos unirmos a Deus em propósito e vida. A Palavra de Deus é toda a força de que precisamos na hora mais escura.

Você não está por conta própria

O que a Bíblia nos diz com a história da tentação do Messias é que, quando as coisas estiverem ruins, elas poderão piorar, e isso não será desculpa para vender-se ao egoísmo e ao pecado. Você não está sozinho. Use a Palavra de Deus em seu favor, para lhe fortalecer na verdade e na integridade. Durante o sofrimento, não se faça de vítima preocupando-se apenas consigo mesmo; invista na Palavra, pois é ela que te fortalecerá na hora mais escura. Fique firme nela. O sol irá raiar. Você sairá com a vida enriquecida e uma fé mais forte. O tempo da escuridão passará e, se preciso for, ainda que seja de maneira sobrenatural, Deus irá vir em seu socorro. “Então o diabo foi embora, e anjos vieram e serviram Jesus” (Mat 4:11 NVT). Ainda que de maneira sobrenatural, o sol raiará!

“A todos quantos estão buscando sentir a mão guiadora de Deus, o momento de maior desânimo é justamente aquele em que mais perto está o divino auxílio. Olharão para trás com reconhecimento, à parte mais sombria do caminho que percorreram [...] De toda tentação e de toda prova, tirá-los-á Ele com mais firme fé e mais rica experiência” (O Desejado de Todas as Nações, 371. 1898)

Diego Barreto

Diego Barreto

O Reino

Vivendo já o Reino de Deus enquanto Ele ainda não voltou. Um olhar cristão sobre o mundo contemporâneo.

Teólogo, é co-autor do BibleCast, um podcast sobre teologia para jovens, e produtor de aplicativos cristãos para dispositivos móveis. Atualmente é pastor nos Estados Unidos.