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Liberta em Cristo: das grades à graça

O projeto que transforma vidas nos presídios de BH


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O objetivo do Ministério Carcerário é ousado e espiritual: formar congregações dentro das próprias prisões

Era uma cela, mas virou santuário

Ana* costumava dizer que já não sentia nada. Nem medo, nem dor, nem esperança. O tempo em que passou atrás das grades parecia congelado, como se o mundo tivesse esquecido dela. Mas em meio ao silêncio opressor das paredes frias de um presídio da região central de Belo Horizonte, algo novo começou a florescer.
Um grupo de voluntários chegou trazendo livros, sorrisos e uma Bíblia nas mãos. Era o Libertos em Cristo, o ministério carcerário da Associação Mineira Central da Igreja Adventista do Sétimo Dia (AMC), que atua em sete presídios da região. Liderado pelo pastor Jonas Souza, evangelista do campo, o projeto vem sendo um instrumento de transformação espiritual e social na vida de homens e mulheres privados de liberdade. No caso de Ana, esse encontro mudou tudo.

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Uma nova vida atrás das grades

“Eu pensei que fosse só mais uma visita religiosa. Mas eles olhavam pra gente como quem vê seres humanos. E isso foi a primeira coisa que me despertou”, relembra Ana. Durante semanas, ela recebeu estudos bíblicos conduzidos pelo pastor José Alves, responsável por entrar nos presídios para ensinar e ouvir. “A Palavra de Deus não encontra muros. Ela entra onde o coração estiver aberto. Por isso, não podemos parar”, explica o pastor.

Foi ali, com os pés no chão frio da cela e o coração aquecido pela fé recém-descoberta, que Ana decidiu se batizar. Em 2024, cerca de 50 pessoas foram batizadas em cerimônias realizadas dentro dos presídios pelo Ministério Carcerário da AMC.

Além da fé: ressocialização e dignidade

Em 2024, cerca de 50 pessoas foram batizadas em cerimônias realizadas dentro dos presídios pelo Ministério Carcerário da AMC

Mais do que levar esperança espiritual, o projeto Libertos em Cristo também atua em frentes sociais. As ações incluem incentivo à leitura — que ajuda na remissão da pena —, rodas de conversa sobre ressocialização, e atividades educativas. “Nós não queremos apenas que os detentos conheçam Jesus. Queremos que tenham novas oportunidades de vida quando saírem daqui. Portanto, cada simples visita tem potencial de mudar vidas inteiras”, reforça o pastor Jonas.

Uma dessas iniciativas é o apoio por meio do Projeto Filadélfia, uma extensão do ministério que presta assistência às famílias dos detentos. Com cestas básicas, apoio emocional e acolhimento, a Igreja mostra que a prisão de um membro da família não precisa ser uma sentença para todos.

Muito mais que palavras

Outras frentes envolvem o acolhimento de mulheres estrangeiras envolvidas com o tráfico de drogas. Após deixarem o presídio, elas recebem abrigo, apoio para retorno ao país de origem e kits de higiene pessoal. “Há 15 anos, quando eu comecei esse ministério, eu dava emprego a essas mulheres dentro da empresa que eu tinha no presídio. Hoje, levo o pão espiritual. Nós ajudamos com passagens, abrigo e até mesmo apoio emocional. Então é um ministério muito amplo, que oferece dignidade e uma nova chance de recomeçar”, explica Cesiane Amaral, idealizadora do projeto.

Desde os primeiros passos, Isabel Pereira esteve ao lado de Cesiane nessa missão. “Quando entramos pela primeira vez em um presídio, eu senti que Deus estava nos chamando para algo muito maior do que imaginávamos. Era como se Ele dissesse: ‘Aqui também é campo missionário’”, relembra Isabel, cofundadora do ministério. “Ver pessoas entregando a vida a Cristo, atrás das grades, é a confirmação de que começamos esse projeto por um propósito divino.” Hoje, o projeto já conta com quatro voluntárias, além de Cesiane e Isabel. Rosane Pereira e Bruna Sampaio também somam nesta missão.

Uma mulher livre — por dentro e por fora

Outras frentes envolvem o acolhimento de mulheres estrangeiras envolvidas com o tráfico de drogas

Ana foi solta meses após seu batismo. Com a liberdade física, veio a decisão de se envolver no Ministério da Mulher de sua igreja. Hoje, ela ajuda outras mulheres a encontrar apoio e reconstrução. “Deus me resgatou na prisão. Então agora quero ajudar a resgatar outras, mesmo fora das celas”, diz emocionada. Seu testemunho é uma ponte viva entre o cárcere e a graça. “A prisão me colocou de joelhos. Deus me ensinou a levantar. E assim eu quero fazer com outras pessoas, sendo instrumento dEle”, resume.

Igreja dentro dos presídios

O objetivo do Ministério Carcerário é ousado e espiritual: formar congregações dentro das próprias prisões. Com cultos regulares, discipulados e apoio contínuo, os presídios se tornam verdadeiros pontos de pregação. “Não estamos falando apenas de mudanças de comportamento, mas de transformações eternas”, afirma o pastor José. Assim, quando alguém é libertado, a missão ainda continua. Muitos ex-detentos que aceitaram a fé hoje atuam em igrejas locais, como membros ativos da comunidade cristã.

Para o pastor Eduardo Acencio, presidente da AMC, o impacto do projeto vai muito além dos muros do sistema prisional. “O Libertos em Cristo é uma expressão viva do amor de Deus, pois está alcançando pessoas em seus momentos mais vulneráveis. Por isso, acreditamos no poder da restauração, e é isso que estamos vendo acontecer: vidas sendo transformadas, famílias sendo alcançadas e o Evangelho indo onde muitos não querem ir. Isso é missão.”

Uma missão que continua

O Ministério Carcerário da AMC prova que a graça de Deus não conhece grades. O projeto Libertos em Cristo segue levando luz a lugares sombrios, dando novas páginas à história de pessoas como Ana — páginas que antes pareciam condenadas ao esquecimento, mas que hoje carregam esperança, dignidade e propósito.

*Nome fictício para preservação da identidade.