O dilema de Malinowski
Breves reflexões sobre o conflito atual entre Rússia e Ucrânia
Eu sempre lembro, nas minhas aulas de Antropologia, daquela história do grande antropólogo polonês Bronisław Malinowski, fundador da antropologia social britânica a partir da metodologia baseada na experiência pessoal do trabalho de campo.
A Primeira Guerra Mundial surpreendeu esse pesquisador em uma das distantes ilhas do Pacífico Sul. O brutal enfrentamento bélico se estenderia entre 1914 e 1928, e resultaria na lamentável morte de dez milhões de pessoas.
Neste interim, e em pleno processo de sua pesquisa antropológica, Malinowski conversou com um senhor, membro de um dos grupos canibais da região. Ao comentar sobre a guerra e as mortes na Europa, o canibal lhe perguntou o que os brancos faziam com tanta carne. Com um ar didático, Malinowski explicou que nas regiões ocidentais não existia o consumo de carne humana e que isso constituía em uma característica da civilização que os afastava da barbaridade. Perplexo, o canibal argumentou: “Mas se não os comem, para que os matam?”
Silêncio. Malinowski não podia responder nada.
Conflito atual
A guerra se afunda, na chamada “civilização”, em contradições insondáveis. O recente conflito entre Rússia e Ucrânia deixou exposta (mais uma vez) a desumanidade do homem para com o homem.
Eugene, de 27 anos, sabe disso. Ele fugiu da cidade de Jarkov em direção à Lviv, escapando dos disparos russos, mas logo viu nas notícias como um míssil atingiu e destruiu a câmara municipal da sua cidade e o apartamento em que vivia, que ficava ao lado.
O mesmo sabem os pais de Alisa Hlans, uma menina que em três meses teria completado oito anos, e que morreu em um ataque com míssil no jardim da infância de Okhtyrka, local que se encontra a 6 horas ao leste de Kiev. E juntamente com Alisa, se somam Polina, Ivan, Sofia e outras crianças cujas mortes foram registradas. Infelizmente, há muitas mais.
Maksim Ostrovsky, de 25 anos, pastor adventista na Ucrânia que mora e serve na Igreja de Jarkov também sabe disso. Tanto ele como vários irmãos estão refugiados no subsolo do templo, supostamente protegidos dos ataques. Enquanto isso, ele se dedica a fornecer assistência espiritual às pessoas e orar com elas. Também organiza atividades e brincadeiras para que as crianças mantenham a calma.
As centenas de esposas que, com angústia nos olhos, se despedem de seus maridos que se alistaram no exército ucraniano também sabem disso.
Os milhares de amontoados nas estações de trem que fogem para a Polônia deixando suas casas, seus pertences e seus objetos pessoais também sabem disso. Tudo para valorizar a vida. É disso que se trata.
Lições da guerra
Não há nada de positivo em uma guerra, mas de toda situação podemos extrair algumas lições, que podem ser as seguintes:
1. Ninguém tem a vida assegurada: A finitude da nossa frágil existência é clara. Em qualquer momento podemos morrer. Precisamos então estar preparados hoje para o Céu, tendo nossa vida e nossos assuntos em harmonia com Deus e com nossos semelhantes.
2. Em questão de dias (e até de horas) nossa situação pode mudar: Isso implica que a virada pode ser para o bem ou para o mal. Seja para onde for, devemos estar prontos e ter a sábia adaptação às imprevistas circunstâncias.
3. As crises geram oportunidades de serviço: muitos cidadãos civis ucranianos se alistaram no exército para lutar pelo seu país. Da mesma forma, nações como Polônia receberam milhares de pessoas que fugiam dos horrores da guerra. Por outro lado, dezenas de organizações não-governamentais e muitos voluntários se colocaram à disposição para ajudar os refugiados.
4. Se alguma vez pensamos que com o declínio da pandemia o mundo seria um lugar melhor, esse novo conflito mundial nos devolveu a angústia. No entanto, também renovou nossa fé. À luz de Mateus 24, essa guerra é um sinal da nossa maior esperança: a segunda vinda de Cristo.
Reflexão bíblica
Tudo indica que o mundo é hoje um lugar complicado. Na verdade, desde Gênesis 4, o mundo é um lugar complicado. A invasão do pecado destruiu toda a felicidade que nosso Criador tinha planejado para nós.
Ellen White já havia antecipado isso: “O mundo está se tornando cada vez mais iníquo. Em breve surgirá grande perturbação entre as nações — perturbação que não cessará até que Jesus venha. — Estamos mesmo no limiar do tempo de angústia, e acham-se diante de nós perplexidades com que dificilmente sonhamos. — Estamos no limiar da crise dos séculos. Em rápida sucessão os juízos de Deus se seguirão uns aos outros — fogo, inundações e terremotos, com guerras e derramamento de sangue” (Eventos Finais, p. 12).
No entanto, em vez de fixarmos nossos olhos nas calamidades globais e nos terríveis acontecimentos diários, é tempo de fixar nossos olhos em Deus. Somente nEle encontraremos paz e salvação.
O conselho de Paulo é precioso: “Pensem nas coisas lá do alto, e não nas que são aqui da terra. Porque vocês morreram, e a vida de vocês está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a vida de vocês, se manifestar, então vocês também serão manifestados com ele, em glória. Portanto, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena: imoralidade sexual, impureza, paixões, maus desejos e a avareza, que é idolatria; por causa destas coisas é que vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Vocês também andaram nessas mesmas coisas, no passado, quando viviam nelas. Agora, porém, abandonem igualmente todas estas coisas: ira, indignação, maldade, blasfêmia, linguagem obscena no falar. Não mintam uns aos outros, uma vez que vocês se despiram da velha natureza com as suas práticas e se revestiram da nova natureza que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que a criou” (Colossenses 3:2-10).
A renovação que Cristo nos oferece é total. Toda nossa vida pode ser restaurada. Deus tem as respostas para o dilema de Malinowski!