Se um texto só pode ser considerado como tal quando é lido por alguém, em termos proporcionais poderíamos dizer que no Brasil não existem muitos textos. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Instituto Pró-Livro (IPL), em sua 5ª edição, mostrou que 48% da população brasileira não tem costume de ler. Ou seja, cerca de 100 milhões de pessoas não sabe o sabor delicioso das letras encadeadas em um bom livro.

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É verdade que parte desse número abrange pessoas sem acesso a livros por questões sociais, financeiras ou até mesmo de saúde. No entanto, a pesquisa mostra que mesmo muitos que poderiam ter o hábito da leitura optam por não desenvolvê-lo. O acesso à tecnologia, com sua ênfase no entretenimento, aparece mais como um competidor do que como um parceiro para a leitura.

Benefícios da leitura

Essa realidade é preocupante porque com a leitura podemos ter acesso a formas mais refinadas da interpretação do espírito do tempo. Sem a leitura perde-se a possibilidade de trafegar por áreas importantes da vida e de decodificar informações relevantes. Em geral, quem lê adquire novos saberes, os quais normalmente não seriam encontrados de outra forma. Um resultado bastante incômodo da ausência da leitura é a falta de habilidade interpretativa. Muita gente deixa de entender coisas importantes da vida por não saber ler de modo efetivo. Decodificar letras não significa entender exatamente o que as letras reunidas em palavras, sintagmas, frases e parágrafos querem dizer. Texto só é texto quando é lido, efetivamente.

Além de todos os inumeráveis benefícios da leitura, o que comprova sua importância, é significativo pensar que Deus escolheu Se revelar a nós de maneira cognitiva por meio de um livro. Se não existissem todos os outros motivos para gostar de ler, esse fato por si só já deveria ser suficiente. Quem lê a Bíblia com intencionalidade e prazer encontra o caminho para o conhecimento, que é transformador.

O Livro dos livros

A Bíblia não é meramente um manual de instruções com prescrições e soluções diretas para problemas do cotidiano. Em realidade, nela encontramos a Pessoa de Deus, Seu caráter, Suas ações na história, Sua interação com a humanidade e Suas promessas apresentados de forma artística, entrelaçados com refinamento e requinte literário. Em outras palavras, em contato com a revelação de Deus em Seu Livro, somos expostos aos princípios eternos e imutáveis do caráter divino, apresentados com complexidade e beleza literária inigualável. Assim, ler a Bíblia traz benefícios não apenas espirituais, mas também intelectuais e emocionais.

Os diferentes gêneros literários e textuais do Livro de Deus, ora aplicando linguagem direta e pragmática, ora estabelecendo o estranhamento ao tirar o leitor da perspectiva comum, aguçam a habilidade de interpretação de texto. A linguagem das Escrituras conduzirá o leitor para intencionalidades, símbolos e perspectivas. Com a condução do Espírito Santo, cada autor bíblico contribuiu com um foco narrativo / poético / profético específico. Ao ler seus escritos, somos convidados a colocar lentes especiais para examinar as cenas que são projetadas e grafadas nas páginas do texto sagrado. Os bastidores da realidade da vida são entremeados no texto, e interpretá-los é o desafio do leitor sincero e atento da Bíblia.

Na companhia do Autor, é possível acessar camadas profundas de significado, entender a clareza do pensamento divino e explorar o conteúdo que foi revelado. O “examinai as Escrituras” de Jesus (João 5:39) deve ser o esforço espiritual e intelectual de cada pessoa. É um chamado para decifrar a revelação divina como alguém decifraria o mapa de um tesouro.

Valor da Bíblia

Na leitura da Bíblia, encontramos flashbacks e flashforwards que fazem com que transitemos por suas páginas percebendo a coerência textual e as conexões intertestamentárias, como um fluxo da consciência perfeitamente estabelecido. A intertextualidade entre os livros das Escrituras realça a coesão que deve ser levada em conta para a compreensão de sua mensagem. Quando Paulo mencionou que “tudo o que no passado foi escrito, para o nosso ensino foi escrito” (Romanos 15:4), ele não estava usando uma figura de linguagem. Além da mensagem propriamente dita, o “tudo” do apóstolo, também, refere-se à forma do texto e à sua composição, que transmitem camadas essenciais de significado e que não podem ser desconsideradas. Ler integralmente o texto é uma ferramenta essencial para acessar o ensino que Deus registrou na Bíblia.

Não é por acaso que a Bíblia seja o livro mais vendido do mundo. Seu valor literário é muito mais profundo do que qualquer análise ou crítica podem mensurar. No entanto, considerando o desprestígio que a leitura tem em nosso país, que não é muito diferente na maior parte do mundo, encontramos um dos motivos pelos quais a Bíblia, embora muito disseminada, seja tão pouco compreendida. Além dos aspectos espirituais envolvidos na interpretação das Escrituras, sem dúvida a falta do hábito da leitura e a grande dificuldade interpretativa de muitas pessoas criam sérios entraves para que a mensagem de Deus seja amplamente conhecida. Se um texto só pode ser considerado como tal quando é lido, é triste pensar que para muita gente o texto sagrado não é texto.

É fundamental entendermos a importância de agir de forma intencional para que exista maior gosto pela leitura entre nós. As pessoas devem ser estimuladas a ler, sem que fiquem dependentes da tecnologia e muito menos da futilidade dos entretenimentos vazios. Certamente o motivo mais importante para que uma cultura de leitura seja uma realidade viva entre nós é que Deus escolheu registrar Sua mensagem em um livro. Descubra ou redescubra a experiência da leitura. Leia bons livros. Leia o Livro.

Lucas Diemer de Lemos é graduado em Letras e editor de livros na Casa Publicadora Brasileira (CPB).