Notícias Adventistas

Gente

Doutora em Virologia fala dos desafios do trabalho em meio a pandemia

Estamos enfrentando uma crise sem precedentes, um momento crítico. Se não tivermos fé, fica impossível seguir em frente e encarar os desafios de cada dia


  • Compartilhar:

Juliana Cristina Santiago Bastos: Me vejo em vários momentos do dia em oração por pessoas que eu nem conheço, e fico em casa me lembrando de cada um deles e pensando em suas famílias.

Juliana Cristina Santiago Bastos, é natural de Salinas, cidade localizada no extremo norte de Minas Gerais. É Farmacêutica, Mestre e Doutora em Genética e Biologia Molecular – Microbiologia – Virologia (UNICAMP – Campinas/SP). Atualmente atua como gerente de Infectologia Hospitalar no Hospital Municipal Dr. Oswaldo Prediliano Santana, em Salinas. Na entrevista a seguir, Juliana fala dos desafios de atuar na área de saúde em meio a pandemia, a fé como importante ferramenta neste momento onde a Covid-19 se agrava ainda mais pelo país, e sua volta para o norte de Minas.

Entrevista concedida ao jornalista Samuel Nunes.

- Qual sua rotina de trabalho em Salinas e sua percepção enquanto profissional da área da saúde deste momento considerado o pior da pandemia?

Em Salinas, atuo como Gerente de Infectologia Hospitalar no Hospital Municipal Dr. Oswaldo Prediliano Santana. Nesse contexto de pandemia, a maioria das cidades da região que ainda não dispunham de uma infraestrutura hospitalar capaz de atender pacientes graves, tiveram que se adequar e implantar novos serviços, como UTIs e leitos com suporte ventilatório para abranger a nova demanda de pacientes acometidos pela Covid-19. E a cada novo serviço oferecido, surgem novos desafios que requerem profissionais de áreas mais variadas e especializações voltadas para isso. Desse modo, desenvolvo um trabalho voltado a todas as demandas que envolvem microrganismos, doenças infecto-contagiosas, controle de ambientes, materiais, equipamentos e insumos, uso racional de antimicrobianos, controle e prevenção de infecções hospitalares e vigilância epidemiológica dentro do serviço, que envolve todas as doenças de notificação compulsória.

Diante da situação atual da pandemia, participo do trabalho de transmissão de dados aos demais municípios da região, de forma a otimizar a integração dos mesmos e definir estratégias diárias para atender a todos que necessitem.

Como profissional de saúde, o que o momento atual desperta em você?

O momento atual desperta e mim uma grande angústia, pois estamos lidando com uma doença que ainda envolve muitas dúvidas, que afeta pessoas com as mais variadas características e que tem um curso totalmente imprevisível em cada pessoa acometida.

A resolução do problema envolve todos os setores da sociedade e depende do esforço de cada um. Porém, existem muitas questões envolvidas que atrapalham o curso esperado do enfrentamento. Eu confesso que em alguns momentos me cansei de tentar “convencer” as pessoas da necessidade do cuidado coletivo, mas preciso retomar as minhas forças a cada dia para continuar lutando, pois cada vida importa.

Eu sempre digo que só as pessoas que acompanham diariamente esses pacientes nos leitos de UTI lutando pela vida, e vendo profissionais se doando sem restrições, é que entendem exatamente qual é a gravidade do cenário em que estamos vivendo hoje. Sem dúvidas, além do número de casos, a gravidade com que a doença tem se apresentado nos últimos dias tem causado espanto e insegurança em todos nós.

E considerando as características que esse vírus possui, temos consciência de que o problema infelizmente ainda não está perto do fim. Se cada um não fizer a sua parte, podemos prolongar esse enfrentamento ainda por um longo período e acompanhar perdas irreparáveis, além de muitas sequelas deixadas naqueles que conseguem superar a doença.

- Diante deste quadro, enquanto membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, trabalhando diariamente em um hospital em uma área bem específica, quais as lições que você consegue extrair da pandemia?

Tenho a constatação diária de que a nossa vida aqui nessa terra é passageira e efêmera. De que somos mortais, vulneráveis, e que cada atitude que tomamos na nossa vida faz muita diferença no momento em que enfrentamos uma enfermidade. Nossos hábitos de vida, a saúde mental, a prática da espiritualidade, tudo interfere com o curso da nossa saúde física.

Vejo o quanto é importante manter a comunhão com Deus e com o nosso próximo e fazer o nosso melhor pelas pessoas, pois somos todos irmãos e precisamos uns dos outros o tempo todo. Eu me vejo em vários momentos do dia em oração por pessoas que eu nem conheço, e fico em casa me lembrando de cada um deles e pensando em suas famílias.

É muito triste assistir a tudo isso. Sabemos que a morte faz parte do nosso ciclo aqui nessa terra, mas é uma dor muito grande de se ver. É importante buscarmos a cada dia entender o plano de Deus para o nosso mundo e renovar a nossa fé, com a certeza de que não estamos enfrentando esse problema sozinhos.

Na sua concepção qual a importância da fé no exercício da sua profissão e principalmente, no momento onde enfrentamos o momento mais grave da pandemia no país?

A fé é fundamental quando lidamos com vidas, com pessoas, com sentimentos. Diante de todo o sofrimento que assistimos diariamente, precisamos confiar que não precisamos contar somente com as nossas forças, pois não seriam suficientes. Precisamos ter fé e acreditar que o sofrimento é passageiro e que um dia não haverá mais lágrimas, luto ou dor. Precisamos acreditar que Deus sabe o que é melhor para cada um de nós e que ele sempre cuidará daquilo que realmente importa, que é a nossa vida eterna, que é o nosso objetivo aqui. Estamos enfrentando uma crise sem precedentes, um momento crítico. Se não tivermos fé, fica impossível seguir em frente e encarar os desafios de cada dia.

