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Israel é o termômetro do mundo?

Considerações bíblicas relevantes sobre o papel de Israel na interpretação profética relacionada aos tempos finais.


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Há uma grande expectativa de parte de evangélicos acerca do papel de Israel em conflitos finais antes da volta de Jesus Cristo. Mas o que a Bíblia diz sobre isso? (Foto: Shutterstock)

A atualidade é marcada por conflitos, e o recente embate entre Israel e o Hamas suscita interpretações variadas no meio cristão, especialmente entre os dispensacionalistas, que veem em Israel um termômetro global[1].

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Em sua forma de interpretar as profecias bíblicas utilizando-se do método futurista, acreditam que tudo que acontece em Israel como nação se espalhará pelo mundo[2]. Esses pensamentos possuem uma sólida base bíblica? O que a Palavra de Deus tem a dizer sobre o papel de Israel no tempo do fim e sobre quem é o Israel de Deus?

A perspectiva dispensacionalista

O dispensacionalismo[3] surgiu no século XIX a partir das ideias de John Nelson Darby (1800-1882) e se popularizou grandemente no meio cristão evangélico por meio da Bíblia de Referências Scofield[4]. Para os dispensacionalistas, Deus tem diferentes planos e propósitos para Israel e para a Igreja, e esses planos são progressivamente revelados ao longo das eras. Os dois permanecerão separados para sempre[5]. O arrebatamento marca o fim da dispensação da graça, que se destina à igreja e dá continuidade à realização das promessas relacionadas à dispensação da lei, reservada para Israel durante o reino milenar[6].

Essa visão escatológica se baseia principalmente na profecia das setenta semanas de Daniel 9. Para os dispensacionalistas, sessenta e nove semanas proféticas já se cumpriram no passado com a vinda do Messias, mas a última semana de sete anos se cumprirá no futuro com o Israel literal[7]. A igreja será arrebatada secretamente e em seguida se iniciarão os sete anos de grande tribulação e perseguição sobre Israel, quando o templo de Israel será destruído pelo anticristo. Porém, quando se completarem os sete anos de tribulação, Jesus voltará visivelmente e estabelecerá o reino milenar tendo Israel como centro e cumprindo a Israel todas as promessas feitas a eles no Antigo Testamento[8]. É por conta desta forma de enxergar as profecias que uma boa parte dos protestantes ficam alvoroçados quando veem qualquer coisa acontecendo em Israel como nação.

A perspectiva bíblica

Quando nos voltamos para o ensinamento bíblico, torna-se insustentável manter esta posição defendida pelos dispensacionalistas por vários motivos:

Em primeiro lugar, no tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, encontra-se a realidade de um Israel espiritual e remanescente. É composto não por aqueles que são descendentes de Abraão segundo a carne, mas os que têm a fé de Abraão. A promessa do remanescente de Israel não é pensada em termos nacionais, mas individuais.

Aqueles que pertencem a esse remanescente de Israel (o Israel espiritual) são os descendentes de Abraão que creem e aceitam o Messias, juntamente com todos os demais gentios que também o fazem[9]. Esse Israel espiritual é composto por uma comunidade fiel, devota a Deus com um novo coração fundamentado na "nova aliança", vindo de todas as nações da Terra (Joel 2:32; Sofonias 3:12, 13; Jeremias 31:31-34; Ezequiel 11:16-21; Zacarias 9:7; 14:16; Isaías 66:19; Daniel 7:27; 12:1-3). As bênçãos da aliança de Israel se cumprem não no Israel nacional, mas somente naquele que é fiel a Deus e confia em Seu Messias independentemente de nacionalidade[10].

No Novo Testamento, Cristo escolheu doze apóstolos que, numericamente, representam as tribos de Israel, formando assim um novo Israel, o remanescente messiânico (Marcos 3:14, 15; Mateus 16:18). Esta ação de Cristo estabelece a verdadeira continuidade do Israel fiel que herda todas as promessas da aliança, incluindo a da nova terra (Mateus 5:5; Romanos 4:13; 2 Pedro 3:13). A igreja, em sua união com Cristo, compartilha a mesma Nova Jerusalém com o Israel da antiga dispensação (Apocalipse 21) e entra na cidade através das portas com os nomes das tribos de Israel, enquanto os alicerces da cidade são inscritos com os nomes dos doze apóstolos (Apocalipse 21:12, 14)[11]. A igreja não está separada nas alianças de Deus com Israel, porque é o verdadeiro remanescente de Israel, o Israel messiânico, o herdeiro de Deus[12]. Mesmo no Apocalipse, Israel deve ser entendido simbolicamente como uma referência à igreja como o verdadeiro Israel de Deus[13]. P. 267

Em segundo lugar, a profecia das setenta semanas já se cumpriu completamente no passado. “Inserir num período de 490 anos um ‘intervalo’ de dois mil anos, quatro vezes maior do que a duração toda das setenta semanas, constitui uma ação injustificável”[14], lembra Knight.

