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Apesar dos desafios, cresce atuação adventista com nativos

Brasil tem mais de 900 mil indígenas espalhados por seu território.


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Pastor Miraldo Fág-Tanh com nativos apinajés durante uma de suas visitas (Foto: Arquivo pessoal)

Na adolescência, Miraldo Fág-Tanh tinha dois sonhos. O primeiro era ser piloto da Força Aérea Brasileira, mas para ingressar na escola da Aeronáutica era necessário sair cedo de casa e viver longe da família. O segundo era ser médico.

Nenhum deles se concretizou. Nativo, das etnias guarani e kaingang, viveu até os cinco anos na reserva indígena de Votoro, no noroeste do Rio Grande do Sul, quando seu pai assumiu um cargo na Fundação Nacional do Índio (Funai). Com isso, ele e a família se mudaram para a reserva Guarita, a maior do Estado.

Da infância, ele guarda boas lembranças. “Ela foi a de um menino de aldeia. Gosto de lembrar porque foi ótima. Eu e meus amigos brincávamos na mata, nos rios e gostávamos de pescar”, recorda.

Quem apresentou a Bíblia e a religião cristã para sua família foi o jesuíta e antropólogo espanhol Bartolomeu Melià, que fala o idioma Guarani. Assim, começaram a frequentar a Igreja Católica.

De uma aldeia a outra

Em 1992, já morando em um bairro da cidade de Miraguaí, noroeste gaúcho, a igreja adventista local realizou uma programação da Semana Santa em uma das escolas. Fág-Tanh recebeu um convite e visitou o templo adventista. Lá, preencheu um formulário. “Achei que ia ganhar alguma coisa. Na época tinha fita cassete, e pensei que ia receber algo relacionado à música”, brinca. Tratava-se, na verdade, do pedido de um estudo bíblico. Após o término da semana, dois membros da congregação o visitaram. Em 1996, ele foi batizado.

No início da juventude, conseguiu uma bolsa para estudar Educação Física. Na época, frequentava cursos de liderança para jovens adventistas e teve contato com diversos pastores. Ao observá-los, nutriu o desejo de também dedicar-se a falar sobre Jesus aos outros em tempo integral, mas decidiu concluir a graduação primeiro.

Em 2002, já com o diploma em mãos, começou a trabalhar e até abriu uma escola de futebol. Apesar do incentivo dos membros de sua igreja local, estudar Teologia parecia um sonho distante. Mas, das amizades que havia feito ao longo dos anos, alguém lembrou-se de seu nome. Em 2005, a caminho de um acampamento de Carnaval, recebeu uma ligação. Era um convite para trabalhar na Faculdade Adventista da Bahia (Fadba). “Larguei tudo e fui”, pontua.

Lá, ingressou na faculdade de Teologia e alternava sua agenda entre os estudos e a ministração de aulas de Educação Física. Formou-se em 2010 e logo recebeu um novo desafio: ser pastor junto aos nativos na Ilha do Bananal, no Tocantins, principalmente os karajás.

A toda tribo

Um dos primeiros desafios que Fág-Tanh encontrou foi em relação à cultura local, que para ele era desconhecida. Por ser um irmão - como os indígenas consideram os nativos de outras etnias -, os obstáculos foram vencidos aos poucos, já que recebeu abertura para trabalhar com eles. “Eu vejo Deus me conduzindo para que eu possa compreender a aceitação das pessoas e valorizar de onde vim. Eu tinha perdido um pouco disso”, reflete.

Durante os cinco anos em que esteve com os karajás, ele atendeu três aldeias. Para chegar até elas, o trajeto era feito de barco. Da cidade de São Félix do Araguaia até a primeira delas, eram cerca de 15 minutos. Com aproximadamente 700 habitante, 150 são adventistas. Já para chegar à segunda, era necessário navegar durante uma hora. Dos 600 habitantes, pouco mais de 50 são adventistas. E, para aportar na última aldeia, onde vive um grupo de 12 adventistas, eram necessárias duas horas.

De seu ministério com os nativos, o pastor Fág-Tanh tem muita história para contar. Do outro lado da Ilha do Bananal, por exemplo, vivem os javaés, e foi ele quem fez o primeiro batismo de um adventista naquela comunidade.

