Estudante de Teologia surdo realiza Semana Santa em Libras no Rio
Além de pregar na Igreja Adventista de Mantiquira, Leandro Silva também dirigiu o Pequeno Grupo com uma média de 9 surdos por noite.
Leandro Silva tem 37 anos e está cursando o primeiro ano de Teologia no Unasp Campus Engenheiro Coelho. Ele iniciou o curso neste ano e na faculdade, conseguiu uma tradutora que “abandonou tudo para cumprir a missão”, afirma Leandro.
Leandro é surdo de nascença e sempre teve vontade de pregar a Palavra de Deus para as pessoas. Neste ano, uma das exigências de seu curso era realizar uma Semana de Evangelismo. Ele escolheu seu campo de origem, Associação Rio de Janeiro e por indicação do evangelista local, pastor Patrick Marlon, foi desafiado a fazer sua primeira Semana Santa em Libras.
“Esta é a primeira vez que realizo uma Semana Santa, também é minha primeira vez pregando para uma igreja. No primeiro dia, fiquei nervoso, mas estou me acostumando a trabalhar com surdos, que sempre foi o meu prazer”, descreve Leandro Silva.
O Pequeno Grupo aconteceu de segunda a quarta, com uma média de doze pessoas, com nove surdos e três intérpretes. Todo o programa foi feito pelos surdos: música, oração e mensagem. Este encontro vai continuar acontecendo na casa da Lucy Angela, todas as segundas-feiras, a partir das 19h30. (Rua Antonio Salgado de Novaes, 107 – Xerém, Duque de Caxias, RJ)
A igreja adventista em Mantiquira apoia a participação dos surdos nos cultos, na lição da Escola Sabatina e na pregação. Inclusive, já foram realizados três batismos de surdos que frequentam a igreja.
“A experiência de ter o Leandro pregando nesta Semana Santa foi tremenda e fantástica, primeiro porque a gente já tem uma comunidade surda bem estabelecida, segundo, pelo fato de ter acontecido o Pequeno Grupo específico para os surdos. Eles aceitaram muito bem o Leandro, tanto os surdos quanto os ouvintes”, destaca o pastor da Igreja de Mantiquira, Fábio Venâncio.
Uma comunidade que precisa ‘ouvir’ a Palavra de Deus
Lucy Angela Silva Araújo é pedagoga e teve o diagnóstico de autismo para seu filho Luis Felipe (10), aos 3 anos. A comunicação com ele se dá através de Libras, a Língua Brasileira de Sinais, desde seus 5 anos de idade.
Lucy se interessou pelo curso de Libras oferecido na Igreja Adventista de Belford Roxo, para melhorar a comunicação com o filho. Na época (2017), era de outra denominação e no mesmo ano, foi batizada e passou a frequentar igreja adventista em Mantiquira, mais perto de sua casa.
A líder do Ministério Adventista dos Surdos na região sul do Rio de Janeiro, Eliane Paixão, foi quem ofereceu o curso num grupo de professores na qual a Lucy fazia parte. Ambas trabalham na rede de Educação Especial em Belford Roxo. Este Ministério faz parte do Ministério Adventista das Possibilidades (MAP), que inclui Enlutados, Saúde Mental e Bem estar, e Deficiência Física e Mobilidade Reduzida.
Eliane Paixão é deficiente auditiva, ou seja, perdeu a audição já adulta e agora se comunica através de Libras. Ela é formada em Pedagogia Bilíngue pelo INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos e trabalha nas Prefeituras de Belford Roxo (Professora readaptada por causa da Surdez) e de Nova Iguaçu (Intérprete de Libras readaptada por causa da Surdez).
Atualmente, Eliane realiza o curso de Libras na Igreja Adventista de Nova Iguaçu, quinzenalmente, aos sábados. Na parte da manhã, os surdos têm o contato com a mensagem, almoçam juntos e à tarde, fazem aulas e recebem estudos bíblicos.
A vontade de expandir o curso fez com que Lucy levasse o curso para sua nova igreja. “Foi de Belford Roxo que tiramos ideia de replicar o curso de Libras no mesmo formato em Xerém, na Igreja Adventista de Mantiquira”, afirma Lucy.
O Ministério Adventista de Surdos em Mantiquira vai completar quatro anos no dia 6 de maio. Lucy é casada com Josuel Araújo, que perdeu a audição aos três anos de idade por causa da meningite. O casal mantém um curso particular em casa, de segunda à quinta, das 8h às 21h. As aulas são individuais e em grupo, para surdos e intérpretes. Para mais detalhes, ligue para (21) 99684-3146 e fale direto com a Lucy.
No último sábado, a Igreja Adventista de Mantiquira fez a distribuição dos livros com o grupo de surdos, entre eles, a Renata Florêncio da Silva. Ela é surda cadeirante e tem uma filha de 4 anos, Isabela, que está aprendendo Libras. Renata ama estar na igreja, pois fica muito tempo sem se comunicar com os vizinhos e a família, por não saberem Libras. Ela também participa do curso de Libras da Igreja de Mantiquira quinzenalmente, aos sábados.
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Ação do bem que contagia
Os intérpretes e irmãos Elisa Cristina Peres da Silva (21) e Breno Aurélio Peres da Silva (19) decidiram estudar Libras por influência de surdos e intérpretes da sua igreja.
Elisa trabalha como intérprete numa escola para um aluno surdo. Ela conta que tinha dúvida sobre qual curso fazer, mas depois que começou a se envolver com os surdos na Igreja, teve a certeza de que “era isso que eu queria!”, afirma Elisa.
“Comecei a aprender Libras há quatro anos e me apaixonei. Via a Lucy interpretando para os surdos na igreja e quis aprender para ajudá-la, ela foi minha primeira professora e sempre me incentivou! Eu ia toda sexta pra casa dela e aprendia as músicas que seriam cantadas no sábado. Foi assim que comecei a interpretar, apenas as músicas!”, descreve Elisa que cursa o segundo período da faculdade de Letras/Libras.
Breno também foi influenciado pela Lucy, que ao começar a frequentar a mesma igreja, chamou a atenção para outros surdos da comunidade. “Eu fiquei interessado em me comunicar com eles. Quero ajudar os surdos na sua comunicação e repassar o conhecimento para pessoas que desejam aprender”, diz Breno, que já decidiu ser professor e fazer o curso de Letras/Libras - Licenciatura.
Ele finaliza dizendo que “Libras é uma língua oficial no Brasil, mas muita gente não tem interesse em aprender ou talvez não conheça de fato”.
Realidade da comunidade surda no Brasil *
No Brasil, Libras (Língua Brasileira de Sinais) é uma língua de modalidade gestual-visual, reproduzida através de gestos, expressões faciais e corporais, possuindo um alfabeto e estrutura linguística e gramatical própria.
No país, cerca de 5% da população é surda e, parte dela usa a Libras como auxílio para comunicação. De acordo com dados do IBGE, esse número representa 10 milhões de pessoas, sendo que 2,7 milhões não ouvem nada.
Quando o assunto é educação, a população surda se enquadra em porcentagens muito baixas de formação. Segundo estudo feito pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda em 2019, cerca de 7% dos surdos brasileiros têm ensino superior completo, 15% frequentaram a escola até o ensino médio, 46% até o fundamental, enquanto 32% não têm um grau de instrução.