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Coluna | Adolfo Suárez

Tão diferentes, mas tão parecidos: Jairo e a mulher do fluxo de sangue

O que o episódio do encontro de Jesus com Jairo e a mulher que sofria há 12 anos com fluxo de sangue falam sobre as necessidades e desafios humanos.


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Episódio da mulher com fluxo de sangue e Jesus contrasta com a situação da morte da filha de Jairo. (Foto LDS)

Vivemos em uma sociedade de contrastes sociais, econômicos, cognitivos, religiosos, etc. Todavia, por trás de diferenças marcantes há muitos elementos de proximidade. O relato bíblico de Marcos 5:21-43 nos faz refletir justamente sobre este tema. Apesar das diferenças, somos mais parecidos do que imaginamos. E o melhor: Jesus Cristo quer salvar a todos.

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Contrastes e nome

A primeira pessoa é apresentada com um nome específico: Jairo (verso 22). Significado do nome: “aquele que Deus ilumina”. Certamente, esse é um nome precioso, e o dono desse nome deveria ter gostado de ser chamado assim. “Como é seu nome? Meu nome é “aquele que Deus ilumina”! Isso é espetacular!

A segunda pessoa é apresentada sem nome, apenas como “certa mulher” (verso 25). Este não é um mero detalhe. Eu destaco quatro aspectos sobre o nome: (1) Na cultura judaica, nomes são importantes. (2) Os hebreus valorizavam muito fazer a linha genealógica, e para isso era necessário ter um nome específico a fim de constar na lista. (3) O nome é gerador de identidade. (4) Pessoas sem nome indica pessoas sem identidade.

O escritor bíblico poderia ter mencionado o nome da mulher, assim como mencionou o nome de Jairo. Mas parece que ele omite o nome para gerar este contraste marcante, e com isto nos dá uma mensagem: há por aí pessoas sem nome! E aqui é necessário refletir: Como Jesus tratou os sem nome? E como nós temos tratado aos sem nome? A sociedade está cheia de gente sem nome. Essas pessoas merecem um tratamento especial, assim como tratamos os que têm nome.

Condição

Jairo era um dos chefes da Sinagoga (verso 22). E essa Sinagoga provavelmente ficava à margem ocidental do Mar da Galileia. O fato de ser chefe de sinagoga indicava que ele tinha uma vida social. É que a sinagoga era um espaço de convivência, de interação, de contato entre as pessoas, de diálogo. Além de tudo, Jairo tinha poder, pois numa sociedade centralizada na religião, ser chefe de uma sinagoga significava ter poder, influência e espaço entre os importantes.

A mulher enferma não tinha vida social, e não tinha poder. Ela era sozinha. Em grande medida isso era causado pela doença: ela tinha hemorragia, ou fluxo de sangue; ela perdia sangue. A consequência fatal do fluxo de sangue era o banimento social, pois a lei cerimonial indicava que a mulher que sofresse hemorragia constante seria imunda. Ou seja, seria afastada do convívio da comunidade. (Levítico 15:19, 25). Numa sociedade comunitária, ser banido da convivência social era uma maldição. Numa sociedade patriarcal, uma mulher isolada da sociedade, como se manteria? Como é viver longe de todos, inclusive da própria família?

Há mais um aspecto: esta senhora, além de perder a saúde, havia perdido todas as suas posses materiais (verso 26). E mais ainda: No livro O Desejado de Todas as Nações, Ellen White diz que esta pobre mulher sofria “de um mal que lhe tornava um fardo a existência” (p. 292). Aqui há um enorme contraste: Jairo tinha uma vida de poder e uma vida social; esta senhora não tinha poder nenhum, e nenhum convívio social; para ela, a vida era um fardo.

Adoração

Devido à sua condição social, Jairo tinha liberdade de adorar publicamente, e por isso ele se prostra aos pés de Jesus (verso 22). Ele não usa subterfúgios, não procura Cristo escondido; ele não procura Cristo de noite, nem trabalha por baixo dos panos. Ele publicamente se ajoelha perante Jesus e faz o pedido.

Por causa da condição social, a mulher não tinha liberdade para adorar publicamente, pois era considerada impura, e tudo o que ela tocasse se tornaria impuro. Não apenas deveria fugir das pessoas, mas as pessoas também fugiam dela (Levítico 15:25-27). Por isso ela chegou por trás, escondida no meio da multidão (verso 27). Que vida triste dessa senhora! Ela queria adorar, mas não podia.

Ellen White escreve que “em meio da confusão, [a mulher] não Lhe podia falar, nem vê-Lo senão de relance” (O Desejado de todas as nações, página 292). Nenhum de nós é capaz de entender plenamente a condição desta mulher, porque nenhum de nós está impedido de se aproximar de Cristo. Todos nós podemos adorar a Deus e nos aproximarmos dEle a qualquer momento, mas na sociedade em que esta senhora vivia, ela não podia adorar a Cristo de perto!

Aceitação

Por causa de sua condição social, as pessoas encorajavam e alentavam Jairo (v. 35). As pessoas estavam sofrendo com Jairo. As pessoas compreendiam e se condoíam com Jairo. As pessoas simpatizavam com Jairo.

