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O terceiro Elias - Parte 1

Conheça mais a respeito do misterioso mensageiro profético de Malaquias.


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A profecia de Malaquias vai além do ministério de João Batista (Foto: Shutterstock)

“Que fazes aqui, Elias?”, perguntou a escritora Ellen White a John N. Loughborough, um dos evangelistas mais destacados do período formativo da Igreja Adventista. Frustrado com o ministério, Loughborough havia abandonado sua vocação pastoral para trabalhar no campo. Por isso, a mensagem de Ellen White foi tão contundente: ele havia cometido o mesmo erro do profeta Elias, que fugiu após ter obtido uma grande vitória no monte Carmelo (1Reis 18–19).

A exemplo do pastor Loughborough, todos nós podemos cair na armadilha de negligenciar a missão para a qual fomos chamados como remanescentes – os sete mil homens que, metaforicamente, não dobraram os joelhos diante de Baal (1Reis 19:18; conferir Romanos 11:1-5;). Como parte do povo remanescente, Deus nos incumbiu de exaltar Sua lei e de preparar o caminho para a segunda vinda de Cristo (Apocalipse 12:17), uma missão revelada no nome “adventista do sétimo dia”.

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Supreendentemente, essas duas características distintivas são mencionadas na última profecia do Antigo Testamento. O profeta Malaquias anunciou um mensageiro que deveria preparar o caminho para a vinda do Senhor (3:1). No capítulo 4, esse mensageiro é chamado de Elias (verso 5), e sua missão é converter “o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais” (verso 6), a fim de preparar a Terra para “o grande e terrível Dia do Senhor” (verso 5).

Nesse contexto, o povo de Israel é convidado a se lembrar da “Lei de Moisés” (verso 4). Portanto, o mensageiro de Malaquias deveria unir a mensagem da lei de Deus com a da vinda do Messias, que é chamado pelo profeta de “Anjo da Aliança” (3:1) e “Sol da Justiça” (4:2; ver Lucas 1:76-79).

Esses paralelos entre Elias e o remanescente levantam algumas questões importantes sobre a escatologia e a missão adventista, como o papel de reconciliar os “pais” e os “filhos” e apresentar um evangelho indivisível, que une o testemunho da lei com a mensagem da vinda de Jesus. Com isso em mente, vamos analisar o texto de Malaquias e compará-lo com outras passagens bíblicas que esclarecem a obra do remanescente apocalíptico.

A voz que clama no deserto

Em tom escatológico, Malaquias 3:1 anuncia: “Eis que Eu [o Senhor] envio o Meu mensageiro, que preparará o caminho diante de Mim.” Antes de tecer qualquer comentário a respeito desse texto, é importante destacar que ele evoca Isaías 40:3: “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus”. Essa conexão é evidenciada pelo fato de que ambos os versos empregam o verbo hebraico panah, “preparar”, seguido pelo substantivo derekh, “caminho”.

É interessante notar que tal relação é confirmada em Marcos 1:2 e 3, que une as duas passagens para se referir ao ministério de João Batista: “Eis aí envio diante da tua face o Meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho; voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor.” No melhor estilo rabínico, Marcos misturou as duas declarações para comentar a obra desse mensageiro, como se estivesse dialogando com alguém: “Deus enviará Seu mensageiro. Mas quem é o mensageiro do Senhor? O mensageiro do Senhor é a voz que clama no deserto.”

É fundamental reforçar que o mensageiro de Malaquias 3:1 é chamado de “Elias” no verso 5 do capítulo 4. Podemos apresentar pelo menos dois argumentos para confirmar esse ponto de vista: (1) os dois personagens são introduzidos com a expressão “eis que Eu envio”, do hebraico hinneh sholeach;  (2) Jesus, o maior de todos os intérpretes das Escrituras Sagradas, identificou o “Elias que estava para vir” com o mensageiro de Malaquias 3:1 (Mateus 11:11-14). 

No espírito e poder de Elias

De acordo com Lucas 1:15 a 17, a profecia de Malaquias se cumpriu parcialmente em João Batista, que deveria desenvolver seu ministério no espírito e poder que caracterizaram Elias: “E converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. E irá adiante do Senhor no espírito e poder de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos, converter os desobedientes à prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo preparado.”

No entanto, quando foi interrogado pelos sacerdotes e levitas sobre sua identidade, João negou ser o profeta Elias e se identificou como a “voz do que clama no deserto” (João 1:21-23), que, como já observado, também está relacionada com a obra do mensageiro profético de Malaquias. Apesar de ter negado, o Batista se vestia como o profeta Elias (Marcos 1:6; 2Reis 1:8) e também fundamentava seu discurso em Malaquias 4 (Lucas 3:7, 9; conferir Malaquias 4:1).

Essa aparente contradição é facilmente resolvida quando lemos o texto a partir da perspectiva judaica. Conforme o registro de Mateus 17:10, havia uma crença entre os judeus de que o profeta Elias voltaria à Terra para preparar o caminho do Messias. Até os dias de hoje o povo judeu mantém essa esperança. A cada pôr do sol de sábado para o domingo, em uma cerimônia conhecida como Havdalah, eles entoam a canção: “Elias, o profeta / Elias, o tisbita / Elias, o gileadita / apresse-se em vir com o Messias, filho de Davi.” Na Páscoa, os judeus preparam um lugar à mesa para o profeta Elias e deixam uma taça de vinho reservada para ele.

O rabino ortodoxo Chaim Jachter, no livro From David to Destruction (Kol Torah, 2019 [Eliyahu HaNavi and the Drought of Faith, seder 19]), resumiu bem a importância do profeta Elias na escatologia judaica: “Eliyahu HaNavi nos levará a um teshuvah [retorno] que desencadeará a chegada do Mashiach, nossa redenção final. Alinhado com essa missão, Eliyahu HaNavi chega ao nosso seder [cerimônia de Páscoa] no momento exato em que nos referimos ao veheve’ti, o quinto passo condicional da redenção [uma referência ao verbo ‘levar’ em Êxodo 6:8]”.

Foi por causa dessa crença popular que o Batista negou ser Elias. João não era o profeta Elias que havia sido levado ao Céu, mas o Elias profético que deveria preparar o caminho para a vinda do Messias. Em Mateus 17:11 a 13, Jesus confirmou essa interpretação, mas também apresentou uma nuance interessante no verso 11: “De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio.”

Além de afirmar que Elias já tinha vindo, Jesus disse que o ilustre profeta ainda viria e “restauraria” todas as coisas. O verbo “restaurar” (do grego apokathistēmi) foi extraído de Malaquias 4:6, conforme o texto do Antigo Testamento grego, a Septuaginta. Esse mesmo verbo é usado para retratar a redenção final de nosso mundo por ocasião da segunda vinda de Cristo (Atos 1:6; conferir 3:21), revelando o teor escatológico da declaração de Mateus 17:11.

Em outras palavras, Jesus estava dizendo que a profecia de Malaquias não se limitava ao ministério de João Batista. Assim como haveria duas vindas do Messias, deveria haver mais de uma vez a manifestação profética de Elias. No futuro, outro mensageiro deveria ser levantado para exaltar a “Lei de Moisés”, preparar um povo para “o grande e terrível Dia do Senhor” e converter o “coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais” (Malaquias 4:3-6).

Continua...


André Vasconcelos é mestre em Teologia Bíblica e doutorando em Antigo Testamento. Atualmente, trabalha como editor na Casa Publicadora Brasileira.