Notícias Adventistas

Datas Especiais

Libras: que língua é essa?

Entenda mais sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), sua importância e sua relação com o trabalho de evangelização.


  • Compartilhar:
A Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida através da lei 10.436, de 24 de abril de 2002

O Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (Libras) celebra a importância e a valorização da comunidade surda no Brasil. Esta data, comemorada em 24 de abril, destaca a relevância da Libras que foi reconhecida, nesse dia, pela Lei nº 10.436/2002, como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda.

Leia também:

A Libras é fundamental para a promoção do acesso com equidade e do respeito aos direitos linguísticos e culturais dos povos surdos em nossa sociedade. É uma língua de modalidade visual-espacial, utilizada pelas comunidades surdas espalhadas em todo o país, possui regras gramaticais específicas e é considerada a língua de sinais nacional. Apesar da existência de outras línguas de sinais locais de comunidades isoladas, rurais, indígenas e de imigração, a Libras é a mais difundida, e a única reconhecida oficialmente por lei.

Ambiente religioso e evangelização

Nesse sentido, o dia 24 de abril é uma ótima oportunidade para promover a conscientização sobre a cultura surda e a necessidade de acessibilidade comunicacional e linguística em todos os aspectos da vida cotidiana das pessoas surdas falantes de Libras, e isso inclui os aspectos religiosos. Ao longo da história, o saber sobre os surdos, as línguas de sinais e aspectos que envolvam essa comunidade, esteve restrito a poucas pessoas além dos surdos. Isso gerou muitas crenças infundadas e preconceitos em torno desse assunto. Nesse cenário, os ambientes religiosos tiveram papeis importantes nesse processo, por meio de formação de tradutores e intérpretes de Libras, devido ao empirismo de atividades ligadas às igrejas ou a cursos ofertados nesses espaços.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia, organizada mundialmente por volta de 1863, estabeleceu-se no Brasil em 1894. A missão da Igreja sempre foi a de proclamar as três mensagens angélicas de Apocalipse, sendo a mensagem do terceiro anjo uma parte central dessa missão multifacetada. Além disso, é possível estabelecer uma relação entre a missão descrita em Apocalipse e a Língua Brasileira de Sinais (Libras), quando diz que temos “...um evangelho eterno para proclamar aos que habitam na terra, a toda nação, tribo, língua e povo.” (Apocalipse 14:6, NVI).

Ou seja, essa mensagem é para todos, especialmente considerando a importância da acessibilidade comunicacional da mensagem do Evangelho para os povos surdos por meio das línguas de sinais. A Igreja busca cumprir a promessa do livro de Atos de pregar e proclamar o Evangelho Eterno por meio das línguas de sinais. E “todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, de acordo com o poder que o Espírito dava a cada pessoa” (Atos 2.4).

À medida que a obra de Deus avança, o objetivo do “falar novas línguas” nos parece ser claro dentro do contexto da pregação da mensagem do terceiro anjo, principalmente para evangelização dos povos surdos, falantes de línguas de sinais.

Nesse contexto, surge a necessidade de a Igreja Adventista, institucionalmente, organizar e implementar estratégias que garantam a efetiva participação das pessoas surdas nas diversas atividades e métodos de evangelismo. Historicamente, há registros de que o trabalho da Igreja com surdos teve início nos EUA, entre 1960 e 1969, com o primeiro pastor adventista surdo, Arthur Griffith (1920 – 2010). No entanto, a escritora Ellen White cita que, por volta de 1836, o surdo Eliphalet Morrell Kimball (1816 – 1887) desenvolveu ações importantes no evangelismo com pessoas surdas. Posteriormente, no Brasil, em São Paulo, por volta de 1967, ocorreu o batismo do surdo Vivaldo Mesquita, que estudou a Bíblia com Luiz Melito, e os dois desempenharam papeis importantes no adventismo entre os surdos no Brasil.

Esses acontecimentos marcam o início do Ministério Adventista dos Surdos, oficialmente reconhecido pela Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia em 2012, por meio do voto N° 127. Atualmente, esse ministério integra uma das sete frentes do MAP - Ministério Adventista das Possibilidades, oficializado mundialmente pela Igreja Adventista, resultado de movimentos administrativos iniciados entre 2011 e 2019.

Libras e os desafios contemporâneos

De acordo com dados do último censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, no Brasil, mais de 10 milhões de pessoas são surdas, o que representa cerca de 5% de toda a população. O uso e a difusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em contextos religiosos têm desempenhado um papel importante na inclusão e acessibilidade dessas pessoas à prática religiosa. A Igreja Adventista, por meio das iniciativas do Ministério Adventista dos Surdos[1], tem buscado atender às necessidades linguísticas e culturais dessa comunidade.