Desbravador prepara-se para declarar seu desejo público de seguir a Cristo durante programa do Batismo da Primavera realizado em aldeia karajá. (Foto: Arquivo pessoal)

Outro episódio aconteceu na Bahia, com os índios caimbés. Os adventistas daquela região davam estudos bíblicos aos nativos e descobriram que Fág-Tanh atuava junto aos karajás. José Carlos Xavier - um dos membros que mais tem batalhado pelo trabalho junto aos nativos da localidade - convidou-o para batizar o filho do cacique. Ele aceitou. “O pai não queria que o filho fosse batizado, e então me levaram para conversar com ele. À tarde fui confirmar, e o cacique me disse: “Essa Igreja é a Igreja verdadeira. Deus se revelou para o meu [outro] filho nessa noite”’, conta.

O garoto explicou que havia sonhado que um pescador visitaria a aldeia, e que ele não era de lá, porém, não era desconhecido. No sonho, a pessoa se dirigiu até o rio para pescar, mas não foi possível. Então foi para o lago. E no lago pescou peixe grande e peixe pequeno.

Após ouvir o relato, o cacique esclareceu a interpretação: “Veio um pescador aqui, e ele não é estranho. É o pastor que chegou. Esse pastor não é estranho porque ele faz parte do nosso povo. Ele é um parente nosso. E ele ia batizar no rio, mas não dá. A barragem se rompeu e não vai dar para batizar, e ele vai batizar na lagoa. E vai batizar gente grande e gente pequena.”

“Eu não imaginava que ia ter essas surpresas no meu ministério. E ele permitiu o batismo do filho dele”, vibra Fág-Tanh.

Desafios

 

Durante o período em que trabalhou na região da Ilha do Bananal, o pastor batizou mais de 200 nativos. Mas para chegar a outros, é preciso que um número maior de pessoas se envolva nesse trabalho. Uma das maneiras como isso tem acontecido é por meio daqueles que conhecem a Cristo, deixam suas comunidades, vão para as instituições adventistas para estudar e aprender mais sobre missão, concluem o ensino superior, e voltam para casa para ensinar aos demais.

Há ainda o envolvimento de voluntários, - como os do projeto Um Ano em Missão -, que nos últimos anos têm participado de projetos dessa natureza, sobretudo na Ilha do Bananal. Veja no documentário a seguir:

Para aqueles que desejam falar de Jesus aos nativos, alguns pontos devem ser considerados, reforça o pastor Fág-Tanh:

  • Respeito à cultura. Deve se ter o máximo de cuidado e conhecer as diferenças, costumes e práticas de cada povo;
  • Se possível, é importante estudar e aprender a língua (principalmente para aqueles que dedicarão anos de sua vida a esse ministério). Isso gera proximidade com os nativos;
  • É preciso amá-los sem preconceito;
  • Deve-se conhecer como funcionam os relacionamentos, hierarquia, etc., dentro das aldeias.

“Temos uma data para comemorar o dia do índio, mas ainda somos um povo esquecido”, lamenta.

Desde o início deste ano, o pastor e sua família vivem em Roraima, na fronteira com a Venezuela, e atendem comunidades das etnias macuchi, taurepang e wapichana. Além delas, há também os da etnia patamona, da Guiana, que além da língua nativa só falam o inglês.

Fág-Tanh destaca que ainda há um grande trabalho a ser feito com os nativos. O último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que existem cerca de 900 mil indígenas no País. De 305 etnias, eles falam 274 idiomas. Destes, pouco mais de 9 mil são adventistas do sétimo dia.

Reforço

Hoje, quem dá continuidade ao trabalho junto aos karajás na Ilha do Bananal é o pastor Nataniel Silva Vieira, de 30 anos, que também reforça a necessidade de conhecer e respeitar os aspectos culturais dos nativos. “A única forma de vencer esses desafios é passando tempo com eles”, avalia.

Às margens de comunidade, pastor Nataniel Vieira batiza adolescente nativo (Foto: Arquivo pessoal)

Vieira concluiu o curso de Teologia em 2015 e, antes de assumir esse desafio, já ensinava a Bíblia em outras regiões do Tocantins. Apesar do pouco tempo junto à comunidade - que neste mês comemora os 50 anos desde a chegada do adventismo -, muitas coisas já precisaram mudar, desde a forma como prepara os sermões até o planejamento diário.

Sua maior alegria desde que chegou ao local é ver Jesus transformando vidas. “O conhecimento a respeito de Jesus é universal, e a salvação é um direito de todos”, declara.