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Coordenadora da ADRA cria projeto que propõe suporte e empoderamento feminino

Vítima de violência doméstica quando jovem, coordenadora da ADRA cria projeto que propõe suporte e empoderamento feminino.


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Dalva Pacanaro começou como faxineira, e hoje é coordenadora da ADRA.

Artur Nogueira, SP... [ASN] As mulheres vão chegando e se organizando sozinhas automaticamente. Sentam em círculo. Num primeiro momento, não há conversa. Apenas silêncio e introspecção. Como se digerissem suas histórias e feridas. Cada participante carrega nos ombros o peso de suas vivências. Violência doméstica, maternidade solo, abandono. A reunião em questão tem por nome Roda de Mulheres, projeto da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) que propõe suporte e empoderamento feminino através de diálogo e informação.

A iniciativa foi idealizada pela coordenadora do Núcleo ADRA de Desenvolvimento de Artur Nogueira, Dalva Pereira Pacanaro. Uma mulher com força de furacão. Ela que hoje ampara tantas mulheres, nem sempre ocupou este posto. Vítima de violência doméstica por quase sete anos, é uma sobrevivente.

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Traumas

Nascida e criada na zona rural, seus dias de criança expiraram aos dez, quando despertou para a vida adulta e passou a trabalhar como babá. Cedo, também buscou realizar o sonho de formar uma família. Se casou aos 16 anos. Depressa demais para saber que, após o “sim”, dormiria junto a seu agressor.

“Minha rotina era apanhar”, conta Dalva.

Carlos (nome fictício) era violento. Sobretudo sob efeito de álcool. A ela não era permitido trabalhar, estudar ou interagir com homens. Haviam consequências, bem sabia. Com o tempo, ainda que sempre dentro de casa, Dalva passou a ser agredida diariamente. “Minha rotina era apanhar”, lembra.

 

Tiveram juntos quatro filhos, sendo um deles fruto de abuso sexual. Sofreu violência em todas as gestações. Em uma delas, a terceira, Carlos a agrediu brutalmente nas últimas semanas de gravidez. Ferida, teve de fazer o parto às pressas. Tocava “Sonho de Ícaro” nas velhas caixinhas de som do hospital, que logo se misturou com o barulho do chorinho do bebê. A criança nasceu, mas sobreviveu por apenas oito dias. “Enterrei meu filho, tão pequeno, e não tinha sequer para quem chorar”, lembra com olhos de água.

“Enterrei meu filho, tão pequeno, e não tinha sequer para quem chorar”, lembra Dalva.

A hora mais escura é antes do amanhecer

Um dia, contudo, levantou decidida a mudar de rota. Arrumou as três crianças e saiu. Era liberdade e paz o que ela buscava. Andaram durante todo o dia até encontrar trabalho e uma creche para os pequenos. Ao voltar, o então marido os aguardava. Apanhou. Apanhou mais ainda após dizer que iria embora. Com uma faca no pescoço da filha mais nova – que ainda não havia completado um ano - Carlos os fez refém por uma hora, até um vizinho o denunciar.  Minutos depois, ele ateou fogo na casa.

Era o início do fim. Sozinha, com três crianças pequenas e apenas as roupas do corpo. Dalva passou a noite na casa de um tio, e no dia seguinte seguiu para o trabalho. Conseguiu dois cômodos para morar e doações de utensílios domésticos, além de roupas infantis.

Dalva e o esposo Luíz, com quem teve mais três filhos.

Um ano depois conheceu Luís, com quem se casou e teve outras três filhas. Hoje, aos 54 anos, possui oito netos e a grande família unida que idealizou aos 16 anos. De lá para cá teve tantas experiências profissionais quanto pôde. Foi de faxineira à coordenadora do núcleo ADRA.

Em alguns meses, realizará mais um sonho: irá se graduar em Serviço Social. Seu trabalho de conclusão de curso traz novas propostas para o amparo à mulheres vítimas de violência doméstica.

Sua vida é pautada na defesa de direitos, sobretudo das mulheres. Dalva as acolhe. Carrega em si um pouco de casa e de aconchego. É desta chama que nasce e se desenvolve a Roda de Mulheres. Do desejo de ajudá-las a perceber que em seus horizontes ainda podem morar diferentes possibilidades.

E sobre possibilidades, a coordenadora fala com a propriedade de quem foi ferida e continuou lutando. Dalva, estrela D’alva, entendeu que depois da hora mais escura vem o amanhecer, e brilhou. Para si e, agora, para (e por) todas. [Equipe ASN, Gisele Abdala]