Reconhecer a Libras como a língua de uma comunidade implica, portanto, em um planejamento linguístico abrangente na Igreja. Isso inclui a presença de intérpretes em eventos, conferências e cultos regulares, a tradução de diversos materiais, além do ensino de Libras por meio de cursos, oficinas e workshops, e a criação de materiais evangelísticos e institucionais diretamente em Libras. Esses projetos são conduzidos pela Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista.

Crescimento

Com a implementação do MAP em diversas regiões do país, tem-se observado um crescente interesse por parte de pastores, teólogos e aspirantes a pastores na temática da inclusão de pessoas com deficiência, em especial os surdos e o uso da Libras. Isso tem resultado na produção de Trabalhos de Conclusão de Cursos[2] que abordam questões relacionadas a essa área. Outro destaque é o que conhecemos como "Espaço Comunidade Surda”.[3] Trata-se da primeira Igreja Adventista dirigida por surdos e totalmente dedicada a surdos no Brasil que está, desde 2015, sob a coordenação do pastor Douglas Silva, o primeiro pastor surdo em nosso país. Espera-se que, com a sistematização desses esforços, haja um crescimento e avanço significativos nesse ministério.

Quando pensamos em grupos e línguas minoritários, podemos lembrar do livro de Romanos. Lá, o apóstolo Paulo enfatizou que não pode haver distinção entre as pessoas no que diz respeito à salvação. Ele declara que Deus é Senhor de todos e abençoa abundantemente aqueles que o invocam, independentemente de qual língua ou cultura, origem ou status, destacando, assim, a universalidade da salvação disponível por meio de Jesus Cristo. Entretanto, no que diz respeito às pessoas surdas, sem o acesso por meio da Libras, essas pessoas são deixadas à margem, e podemos parafrasear o texto bíblico de Romanos:

Porque toda pessoa surda que invocar o nome do Senhor será salva. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue em língua de sinais? (Romanos 10:13 e 14 - adaptado pela autora)

Entendemos que a igreja de Cristo possui a responsabilidade de atender à imperativa ordem de Jesus de acolher as pessoas surdas e promover ações que atendam às suas necessidades. No livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2, os discípulos estavam reunidos no Dia de Pentecostes e foram cheios do Espírito Santo. Nesse momento, começaram a falar em línguas que não conheciam, o que atraiu a atenção de uma multidão de pessoas de diferentes lugares e idiomas. Aquela foi uma ótima ocasião para que Cristo fosse pregado através da manifestação do Espírito Santo na vida dos crentes, falando em outros idiomas. Hoje, existe uma urgência no uso e no ensino de Libras, para atrair o povo surdo para a última mensagem de amor que precisa ser proclamada ao mundo e que está sob nossa responsabilidade como adventistas do sétimo dia.


Eliana Firmino Burgarelli é doutoranda em Linguística, formada em Letras-Libras, tradutora e intérprete e conselheira geral voluntária do Ministério Adventista das Possibilidades

Referências:

BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais — Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, DF, 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 19 abr. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais — Libras e dá outras providências. Brasília, DF, 24 de abril de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 19 abr. 2024.

BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: Nova versão internacional. São Paulo: Editora Vida, 2000.

CORREA, Fabiany Basoni; WITCHS, Pedro Henrique. Políticas linguísticas para surdos em países lusófonos. Linguagem & Ensino (UCPel), v. 23, p. 1340-1348, 2020.

GESSER, Audrei. LIBRAS? Que língua é essa? crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.

OLIVEIRA, André Barbosa de. A Trajetória de um Pioneiro do Ministério dos Surdos Adventistas: Vivaldo Rodrigues Mesquita. Revista Adventista, setembro de 2021. Disponível em: https://www.revistaadventista.com.br/da-redacao/destaques/o-homem-que-evangelizava-com-as-maos/. Acesso em: 27 nov. 2022.

Santos Júnior, José Erivaldo. Conhecendo a cultura surda e sua importância na formação teológica. FADBA -Cachoeira, 2023.

SILVA, César Augusto Assis. Cultura surda: agentes religiosos e a construção de uma identidade. São Paulo: Terceiro Nome, 2012.

Surdos Adventistas. Disponível em: https://surdosadventistas.com.br/. Acesso em: 19 de abril de 2024.


[1] Disponível em: https://surdosadventistas.com.br/

[2] Cito o TCC de José Erivaldo Santos Júnior, intitulado "Conhecendo a Cultura Surda e Sua Importância na Formação Teológica", FADBA/2023.

[3] Informações e materiais disponíveis em http://www.youtube.com/@EspacoComunidadeSurda