Uma vida em missão no Oriente Médio
O pastor Everson Torres relata suas experiências de missão em diversas partes do mundo e incentiva o engajamento de mais voluntários em projetos fora do Brasil

Everson Torres nasceu em Goiânia, mas dizer de onde ele é nunca foi uma resposta simples. Filho de pastor, ele já teve como moradia as cinco regiões do Brasil, assim, ele cresceu acostumado com uma vida itinerante, algo que moldou sua visão de mundo e facilitou o desapego necessário para abraçar a vida missionária fora do país.
Foi no meio dessas idas e vindas, enquanto estudava no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), que ele conheceu sua esposa Jaqueline, que assim como ele, também é filha de pastor. Ligados pelo espírito missionário, o casal e seus dois filhos Layla e Noah vivem em missão no Oriente Médio, onde criam sua família em meio a desafios, fé e muitas histórias para contar.

Leia também:
• Eles só precisavam de um amigo que dissesse: “Vem comigo”
Durante o ATOS 2025, ele compartilhou suas experiências missionárias inspirando os participantes a viverem a missão onde quer que estejam. Ao longo desta entrevista, ele explica que no Brasil, onde o cristianismo predomina, muitos aceitam que a Bíblia é a palavra de Deus. Mas, no Oriente Médio as crenças são diferentes, e assim, falar sobre Jesus é risco de perseguição e até morte. Confira:
Como começou a sua trajetória com a missão?
Começou em casa, pois meu pai e minha mãe são muito missionários como casal pastoral. Por isso, desde pequenininho eu queria ser pastor e amava a igreja com todas as forças. Eu lembro que tinha uns livrinhos da Casa Publicadora com histórias de missionários. Eu pegava esses livrinhos e devorava, porque amava essas histórias de missão. Nunca imaginava que um dia eu iria ser missionário, mas era apaixonado por essas histórias.
Eu lembro que estava na faculdade quando meu pai me ligou para falar sobre uma missão na Tailândia. Tive apenas 15 minutos para decidir. Foi tudo muito rápido, mas eu disse sim. Na época, achei que seria uma experiência transcultural legal que agregaria na minha vida, mas ainda não pensava em seguir carreira. Na ida para a Tailândia deu tudo errado e acabei indo para a República Dominicana fazer uma série de palestras bíblicas em praça pública. Fui orador durante 30 noites em uma cidadezinha chamada San Francisco de Macorís.
Isso foi abrindo minha cabeça, fui gostando cada vez mais. Depois disso, surgiu um convite para ir para uma escola médico-missionária nas Filipinas, no meio da selva. Eu aceitei, mas aí acabou dando errado de novo. Eu voltei para o Brasil e, nesse retorno, eu tive a certeza que queria ser missionário no exterior. Com isso, quando a Divisão Sul-Americana, em 2014, organizou um processo seletivo para mandar 25 famílias para o norte da África ao leste da Ásia, eu e minha esposa nos voluntariamos.
Quais foram as maiores barreiras culturais e religiosas que vocês enfrentaram?
Eu confesso que quando chegamos no Iraque as coisas não foram tão complicadas, porque já estávamos acostumados com as mudanças e a cultura de lá é muito hospitaleira. Eles eram muito generosos conosco, não eram pessoas agressivas ou que tratavam a gente de maneira rude. E por mais que o estilo de roupa seja um pouco diferente, ninguém exige que a gente se vista de maneira oriental.
Mas a dinâmica de gênero tem sido uma das maiores barreiras culturais que a gente teve que aprender a lidar. Eu lembro que quando a gente ia para alguns estabelecimentos e conversava com as pessoas, eu cumprimentava, abraçava e dava beijo e quando minha esposa estendia a mão para cumprimentar, eles apenas levantavam a mão ao peito e fazia um sinal de reverência. Isso acontecia porque os muçulmanos não tocam em mulheres que não fazem parte da família direta.
Como funciona a atuação da missão, na prática, de acordo com o que é permitido expor?
A palavra missionário é abolida do nosso vocabulário. Na prática da missão existem muitas funções e muitas atividades diferentes. Nós seguimos o método de Cristo, que é um princípio que Ellen White escreveu. Jesus ministrava para as pessoas encontrando a necessidade delas e depois de atender essa necessidade ele apresentava o evangelho, então fazemos a mesma coisa. Alguns lugares são roupas para refugiados da guerra, outros lugares podem ser a educação e assim nos tornamos relevantes na comunidade. A partir daí temos a oportunidade de compartilhar a fé.
Você acredita que a forma como os brasileiros enxergam os povos Ocidentais e Orientais é baseada em estereótipos ou reflete a realidade?
Nós vemos o mundo de acordo com as lentes culturais e com a cosmovisão da qual a gente vem. Por exemplo, se estou usando óculos com lente azul, tudo que eu olhar vai estar azul. Nós somos frutos da cultura de onde a gente vem, das referências que adquirimos ao longo da nossa vida, da nossa construção. Então, não é uma crítica, é simplesmente um reconhecimento de que isso existe.
Eu lembro que, antes de ser selecionado para ir para a missão no Oriente Médio, eu falava que eu nunca aceitaria o chamado para trabalhar num país muçulmano. Eu achava que os países muçulmanos eram todos radicais, intolerantes e que eu iria pra lá para ser mártir. O que não deixa de ser uma possibilidade.
Essas questões políticas que existem no ocidente e oriente determinam o que a mídia traz pra gente. A gente consome, a vida inteira, filmes de mocinhos norte-americanos guerreando contra barbudos do Oriente Médio, fundamentalistas e já olhamos a população inteira com preconceito.
Mas quando vamos para os países muçulmanos, a grande maioria esmagadora dos muçulmanos tem completa aversão ao radicalismo. Eles olham para os movimentos terroristas como o maior desserviço feito para a religião deles. E esse lado, muito mais moderado, é o lado predominante.
Então, quando você vai para esses países, eles querem que você se converta para o islamismo? Querem, lógico! E a gente também quer que eles se convertam para o cristianismo. Então, é justo. As barreiras existem, entrar em assuntos espirituais envolve mais habilidade, mas para desenvolver um relacionamento de amizade com eles é muito fácil, pois são pessoas maravilhosas.
Um convite à missão
Ao final da entrevista, o pastor Everson fez um apelo sincero, com base em sua vivência no exterior, para que mais pessoas se capacitem e se envolvam em projetos voluntários ao redor do mundo. “Tenha um coração de serviço completo a Deus e se entregue para servir. Entre de cabeça no inglês, se prepare, se coloque à disposição para servir no campo mundial, porque onde tem um, a gente tinha que ter dez, vinte… tinha que ter muito mais”, afirmou o pastor.