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Igreja vota documento sobre pena de morte

Material preparado por teólogos sobre pena de morte é baseado na Bíblia e foi apreciado por delegados no Concílio Anual da Igreja Adventista


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Por Felipe Lemos

 

Decisão dos delegados adventistas sul-americanos foi tomada nessa semana em concílio realizado na Bahia. Foto: Shutterstock

A pena de morte é um tema permanentemente em discussão no mundo inteiro. Dados da Anistia Internacional mostram que, em 2016, houve 1.032 execuções em 23 países relacionadas a condenações com pena de morte. Mas a lista de países que possui leis autorizando a pena de morte chega a 58. A maioria das execuções ocorreu em países como China, Irã, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão. No Brasil, a pena de morte é proibida, exceto para crimes militares cometidos em tempos de guerra, segundo previsto na Constituição Federal de 1988. Bolívia, Chile e Peru também mantêm pena de morte em circunstâncias excepcionais.

Durante o Concílio Anual da Igreja Adventista do Sétimo Dia para oito países sul-americanos, que se encerrou na terça-feira, 7, os delegados aprovaram o registro de um documento sobre a pena de morte. O material foi elaborado pelo Comitê de Ética do Biblical Research Institute (BRI), ou Instituto de Pesquisa Bíblica, órgão consultivo da igreja para assuntos teológicos, a pedido da sede sul-americana adventista.

O teor apresenta argumentos bíblicos que sustentam a ideia de que “os adventistas acreditam que a violência e a pena de morte não têm lugar na igreja. Em outras palavras, não é tarefa da igreja tirar a vida humana”.

No documento, são considerados textos bíblicos que parecem dar margem a uma interpretação favorável à pena capital por parte dos poderes governamentais. Sobre isso, a redação do material preparado pelo BRI afirma que “consequentemente, não há também acordo sobre a questão de se, a partir da perspectiva bíblica, os governos têm permissão ou até mesmo são requeridos a instituírem a pena capital. Porém, diante do fato de que a pena capital não tem lugar na igreja cristã, não é certo que a igreja seja vista como um quase agente advogando a pena capital, embora o estado possa executá-la”.

Nas considerações finais, o documento cujo registro foi aprovado pelos delegados do Concílio, recomenda que os adventistas não se envolvam em campanhas favoráveis à promoção da pena de morte.

Veja o documento aprovado na íntegra:

PENA DE MORTE: UMA OPINIÃO

Comissão de Ética do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral (BRIEC, sigla em inglês)

 

O Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI, sigla em inglês) da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia foi solicitado a opinar sobre a pena capital e sua abordagem nas igrejas adventistas locais. Foi decidido levar a solicitação à Comissão de Ética do Instituto de Pesquisa Bíblica (BRIEC, sigla em inglês), para ser aí discutida e depois enviada para revisão do BRI. Estes são os resultados das deliberações:

