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Parkinsonianos apontam estratégias para conviver com a doença

Enfermidade afeta mais de 200 mil pessoas apenas no Brasil. Tendência é que o número aumente nos próximos anos


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Cleonice encontrou no artesanato uma maneira de se manter ativa (Foto: Arquivo pessoal)

Foi aos 18 anos que Cleonice Costa começou a sentir os primeiros tremores nas mãos. Recém-contratada por uma empresa de seguros na cidade de São Paulo, seu trabalho consistia em passar muitas horas digitando documentos que eram registrados nos terminais. Na época, os médicos diagnosticaram seu caso como tendinite.

Após ser desligada da companhia, aos 33 anos, passou a receber um auxílio do governo por causa de seu problema de saúde. Mas em uma consulta para renovar o benefício, um dos peritos identificou que, além da debilidade, os tremores eram ocasionados pelo Mal de Parkinson. “Eu fiquei em choque. Fiquei sem reação. Aos poucos fui voltando a mim e, finalmente, perguntei ao médico: Tem cura? Ele disse que não. Então decidi seguir em frente”, recorda.

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A doença, que foi descrita pela primeira vez como “paralisia agitante” pelo cirurgião inglês James Parkinson em um trabalho publicado em 1817 - e que, posteriormente, passou a levar seu sobrenome, afeta o sistema neurológico de maneira progressiva. Ela é conhecida principalmente por comprometer a coordenação motora e costuma se manifestar em pessoas com idade acima dos 60 anos, com predominância no sexo masculino. “A imensa maioria da causa é desconhecida. Diz-se que há uma predisposição individual associada a fatores ambientais diversos”, esclarece a neurologista Marina Tuma, do Hospital Adventista de Belém, no Pará.

Embora não tenha a enfermidade, o advogado Samuel Grossmann convive com ela, diariamente, há mais de 40 anos. Ele acompanhou o avanço do Parkinson em uma tia, que faleceu em 1972. Na época, ninguém sabia, ao certo, o que ela tinha. Em 1970, sua esposa começou a apresentar os primeiros sintomas. Ela veio a óbito há quatro anos, mas, como frisa Grossmann, deixou um legado.

Marylandes Grossman fundou, em 1985, a Associação Brasil Parkinson (ABP), com sede na capital paulista, que desde então vem ajudando portadores a reconstruir a vida diante das limitações. “Procuramos exatamente integrar as pessoas à sociedade, porque elas próprias - e cito minha esposa -, ficam um pouco envergonhadas por causa das dificuldades e se retiram do convívio social”, resume Samuel que, aos 83 anos preside a entidade.

Mantida por doações, oferece atividades orientadas por profissionais de áreas como fisioterapia, fonoaudiologia, educação física, psicologia e coral de forma gratuita. Mesmo em face da crise econômica vivida pelo país, os atendimentos prosseguem e beneficiam 350 pessoas por semana.

Adaptação

Um dos fatores que contribuem para o surgimento da doença é a diminuição intensa de dopamina, substância que responde pela transmissão de mensagens entre células nervosas e pela realização de movimentos voluntários. Isso pode ocasionar, além de tremores, lentidão anormal; perda de equilíbrio; instabilidade na postura; rigidez muscular; alterações na fala e distúrbios do sono.

Diante desta realidade, os portadores precisam aprender a conviver com a enfermidade, o que geralmente requer mudança de rotina e um novo estilo de vida. Idas a especialistas, por exemplo, se tornam frequentes, enquanto algumas práticas precisam ser deixadas de lado. “Parei de dirigir, pular, correr, usar sapatos com saltos”, lista a aposentada Iris Scarabucci, de 65 anos.

Apesar disso, ela diz levar uma vida normal, embora com limitações. O segredo, argumenta, é estar sempre em movimento. Por isso, sempre encontra algo para fazer em casa. “Não paro, e isso ajuda muito. Não me deixa ser a coitadinha que tem Parkinson”, adianta.

