Um reino sem imperadores
No lar celestial, a humanidade será regida por Cristo, de forma totalmente diferentes da que fazem imperadores deste mundo.
Quando eu era pequeno, me lembro de tentar acomodar o mundo ao meu entendimento sobre ele. Isso começou muito cedo. Na medida que meus pais me ensinavam coisas novas, elas iam se somando às que eu já sabia. Esses conhecimentos eram tijolos da minha construção sobre a realidade. Eram peças fundamentais.
Por isso, todas as vezes que algum novo conhecimento tentava desafiar as bases da minha construção, eu imediatamente buscava rejeitá-lo. Quando não conseguia fazer isso devido à sua evidente verdade, tratava de rapidamente trocar um tijolo por outro e fazer as reformas necessárias para manter a casa em pé. Se identificou? Pois é, somos todos assim. Nossas verdades nos são preciosas porque constroem nosso entendimento do mundo.
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Quando uso o termo “nossas verdades”, não estou insinuando que não existam verdades absolutas, ou relativizando a verdade, mas estou tratando daquilo que escolhemos acreditar por alguma razão pessoal. Pode ser tanto porque aprendemos de pessoas queridas, no ensino formal ou nas experiências da vida, mas que nós escolhemos crer como sendo verdades. É assim que a vida funciona.
Acontece que quando nos relacionamos com as pessoas, nossas verdades se cruzam com outras e um problema surge rapidamente: a necessidade de nos protegermos de falsas verdades, ou seja, crenças que não combinam com a nossa visão de mundo escolhida.
Construir ou desconstruir?
Diante do conflito, vamos à luta. O que, nesse caso, quer dizer proteger nossa verdade. Logo em seguida percebemos que teremos que lutar muito porque o número de pessoas e de verdades parece ser incontável. Surge então uma ideia: melhor do que viver na defensiva seria se todos pensassem como nós pensamos. Parabéns! Você acaba de se tornar imperialista.
A palavra “império” vem do latim. Imperar, que significa comandar, dar comandos às outras pessoas, é um sonho silencioso do nosso eu. Queremos “COM-FORMAR” as pessoas aos nossos ideais, nossa estrutura de mundo, nossos comportamentos, nossas vontades, com o fim de agradar ao verdadeiro imperador da natureza humana: o eu.
Já dizia Tiago: "De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne?" (Tiago 4:1 - ARA). “Os prazeres” aqui no texto bíblico podem ser facilmente substituídos por nossas vontades, nossos desejos, nossas buscas pessoais. E o militar na carne é uma expressão sobre o quanto eles são enérgicos em nossa natureza humana.
Negação do eu
Desde sua origem, na torre de Babel, Babilônia sempre foi um símbolo do imperialismo humano com a intenção de “fazer ser grande” seu nome sobre a Terra e desafiar a Deus. Babilônia foi o primeiro grande império, e é isso que seu nome significa no contexto bíblico. Ela é o eu entronizado impondo-se sobre os outros.
A religião também pode se tornar imperialista de maneiras sutis ou mesmo com aspectos de um regime totalitário. E é precisamente isso o que aconteceu no período em que Cristo pisou aqui, posteriormente no período medieval, e que continua acontecendo de tempos em tempos, em inúmeros lugares.
Graças a Deus por Jesus Cristo, que nos mostra um diferente caminho e nos revela um Deus que, embora tenha todo o poder no céu e na Terra, não se impõe a nenhum de Seus filhos. No reino de Deus somos convidados à humildade, mansidão, ao amor pelo próximo, às boas obras (veja o sermão do Monte, em Mateus 5), ao agir no interesse dos outros (Filipenses 2:3).
Deus não é imperador, mesmo tendo tudo e todos ao Seu comando. Ele não nos convida para um império, mas para um reino. Temos um rei que não quer servos, quer amigos (João 15:15).
O que Cristo nos ensina no evangelho é que a verdade não é exposta pela força ou imposição, sejam de argumentos ou de poder. É por isso que Jesus nunca usou métodos invasivos ou impositivos. A Sua vinda à Terra foi silenciosa e pacífica.
O rei do universo nunca pediu para ser tratado como tal. Seu cetro foi substituído pelo amor. A única vez que o cetro apareceu foi em defesa daqueles que não podiam se defender dos imperadores do templo. Ainda assim, morreu também por eles, clamou em seu favor enquanto exerciam seu poder e opressão na zombaria da cruz.
Exemplo que transforma
Sim, precisamos pregar! Precisamos mostrar ao mundo quem Cristo é! Informar que Ele está voltando! Mas a forma como fazemos isso é muito importante, pois pode definir o quanto de Cristo realmente temos, e o quanto realmente estamos falando em Seu nome! O amor conta a verdade, mas não a impõe. Isso não quer dizer que a verdade não seja dolorida e contundente em si mesma, mas também não quer dizer que por isso podemos empurra-lá de qualquer maneira.
Quando se está com câncer, a cura pode ser a terrível quimioterapia. No entanto, ninguém que recebe esse tratamento precisa ser maltratado ou mesmo obrigado a fazê-lo.
Podemos ser como Saulo e querer impor a verdade pela espada. Hoje ninguém mata ninguém no Ocidente por causa de crenças, mas a espada pode ser uma atitude, uma postura. Que Deus nos interrompa no caminho para Damasco! E que possamos, finalmente, acordar para entender que o poder do evangelho não é o da compulsão, mas sim o da atração.
Não se usa o nome de Deus para imposição de normas. O poder do evangelho está no amor. Ele não obriga, corteja. Não cerra o punho, abre a mão. Só assim veremos verdadeiras transformações de alma refletidas, inclusive, em comportamentos de gente que descobriu que a pedra angular, o tijolo principal da sua construção de visão de mundo, é Jesus Cristo, aquele que foi pendurado em uma cruz pelos homens. Porque Ele nos amou primeiro, Sua cruz é o lugar onde o meu EU deveria estar.