Lilith foi a primeira mulher de Adão?
Qual a origem dessa ideia que tem se tornado popular e qual sua consistência quando confrontada com o relato bíblico?
Está circulando uma teoria de que Adão teve outra esposa antes de Eva, chamada Lilith. Ela teria sido criada diretamente do barro como Adão e, no momento da relação sexual, não quis se submeter ao marido, ficando por baixo e, por isso, revoltou-se e fugiu do Éden, tornando-se uma amante de demônios¹.
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Lilith tem sido retratada como uma figura de autonomia feminina e resistência contra a opressão masculina. Seria, de acordo com essa visão, uma personagem que desafia as normas de gênero e busca sua própria liberdade, enfrentando consequências trágicas por suas escolhas. Tem sido usada como um símbolo de diversas questões sociais e políticas, incluindo o feminismo, a luta pelos direitos LGBTQIAP+ e a crítica ao patriarcado². E afirmam que tanto o cristianismo como o judaísmo teriam escondido essa história e a apagado da Bíblia³.
Origens
Essa, no entanto, não é uma história real! A associação de Lilith com Adão não pode ser encontrada em textos antigos, como a Bíblia Hebraica ou os escritos dos Pais da Igreja. Essa teoria se originou na literatura medieval. A fonte mais antiga para essa conexão é o Alfabeto de Ben Sirá, produzido entre os séculos VIII e X d.C4, cujo autor é desconhecido5. Por possuir uma linguagem humorística, muitos eruditos dizem que o texto se trata de uma sátira escrita por um judeu culto daquela época que não era praticante da religião judaica6.
A Bíblia não fala sobre a existência de uma outra mulher de Adão e nunca falou. Uma das provas disso são os achados arqueológicos do Mar Morto, datados de cerca de 200 anos antes de Cristo. Mesmo lá, os manuscritos de Gênesis falam da mesma história que já está nas versões da Bíblia disponíveis em quaisquer idiomas: do ciclo da criação em sete dias e de Adão com sua primeira e única esposa, Eva, sendo criada à partir de sua costela7.
Na Bíblia
O único momento dentro da Bíblia em que aparece a palavra Lilith (לִּילִית) é no texto de Isaías 34:14, palavra hebraica que significa “noturna” ou “que pertence à noite”8. Não se trata de um nome próprio visto que até no rolo de Isaías, encontrado nos Manuscritos do Mar Morto, a palavra está no plural lilioth. Isso indica não ser uma figura específica, mas se refere a várias criaturas9. É por isso que tem sido traduzida nas versões em português como “criaturas da noite” (tradução Nova Versão Transformadora), “criaturas noturnas” (Nova Versão Internacional), “animais noturnos” (Nova Almeida Atualizada) e outras similares.
Como um povo que tem a Bíblia como “única regra de fé e prática”10, o mais seguro é que o cristão, preocupado em ser fiel ao texto bíblico, procure não dar ouvidos “às fábulas” (Tito 1:14) e “não ir além do que está escrito” (1 Coríntios 4:6).
Lucas Hígor de Lima Pereira é teólogo e pastor distrital em Manaus, Amazonas.
Referências:
¹ "Lilith", The Jewish Encyclopedia, disponível em: http://www.jewishencyclopedia.com/articles/10012-lilith Acesso em 21 mar. 2023.
² Stone, Michael E. "Lilith." In The Jewish Annotated Apocrypha, edited by Jonathan Klawans and Lawrence M. Wills, 90-91. Oxford University Press, 2020.
³ SAND, Shlomo. A Invenção do Povo Judeu: Da Bíblia ao Sionismo. Tradução de André Czarnobai. São Paulo: Benvirá, 2013.
4 Green, Barry. "Lilith." In The Oxford Companion to World Mythology, edited by David Leeming, 406-407. Oxford University Press, 2005.
5 Idem ²
6 STERN, David H. Parody in Jewish Literature. In: ______. Parodies of Ownership: Hip-Hop Aesthetics and Intellectual Property Law. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2009. p. 83-101.
7 Tov, Emanuel. "Biblical Manuscripts from Qumran and the Judaean Desert." In The Oxford Handbook of the Dead Sea Scrolls, edited by Timothy H. Lim and John J. Collins, 29-47. Oxford: Oxford University Press, 2010.
8 STRONG, James. Strong's Concordance of the Bible. Peabody: Hendrickson Publishers, 2009.
9 ULRICH, Eugene. The Biblical Qumran Scrolls: Transcriptions and Textual Variants. 2ª ed. Brill, 2010.
10 WHITE, Ellen G. Mensagens escolhidas, vol. 1. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000. p. 416.
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