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Comportamento

O olhar do nosso menino

Conheça a história de uma mãe que foi do luto à luta pelo filho diagnosticado com Transtorno Espectro Autista


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Se pudéssemos voltar atrás e escrever uma nova história com nossos filhos, escolheríamos a mesma. (Foto: Arquivo pessoal)

Ao embarcarmos nessa nova rota chamada maternidade e paternidade, percebemos que o destino final será sempre a entrega integral de um amor incondicional, tão aguardado. Lembro dos dias em que, após o teste de gravidez confirmar, minha filha Myah teria um irmãozinho.

Depois do susto em que levamos, a escolha do nome, suas primeiras roupinhas, a família vibrando com a chegada do maninho e todos diziam “que incrível, será um casalzinho!”. Essa espera tão desejada trouxe um misto de sentimentos e uma história real. Não que pudesse ser irreal mas, até então, parecia real apenas para outras pessoas. Dessa vez foi para nós.

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Chega então o grande dia! Malinha no carro e, próxima parada, hospital. Nesse ponto, a ansiedade já não toma mais conta da cena, pois, nos braços, está o motivo de tanta espera. Como um dos maiores milagres de Deus, o bebê chega, abrindo os olhinhos, necessitando de tantos cuidados e dedicação. Logo se transforma num imenso pacotinho de amor. Bastam os primeiros sorrisos “banguelinha” para mudar o frescor do ar e o cheiro de bebê se espalha pelos cômodos da casa.

A lições na Bíblia já são substituídas pelas mensagens inspiradoras do pai Abraão, da mamãe Sara e Ana. As histórias de Davi, Samuel e Ester passam a ser retomadas diariamente através do culto familiar. Após um privilegiado período de aleitamento materno, inicia então a introdução dos alimentos.

O sono se regulariza. E, então, você já conhece seu bebê, que já senta, engatinha e caminha. Como são lindas aquelas perninhas indo em nossa direção. Chega então a tão sonhada hora de ouvir um sonoro “mamãe e papai”. Opa! Espera aí: essa parte eu não presenciei ainda! Já se passaram alguns anos e ainda não ouvimos essas lindas palavras. Só nos resta um olhar.

Nosso menino

Derek, nosso menino, nasceu com um olhar diferente. Na amamentação, pouco me olhava. Quando chamávamos pelo seu nome, muito pouco interagia ou se virava, permanecia com um olhar sempre baixo. Foram raras as vezes em que presenciamos ele sentindo dor, mesmo com o joelho todo ralado.

Com dezoito meses, ele já alinhava pedras em grupos de quatro e organizava novamente os lápis de cor bagunçados dentro da caixa, como se tivéssemos acabado de comprar. Como temos uma filha mais velha, a Myah, esses parâmetros foram ficando cada vez mais latentes. A minha pequena experiência pensava: deve ser porque ele é menino. Porém, mais sinais apareciam, todos os dias.

Percebi que quando estava entre muitas crianças, ele preferia ficar sozinho. Gostava muito de música, mas quando o som acabava, meu menino reagia com gritos e pontapés. Por diversas vezes, tive de me ausentar das programações da igreja por conta de seu comportamento, tido por muitos como birra e falta de educação. 

A investigação

A investigação foi longa e incluiu pediatra, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, neuropsicóloga e psicopedagoga. Quando nosso menino estava para completar três anos, abrimos a porta do consultório de uma neuropediatra como uma família comum e a fechamos com um papel que mudou nossas vidas. Era um laudo, onde constava CID 10 – F84 TEA: Transtorno Espectro Autista.

Lembro-me como hoje: saí do consultório e, na recepção do quinto andar, sentei no chão e chorei muito. Estava tentando entender o futuro daquele papel. Até então, meu foco era idealizar um filho “perfeito” mas, e agora, o que fazer? Como seguir em frente? Precisei engolir a dor e reagir.

Deus conosco

Sinto que Deus sempre esteve comigo e sabia que eu precisaria de alguém de carne e osso para me socorrer. Graças a Ele, eu tinha meu esposo e costumo dizer que é meu coração batendo fora de mim. Com a ajuda dele e de outros profissionais, mergulhei em longas terapias psicológicas, muitos estudos madrugada a dentro em leituras, sempre buscando compreender um pouco mais desse universo. Enfim, entendi que eu precisava voltar, precisava lutar. Era hora do luto acabar.