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Iris decidiu não deixar a doença vencê-la (Foto: Arquivo pessoal)

Com humor e descontração, ela relata que uma coisa boa aconteceu nos últimos anos: “Estava sem tocar violão. Voltei para trabalhar os movimentos finos e aí, cara, ninguém me segura!”, brinca ao contar que tem uma banda com amigos que se reúnem de vez em quando.

Cleonice segue a mesma linha: está sempre em movimento. Ela encontrou no artesanato uma maneira de se realizar e também uma fonte de renda, já que está lutando na Justiça para obter a aposentadoria. “Faço decorações lindas que eu nem imaginava que tinha esse dom!”, vibra.

Preconceito

Mesmo diante do otimismo de muitos portadores, uma página ainda precisa ser virada pela sociedade. Apesar de o calendário registrar o Dia Nacional do Parkinsoniano em 4 de abril e o Dia Mundial de Combate à Doença de Parkinson em 11 de abril, ambos para promover a conscientização a respeito da doença e da realidade de seus portadores, algumas barreiras ainda devem ser ultrapassadas.

Na visão do advogado Samuel Grossmann, o que há hoje em relação a quem tem a enfermidade, principalmente no Brasil, não é um preconceito. “Como [ao seu ver] qualquer pessoa com uma deficiência física, por exemplo, há mais um olhar de curiosidade do que uma discriminação”, identifica com base na experiência que vivenciou ao lado da esposa.

Por outro lado, Cleonice passou por experiências que não deseja a ninguém. Em uma ocasião, ao se dirigir ao caixa de uma loja de calçados para efetuar uma compra, tremulamente entregou seu RG para a atendente. Na foto do documento ela estava um pouco diferente devido ao novo corte de cabelo que adotara. Encaminhada para uma sala reservada, a gerente lhe questionou:“A senhora está fazendo compras com uma identidade roubada?”

“Não. Essa identidade é minha. Essa pessoa sou eu”, rebateu.

“Mas a senhora está muito nervosa”, continuou a administradora.

“Eu não estou nervosa. Eu tenho Mal de Parkinson.”

Ela sublinha que a discriminação é constante até hoje. Às vezes, enquanto caminha pela rua, ouve frases como: “Aquela ali está tremendo porque não fumou um “baseado” hoje; “Aquela ali está tremendo porque é uma “nóia”; Ela está tremendo porque não tomou uma cachaça hoje.” “Eu acredito que é preconceito, e não falta de entendimento. Preconceito com alguém que tem uma doença, com alguém que é especial”, desabafa.

Grossmann reforça que a instituição tem feito o possível para ampliar o debate a respeito da doença e ajudar as pessoas a compreender mais sobre ela. É por isso que há outras entidades relacionadas ao assunto em várias localidades do país, como grupos ou associações. “Mas cada uma faz suas divulgações de acordo com suas capacidades”, ressalta. Mesmo assim, ao olhar para trás, ele percebe um avanço, já que até a formação da ABP, que foi a pioneira do gênero na América Latina, a enfermidade não era muito conhecida no território nacional.

Futuro

Até o momento, não existem medicações ou mudanças de hábitos capazes de evitá-la. No entanto, o reconhecimento precoce e adoção do tratamento pode retardar o desenvolvimento de incapacidades. Para quem já convive com ela, a médica Marina Tuma aconselha a:

- Fazer acompanhamento regular com neurologista;

- Tratamento medicamentoso adequado associado a um intenso acompanhamento multidisciplinar com fisioterapia, terapia ocupacional e psicologia. A grande maioria dos pacientes responde muito bem ao tratamento, principalmente nos primeiros anos da doença, e conseguem ter uma vida próxima ao normal;

- Dar atenção a um possível quadro de depressão, já que existe uma incidência maior por parte de quem tem Parkinson;

- Em casos em que o paciente não responde bem ao medicamento ou tenha efeitos colaterais graves, deve considerar um tipo de tratamento cirúrgico que pode ser realizado para amenizar alguns sintomas.

Grossmann tem esperança de que, em breve, depois de 200 anos desde que a doença foi identificada, suas causas e a cura serão descobertas, o que mudará a vida de quem está acorrentado a ela. Iris e Cleonice também esperam o mesmo.