Notícias Adventistas

Comportamento

“Precisamos dialogar com quem está crescendo em um sistema de violência”, afirma promotora

Dra. Sasenazy Daufenbach defende que jovens e adolescentes sejam orientados sobre o assunto, para que não se tornem vítimas ou até reproduzam a violência.


  • Compartilhar:

A líder do Ministério da Mulher da Igreja Adventista na região Leste de Mato Grosso, Regená Baptista, conversa com a Promotora de Justiça (à direita), Dra. Sasenazy Daufenbach [Foto: Divulgação]

As denúncias de violência contra as mulheres aumentaram significativamente desde o começo da pandemia, em março, segundo o governo federal, por meio de levantamento feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Os dados apontam para um crescimento de 13,35% em fevereiro, 17.89% março, 37,58% em abril, quando comparados ao mesmo período de 2019.

Em entrevista para a líder do Ministério da Mulher na região Leste de Mato Grosso, Regená Baptista, a promotora de justiça da 22ª Promotoria Criminal do Ministério Público do Estado, especializada no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, Dra. Sasenazy Soares da Rocha Daufenbach, acredita que a igreja tem papel fundamental no acolhimento e escuta das vítimas e que dialogar desde cedo com jovens e adolescentes pode evitar que se perpetue a violência.

Confira a seguir trechos deste bate-papo e a entrevista completa na série de vídeos que começa hoje (20.08) e vai até sábado (22.08) no Facebook e YouTube. O 1º vídeo será sobre O Papel da Igreja no Combate à Violência Doméstica. O 2º traz o tema: Violência Contra a Mulher: O Que Fazer. E o 3º e último vídeo da série tem o tema: Poderosas em Deus. A programação conta com a participação da Darleide Alves e do psiquiatra Dr. Cesar Vasconcellos, apresentadores da TV Novo Tempo, além do presidente da Igreja Adventista no Leste de Mato Grosso, pastor Jean Quenehen.

Quais fatores podem ter contribuído para o aumento nos índices de violência doméstica durante a pandemia?

A violência doméstica não está diretamente ligada à pandemia. É importante destacar que, possivelmente, a violência já existia e encontrou um fator exacerbador, que é essa reclusão social que estamos vivendo. Antes as pessoas iam para o trabalho, para a igreja, passavam tempo com os amigos, com a família, as crianças iam para a escola e existiam outros fatores de sociabilidade. Mas, aí veio a necessidade de distanciamento social e este se tornou um fator que acentuou os casos de violência, pois o agente agressor encontrou mais facilidade para agir. A mulher em situação de violência, por exemplo, perdeu seus vínculos e ficou em uma condição mais frágil. O agente agressor, por sua vez, percebeu a oportunidade de manter a violência doméstica ainda mais na clandestinidade.

O que devemos fazer se nos depararmos com um caso de violência doméstica, se soubermos de uma mulher, criança ou idoso que está sendo vítima de agressões, por exemplo?

Acolhendo. Não é possível transmitir confiança para uma pessoa em situação de violência se não a acolher. E para acolher, é preciso se sentir no lugar dela. Você não pode chegar e simplesmente dizer: “arruma suas coisas, vamos embora daqui, registrar agora um boletim de ocorrência e depois ir para a Justiça!”. Não! Acolha! Se necessário, tire-a daquele ambiente de conflito e, principalmente, compreenda o que ela precisa ouvir naquele primeiro momento para que se sinta fortalecida. É claro que as autoridades, dependendo da situação, precisarão ser acionadas imediatamente, sobretudo em casos de violência física ou de tentativa de feminicídio. Mas, até neste momento, primeiro acolha e depois chame as autoridades. A vítima precisa ter confiança de que vai ter alguém que a apoie. O pior sentimento é o de estar sozinha diante de um emaranhado de burocracias e sentimentos que a situação envolve.

Você acredita que projeto educacionais, como o Quebrando Silêncio, ajudam a diminuir as estatísticas de violência doméstica e até impedir a ação dos agressores?