Era uma tarde de domingo, após um evento na escola das crianças, quando minha filha me entregou um presente. Era um troféu, com uma foto do Derek, que estava com um olhar para baixo – uma característica comum em pessoas com autismo. Com as mãos trêmulas e os olhos cheios de lágrimas, entendi que minha missão enquanto mãe, por mais simples que pareça, é lutar para, um dia, ter um novo troféu com meu filho olhando para a foto.

Para nós, não há nada nesta terra que represente mais o olhar celestial do que os olhos do nosso menino. (Foto: Arquivo pessoal)

Entendi que aquele é o olhar que nos acolhe e consegue ver além de nossos defeitos. Um olhar que, quando chora, pode demonstrar exatamente sua dor. Que pede aquilo que precisa e sabe dar valor àquilo que tem. Que mostra, em meio aos seus anseios, que a vida é muito mais simples, nós é que complicamos tudo. Que não precisamos de muito para dar boas gargalhadas, pois as melhores delas vem em longos abraços repletos de "cosquinhas".

Que em meio as suas rígidas rotinas e seu jeito de pensar diferente, expande a nossa mente e nossa visão limitada para entender que, na verdade, a vida é muito mais simples do que imaginamos. Que sempre terá um sorriso sincero e um coração grato pelas mínimas coisas. Que mesmo sem ter noção do perigo, voltará seus olhos pra nós, na certeza de encontrar em nossos braços a proteção que ele necessita.

Rede de cura

Foi então que percebi a necessidade de auxiliar outras famílias que, assim como nós, buscam algo ou alguém para dar apoio. Surgiu a ideia de criarmos uma rede de apoio, para famílias adventistas da pessoa com autismo. Meu esposo, pastor Marlon Bruno Oliveira, foi o responsável pela ideia do nome RAAFA, que em hebraico significa “cura” e a sigla, em português, significa Rede Adventista de Apoio à Família Autista.

O projeto teve início no início de Abril de 2020, com dezesseis pais e profissionais da pessoa com autismo. Passamos a acolher famílias via Whatsapp em grupos divididos por regiões do País, para que pudéssemos apoiar as famílias forma de mais próxima. Realizamos nosso I Webinar Internacional, reunindo 12 palestrantes, contando com 5 mil inscritos de mais de 38 mil pessoas alcançadas pela internet. Com esse número, passamos a contribuir com mais de 300 famílias pelos grupos, de maneira virtual.

Na última edição do evento, em dezembro de 2020, já contando com o apoio integral do Ministério Adventista das Possibilidades, produzimos um Webinar com 16 profissionais, incluindo especialistas da área e autistas adultos contando suas vivências. Desta vez, o evento contou com 60 mil pessoas assistindo ao vivo, chegando a alcançar cerca de 240 mil pessoas ao longo do evento.

Atualmente nossa rede está presente em 5 países e atende mais de 500 famílias pelos grupos de WhatsApp. Isso só é possível graças aos mais de 50 pais, mães e profissionais responsáveis por moderar e interagir diariamente com seus grupos que se dividem em temas específicos como nutrição, escola sabatina, desbravadores, aventureiros e linguagem. Tudo isso é oferecido de forma gratuita as famílias, visando o amor, apoio e o acolhimento de cada um.

Restauração

Gosto de dizer que fui do luto à luta pelo meu filho. Nós não escolhemos ser pais de uma criança especial, mas nos tornamos e aceitamos essa dádiva, entendendo que esse é um dos maiores presentes de Deus pra nós enquanto vivermos nessa terra. E, sinceramente, se hoje pudéssemos voltar atrás e escrever uma nova história com nossos filhos, escolheríamos a mesma! Pois, para nós, não há nada nesta terra que represente mais o olhar celestial do que os olhos do nosso menino.

Acreditamos que Jesus vai voltar e dele receberemos nosso filho restaurado. Prepare o seu coração para esse dia! Por enquanto, feliz dia 2 de abril, o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.


Keiny Goulart é comunicadora, esposa do pastor Marlon Bruno e mãe da Myah e Derek. Em 2020, fundou a Rede Adventista de Apoio à Família Autista, a RAAFA.

Para fazer parte da Rede, envie uma mensagem nas redes sociais ou acesse o site.