Em terceiro lugar, Romanos 11 nos indica o chamado que Deus faz a igreja para despertar o Israel natural[15]. Deus não rejeitou os judeus (Romanos 11:1-2), pois Cristo morreu na cruz também por eles. Haverá muitos convertidos entre os judeus nos tempos finais, e eles farão parte do Israel de Deus. Ellen White, pioneira e profetisa adventista, disse: “há entre os judeus muitos que serão convertidos e por meio de quem veremos a salvação de Deus sair como lâmpada ardente. Há judeus por toda parte, e a eles deve ser levada a luz da verdade presente. Há entre eles muitos que virão para a luz, e que proclamarão a imutabilidade da lei de Deus com admirável poder. O Senhor Deus operará. Fará coisas maravilhosas em justiça.”[16]

Conclusão

Israel não é o termômetro para o mundo. A análise crítica entre a perspectiva dispensacionalista e a visão bíblica revela divergências fundamentais sobre o papel de Israel no cenário escatológico. Enquanto os dispensacionalistas, influenciados pelo método futurista, interpretam os eventos em Israel como indicadores globais e aguardam o cumprimento de profecias específicas, a evidência bíblica destaca a compreensão de um Israel espiritual, um remanescente que transcende fronteiras nacionais. A fé e a aceitação do Messias são os critérios, não a descendência física. O verdadeiro Israel de Deus, composto por gentios e judeus que aceitam a Cristo, é quem receberá o cumprimento das promessas do Senhor.

Lucas Hígor de Lima Pereira é teólogo e pastor distrital em Manaus, Amazonas.

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Referências:

[1] BELONI, Cris. Pastor aponta o que acontecerá em Israel antes da volta de Jesus. Guia-me, 18 de maio de 2021. Disponível em:  https://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/pastor-aponta-o-que-acontecera-em-israel-antes-da-volta-de-jesus-os-sinais-serao-claros.html . Acesso em: 22 de nov. de 2023.

[2] BERKHOF, Louis. “Systematic Theology”. Grand Rapids-MI: WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1993. P. 290-301.

[3] O dispensacionalismo é uma abordagem teológica que interpreta a Bíblia dividindo a história em diferentes "dispensações" ou períodos, cada um marcado por uma maneira distinta pela qual Deus lida com a humanidade. As sete dispensações, conforme apresentadas pelos dispensacionalistas, são as seguintes: 1. Inocência: O período desde a criação até a queda de Adão e Eva; 2. Consciência: Da queda ao dilúvio, quando a humanidade era governada por sua consciência; 3. Governo Humano: Do dilúvio até a Torre de Babel, marcado pela tentativa da humanidade de se organizar independentemente de Deus; 4. Promessa: Desde Abraão até a entrega da Lei a Moisés no Monte Sinai; 5. Lei: Da entrega da Lei até a crucificação de Cristo, em que os judeus estavam sob a Lei mosaica; 6. Graça: Desde a crucificação de Cristo até o Arrebatamento, marcado pela dispensação da graça e da igreja; 7. Reino: Um futuro milênio em que Cristo reinará fisicamente na Terra. Ver RYRIE, C. C. “Dispensationalism Today”. Evanston, III: Moody Press, 1973.

[4] MILLARD, Erickson J. “Teologia sistemática”. São Paulo-SP: Vida Nova, 2015. p. 1109

[5] Idem 4. P. 1006-1007.

[6] BLAISING, Craig A. “Dispensacionalismo Progressivo”. Rio de Janeiro-RJ: Editora Concílio, 2022.

[7] ROCHA, Daniel. “There’s a new world coming”. Teoliterária V. 9 - N. 19 - 20. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/teoliteraria/article/view/45258/30756>. Acesso em: 18 de novembro de 2023.

[8] PAULIEN, J. “The deep things of God”. Hagerstown: Review and Herald, 2004. p. 30-34.

[9] WESTERMANN, Claus. Isaiah 40-66-Otl: A Commentary. Philadelphia: Westminster John Knox Press, 1977, pp. 313-315.

[10] LARONDELLE, Hans K. Israel and the church. Ministry Magazine, julho de 1981. Disponível em:  <https://www.ministrymagazine.org/archive/1981/07/israel-and-the-church>. Acesso em: 26 de nov. de 2023.

[11] Idem 10

[12] Ver Romanos 9:6-8; Gálatas 3:29, 6:16; Efésios 2:19-22; Filipenses 3:3; 1 Pedro 2:9-10.

[13] STEFANOVIC, Ranko. ”La Revelación de Jesucristo”. Berrien Springs-MI: Andrews University Press, 2013. P. 267.

[14] KNIGHT, George (editor). ”Questões sobre  doutrina”. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014. P. 225.

[15] LARONDELLE, Hans K. Israel and the church. Ministry Magazine, setembro de 1981. Disponível em:  < https://www.ministrymagazine.org/archive/1981/09/is-the-church-spiritual-israel>. Acesso em: 26 de nov. de 2023.

[16] WHITE, Ellen G. “Evangelismo”. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012. P. 577-578.