Com certeza. Projetos como o Quebrando o Silêncio colaboram para informar, acender uma luz para alguém que esteja completamente no escuro e abrem portas para o diálogo. E, às vezes, não somente em relação à vítima de violência, mas com o próprio agressor, pois ele também precisa ser alcançado e tratado para que pare com as agressões. Então, quebrar o silêncio e o tabu da violência doméstica é trazer a oportunidade de a sociedade refletir e se perguntar: a violência existe e o que nós vamos fazer para mudar esse cenário?

As vítimas às vezes procuram primeiramente ajuda da igreja, de um conselheiro espiritual, um pastor, um líder de igreja. Qual conselho você pode dar a estes líderes religiosos para que eles consigam ajudar as vítimas de forma efetiva?

Que exercitem a escuta. E a sugestão vale para todos nós. Quando alguém nos contar que está passando por uma situação de violência, precisamos deixar de lado as concepções pessoais, não questionar a demora para buscar ajuda e o tempo que ela sofreu aquela violência calada. A partir da fala da vítima e eu da minha escuta, elaborar de que forma posso ajudá-la, sem julgamentos. Depois, se for o caso, acionar as autoridades.

A violência física é a mais visível, no entanto, é o ápice da manifestação de outros tipos de violência que a vítima estava sofrendo. Quais são as práticas iniciais realizadas pelo agressor que configuram violência doméstica?

Por vezes, começa no xingamento, na depreciação e na tentativa de destruir a pessoa de forma moral. Em seguida, é comum que o agressor tente dominar a vítima fazendo ameaças, de forma a mantê-la sob seu jugo. Se ele percebe que isto não faz mais efeito ou que a pessoa recebeu alguma orientação, parte para a violência física. É bom lembrar que é importante analisar todas as situações, pois existem outras formas de violência, como a sexual e patrimonial, que é quando o agressor usa o dinheiro ou bens materiais da vítima para mantê-la sob seu controle.

Qual é o passo a passo que uma vítima de violência doméstica deve seguir para fazer a denúncia de agressão? Apenas um boletim de ocorrência é suficiente?

A porta de entrada para o sistema Justiça são as delegacias de polícia. Então, a polícia militar vai ao local, verifica a situação de violência, encaminha para a polícia civil que faz o boletim ocorrência. Se for situação de flagrante, faz o auto de prisão em flagrante e, neste contexto, entram também as medidas protetivas. Mas, vamos supor que não estamos em uma situação de flagrante. O caminho é registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia ou ir ao Ministério Público noticiar o fato para que atitudes sejam tomadas dependendo da situação.

Ao longo dos últimos 30 anos, diversos países formularam suas próprias leis para combater a violência contra mulheres. O Brasil, inclusive, tornou-se referência com a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), em 2006. Especialistas afirmam que, além de punições mais rígidas contra esse tipo de crime, é preciso investir na prevenção por meio, por exemplo, da educação desde a infância e juventude. Neste sentido, qual é o melhor caminho para o enfrentamento eficaz?

Dentro do núcleo familiar, de amigos, é necessário sempre conversar sobre o que é e como identificar a violência doméstica. Não espere que essa adolescente se torne adulta e case-se com um agressor. É importante que a igreja e a escola também estejam atentas, proporcionando rodas de conversas e debates sobre o assunto. Quanto mais jovem a vítima, maior a chance de a violência ser sútil. Mas, pode ser percebida em falas como: “não gosto dessa sua roupa!”; “não gosto dessa sua amiga!”; “não gosto quando você fica só com sua família. Quero passar mais tempo só você e eu!”. É um relacionamento que começa abusivo e por falta de experiência, por ser adolescente ou jovem, não percebe que tem potencial para se tornar algo mais grave. Se estiver bem orientada, as chances dessa jovem perceber comportamentos suspeitos são maiores. Precisamos urgentemente dialogar com este público que está crescendo dentro de um sistema de violência para que ele não a reproduza ou torne-se uma vítima.