Por causa de sua condição social, as pessoas desencorajavam a mulher. Claro! Quem encorajaria a se encontrar com o Mestre a alguém impuro? Quem teria simpatia por alguém doente, em uma sociedade em que doença era um castigo de Deus? Quem teria simpatia por um doente, numa sociedade em que estar doente era um claro sinal de que a pessoa cometera um pecado gravíssimo?!

Desafios Semelhantes

É extraordinário observar que diante dos três desafios essenciais dessas duas pessoas, Cristo lhes ofereceu as mesmas respostas.

Desafio 1: Corrida contra o relógio

Jairo pede com insistência e desespero: Minha filha está morrendo (verso 23). A situação é preocupante e não há tempo a perder; qualquer minuto desperdiçado pode se fatal. O que Jesus faz? “Jesus foi com ele” (verso 24). Isto é, Jesus lhe dedica tempo, atenção, cuidado.

Jesus estava passando por perto, portanto era uma questão de agora ou nunca. E tinha de dar certo na primeira oportunidade, já que, se as pessoas descobrissem que ela era imunda, não haveria uma segunda chance. Além do mais, ela já passara por muitas outras oportunidades, e provavelmente não aguentaria esperar mais, enfrentar mais uma decepção, encarar mais um desapontamento. Ela já havia esperado doze longos anos! Tem hora que a esperança se esgota. O que Jesus faz? Jesus prestou atenção ao toque, parou no meio da multidão, gastou tempo com ela (v. 30). Em ambos os casos, a resposta de Cristo foi exatamente a mesma: ele dedicou tempo, atenção e cuidado:

Para o homem e a mulher: tempo, atenção e cuidado.

Para o famoso e a ilustre desconhecida: tempo, atenção e cuidado.

Para o querido do povo e a rejeitada da sociedade: tempo, atenção e cuidado.

Para a pessoa influente e poderosa e a mulher que não tinha poder algum: tempo, atenção e cuidado.

Desafio 2: Medo

Marcos usa a palavra phobeo, que significa “estar dominado pelo espanto”, “estar aterrorizado”. Jairo está aterrorizado, pois a filha morreu, e, com isso, morreu grande parte de sua alegria. O que Jesus faz? Jesus lhe pede que troque o medo pela confiança (verso 36). A palavra para crê é pisteuo. O termo é mais do que apenas um assentimento intelectual. Significa mais do que apenas uma fé intelectual. Jesus pede que Jairo confie em que Ele é capaz de ajudar. Esta crença é salvadora porque se fundamenta em Cristo. Crer é acreditar com total convicção.

Quando a mulher foi descoberta em meio à multidão, também fica com medo (v. 33). O que Jesus faz? “Filha: a tua fé te salvou” (verso 34). Pistis é ter profunda convicção; convicção de que Deus é provedor e doador da salvação.

Tanto para o homem quanto para a mulher Cristo pede e oferece confiança.

Tanto para o homem quanto para a mulher Cristo pede que tenham fé salvadora, que se fundamenta nos méritos dEle.

Tanto o homem quanto a mulher estavam com medo, e Cristo responde com exigência de confiança.

Para quem está com medo, o remédio não é valentia, coragem ou determinação, porque esses comportamentos se fundamentam no que nós fazemos, ou como nos comportamos. Para quem está com medo, o remédio é confiança, não no que temos ou somos, mas no que Cristo é e pode fazer.

Desafio 3: Expectativa do futuro

Jairo estava na luta contra um problema de saúde de sua filha. E a filha acaba morrendo. Como ele vai encarar a morte de quem ama? Como será a vida com a ausência da sua menina? O futuro era sombrio. O que Jesus faz? Ressuscita a menina (versos 41 e 42). Em um instante, o futuro de Jairo vai numa outra direção.

A mulher estava lutando contra um problema de saúde dela mesma. E já se passaram 12 anos; será que teria que encarar mais 12? Será que vai suportar? Vai suportar até quando? Seu futuro era sombrio. O que Jesus faz? Cura a senhora (versos 28 e 34). Em um instante, o futuro desta senhora é totalmente alterado!

Proximidade

As diversas semelhanças entre estas duas pessoas tão diferentes nos colocam diante de uma realidade: independente de que quem sejamos, e quão diferentes sejamos, e quão distantes pareçamos, há muitos fatores que nos unem. E isto nos torna parecidos.

É claro que ao lidar com as pessoas não podemos ignorar as diferenças; afinal, é um grave erro tratar igual os diferentes. Entretanto, considerando que há muitos fatores que nos unem, não podemos negligenciar ações que considerem a semelhança entre as pessoas.

Neste sentido, precisamos lembrar uma verdade universal: somos diferentemente iguais. É por isso que, neste texto de Marcos, a centralidade da narrativa não está nas diferenças das realidades vividas por Jairo e a mulher enferma. Também não está nas semelhanças entre eles. A centralidade da narrativa está na oferta semelhante dada a ambos.

Adolfo Suárez

Adolfo Suárez

Ouvindo a voz de Deus

Reflexões sobre teologia e dom profético

Teólogo e educador, é o atual reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (SALT) e Diretor do Espírito de Profecia da DSA. Mestre e doutor em Ciências da Religião, com pós-doutorado em Teologia, é autor de diversos livros, e membro da Adventist Theological Society e da Society of Biblical Literature.