  1. A Bíblia não ignora o sofrimento e a perda insuperáveis daqueles que foram atingidos por crimes odiosos. A igreja também não. Ela sofre com os que sofrem e busca ajudá-los de todas as formas possíveis, desde que consistentes com a Escritura. Porém, esse sofrimento pode levantar a questão de se a pena de morte seria uma resposta apropriada às formas graves de crime.
  2. O tema da pena capital foi discutido a partir de várias perspectivas: filosófica, sociológica, prática e bíblico-teológica. Por exemplo, não há dúvida de que a implementação da pena de morte é, muitas vezes, carregada de dificuldades processuais: uma evidência circunstancial pode ser usada para condenar o acusado, que talvez não seja culpado; as minorias e as classes mais baixas da sociedade são desproporcionalmente representadas no corredor da morte; o resultado dessa implementação, ou seja, tirar a vida humana, é irreversível. Isso deve levar à cautela. No entanto, independentemente dessas e de outras razões válidas, há um elevado interesse na perspectiva bíblica sobre a pena de morte.
  3. A questão da pena capital deve ser estudada a partir da perspectiva das passagens bíblicas individuais encontradas na Escritura em vários contextos. Ela adicionalmente deve ser estudada e compreendida a partir da perspectiva de uma antropologia bíblica robusta, ou seja, mais ampla do que a exegese e que inclua princípios bíblicos. Ao longo dos anos, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem emitido declarações oficiais sobre vários assuntos, como, por exemplo, contra a violência, a guerra e a eutanásia, e a favor da tolerância e da não combatividade. A igreja busca preservar e proteger a vida humana. Isso é refletido em sua forte ênfase sobre a mordomia (Deus sendo o proprietário da vida e Cristo sendo nosso Salvador), o cuidado da saúde integral, bem como a ajuda humanitária. Os adventistas promovem e encorajam o pleno desenvolvimento da humanidade – física, mental, emocional e espiritualmente – mediante a educação e a proclamação da mensagem do evangelho de Cristo, que veio para todos “tenham vida e a tenham em abundância” (João 10:10). A discussão do tema da pena capital deve ocorrer nesse contexto.
  4. Os adventistas acreditam que a violência e a pena de morte não têm lugar na igreja. Em outras palavras, não é tarefa da igreja tirar a vida humana. Embora no Antigo Testamento, sob a teocracia, a pena de morte seja mencionada em vários casos, como em conexão com o matar um ser humano (Êxodo 21:12), ferir ou amaldiçoar os pais (Êxodo 21:15, 17), raptar e vender alguém (Êxodo 21:16), profanar o sábado (Êxodo 31:14-15; Números 15:32-35), sacrifício de criança (Levítico 20:2), adultério (Levítico 20:10), incesto (Levítico 20:11), homossexualidade (Levítico 20:13), sodomia (Levítico 20:15-16), espiritismo (Levítico 20:27), blasfêmia (Levítico 24:16), idolatria (Deuteronômio 13:1-5) e sexo pré-conjugal (Deuteronômio 22:23-24), no Novo Testamento essa legislação não é aplicada à igreja cristã, que se propagou entre as nações. Em Seu primeiro advento, Jesus pôs fim à teocracia judaica e estabeleceu a ética de Seu reino, conforme proclamada no Sermão do Monte (Mateus 5—7) e em outros lugares (por exemplo, Mateus 26:52). O caso do homem envolvido em incesto, em 1 Coríntios 5, mostra que a pena capital não mais é praticada pelo povo de Deus. Antes, a igreja tem a responsabilidade de se aproximar dos pecadores com o objetivo de ganhá-los para um comportamento semelhante ao de Cristo e aceitarem os ensinos bíblicos. Se isso falhar, a ordem seguinte de Jesus, em Mateus 18:15-20, é que o pecador não arrependido seja excluído da comunidade de crentes. Porém, mesmo depois de sua separação da igreja, a congregação local deve empenhar-se por trazê-lo de volta. Portanto, matar hereges, como praticado por algumas igrejas cristãs no passado, não é apenas injustificado, mas absolutamente errado, conforme a perspectiva bíblica. Entretanto, esse fenômeno reaparecerá quando, no tempo do fim, os poderes do mal derramarem novamente o sangue dos santos. O próprio Deus julgará esses poderes (Apocalipse 16:6; 19:2).
  5. E quanto aos governos e a pena capital? É reconhecido que dois textos bíblicos, em especial, foram usados para apoiar a pena de morte executada pelos governos: Gênesis 9:5-6 e Romanos 13:4. O primeiro texto (“Certamente, requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim, da mão do próximo de cada um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem”) é proferido a Noé, depois do dilúvio, e precede a teocracia israelita. Portanto, não se limitou à teocracia. Ele enfatiza a santidade da vida humana. Mas esse texto é um mandamento, uma profecia, um provérbio ou uma maldição que descreve o que normalmente ocorre se alguém de forma proposital ou não põe fim à vida humana? Se for um mandamento, quem deve executar a morte de um assassino, de acordo com o texto ou o contexto? Como o amplo contexto da Escritura deve ser compreendido, considerando que mesmo no Antigo Testamento ocorriam exceções quanto à execução da pena de morte (por exemplo, Moisés e Davi) e ali encontramos cidades de refúgio para os que acidentalmente haviam matado alguém?

O segundo texto é uma declaração de Paulo ao falar sobre o relacionamento dos cristãos com os governos e sua autoridade. O contexto trata do pagamento de impostos e de ser submisso aos governos. Pode implicar obediência desde que os governos não obriguem os cristãos a desobedecerem a Deus (ver Atos 5:29). Não há dúvida quanto ao papel legítimo dos governos no uso civil da lei, mas a menção da “espada” pelo apóstolo é suficiente para implicar pena capital? O porte de armas pelas forças policiais na atualidade automaticamente implica e legitima a pena de morte?

Os dois textos devem ser cuidadosamente estudados, levando em consideração seu contexto literário e marco histórico, a verdade principal do argumento na passagem e o vocabulário e a gramática em hebraico e grego. Além disso, a Bíblia, como um todo, e seus princípios sobre a vida e a morte, a violência e a graça, a justiça e o perdão devem ser consultados. No presente, não há consenso quanto à interpretação dos textos acima mencionados entre a ampla comunidade cristã ou na Igreja Adventista. Consequentemente, também não há consenso, a partir da perspectiva bíblica, sobre a questão de se os governos têm permissão ou até mesmo obrigação de instituir a pena de morte. Porém, diante do fato de que a pena capital não tem lugar na igreja cristã, não é correto que a igreja seja vista como agente que advoga a pena capital, embora o estado possa executá-la.

Portanto, recomenda-se que haja apoio à prática da Igreja Adventista do Sétimo Dia de valorizar a vida humana, conforme descrito acima. Recomenda-se também que os membros da igreja não se envolvam em qualquer campanha para promover a pena de morte. A missão da igreja não é promover a morte, mas anunciar a vida e a esperança.