Qual sua mensagem de esperança diante dos dias difíceis que passa o país?  

Eu aproveito esse momento para fazer um apelo a todos para que façam a sua parte em cada atitude do dia a dia. Independente se tem alguém próximo que é considerado grupo de risco, se tem alguém olhando ou fiscalizando, ou se você se considera resistente o suficiente para não se preocupar com sua própria saúde. Tenham compaixão pelo próximo.

Só podemos vencer essa grande batalha se for de forma conjunta. Cada atitude importa. Sejam solidários. Evitar a transmissão desse vírus é possível, mas requer o empenho de todos nós. Eu tenho fé de que tudo isso vai passar e nós vamos ter bons momentos para viver ainda. Mas precisamos cuidar para que esse momento passe com o menor número possível de perdas e para que o sofrimento não só pela doença, mas por todas as outras dificuldades geradas por ela, seja reduzido. Que Deus abençoe a todos nós.

Como foi sua experiência de trabalho em SP?

Tive a minha primeira experiência profissional como farmacêutica do SUS. Fui convocada a assumir o cargo que conquistei através de concurso público e hesitei em aceitar já que estava em fase de conclusão do mestrado e prestes a iniciar o doutorado, com projeto já pré-elaborado. Como tive a possibilidade de continuar, conciliando com o trabalho, aceitei. E hoje vejo que tomei a decisão correta.

Em SP tive a oportunidade de trabalhar em vários setores, o que me possibilitou ter vasta experiência na área, além de conhecer serviços farmacêuticos muito variados, bem como áreas não diretamente relacionadas à minha graduação, mas que foram grandes impulsionadores para a minha carreira profissional.

Trabalhei com atenção básica e especializada (UBS, Programa Medicamento em Casa, Farmácia de Alto Custo, atendimento a demandas de medicamentos via serviço social e judicial), serviço ambulatorial de atendimento a pacientes com HIV e hepatites, Vigilância Sanitária, Auditoria em Saúde, acompanhamento de licitações e avaliação técnica de itens adquiridos. Além disso, participei da elaboração de protocolos da saúde em geral.

Em 8 anos, foram grandes os desafios, e isso sempre me motivou a aprender mais e a encarar a saúde pública como algo fundamental e indivisível. Se não trabalhamos em conjunto, não somos capazes de prestar um atendimento eficaz e que atenda com dignidade a população.

Fale sobre uma pesquisa desenvolvida pela Unicamp da qual voce participou

Pude em vários momentos conciliar a experiência profissional com a pesquisa desenvolvida na Unicamp, incluindo a publicação de um artigo em revista internacional sobre os novos tratamentos para Hepatite C, que elaborei a convite da revista e em parceria com outros profissionais envolvidos nesse atendimento e contato direto com esse grupo de pessoas.

A minha atuação em SP foi uma experiência muito rica pra mim, e com certeza será sempre minha referência e um fundamento para os demais trabalhos que eu venha a desenvolver ao longo da vida.

Juliana Cristina Santiago Bastos: É importante buscarmos a cada dia entender o plano de Deus para o nosso mundo e renovar a nossa fé, com a certeza de que não estamos enfrentando esse problema sozinhos.

- Quais os motivos levaram te levaram a voltar para o Norte de Minas, e ter escolhido Salinas para trabalhar?

Voltar pra MG era um sonho que eu tinha há alguns anos. Com o passar do tempo, o fato de morar tão longe da família tornou-se um fator de angústia pra mim, principalmente depois de ter filhos. Eu sonhava que eles pudessem ter uma infância com mais liberdade, mais contato com a família e recebendo toda essa atenção e carinho que só os avós, tios e primos sabem dar. Queria que os meus filhos tivessem uma infância feliz, assim como eu tive, e que levassem boas experiências para a vida adulta.

A formação religiosa desenvolvida na nossa terra natal é sempre mais intensa, pois temos uma história, uma rotina diferente, e um amor fraternal único. Em relação à escolha da cidade de Salinas, além de ter a minha família por perto, tenho todo o interesse em contribuir com o desenvolvimento da mesma. Aqui eu tive a minha formação básica, tanto escolar como de caráter e eu aprendi a acreditar que somos capazes de conquistar os nossos objetivos com muito esforço e dedicação.  

A volta para a cidade natal pode ser considerada uma mudança radical na sua vida?

Quando o convite surgiu, aproveitei a oportunidade e aceitei esse novo desafio. Pedi exoneração de um cargo efetivo de 8 anos de atuação e fiz uma mudança radical na minha vida e da minha família. Acredito que tive a oportunidade de estudar em uma das melhores instituições do Brasil e tive uma experiência de trabalho muito rica. Agora já era o momento de trazer de volta tudo isso para auxiliar no desenvolvimento da minha cidade natal e da região norte de Minas.

- Alguma experiência vivenciada no hospital que te marcou profundamente nesta sua volta?

Aqui eu pude acompanhar de perto cada caso grave e cada morte ocorrida nos últimos meses. E em um desses casos, foi de uma pessoa muito próxima da minha família. Apesar de entender que, dentro das nossas possibilidades, foi feito o possível, a sensação de incapacidade que tive diante da morte foi muito forte. Me senti muito angustiada, pensando se poderia ter feito mais, ter feito algo diferente, questionado mais ou talvez ter dito algo que pudesse confortar, pois nesses momentos faltam palavras. Mas sei que Deus está cuidando de todos nós e trazendo o conforto que nós não somos capazes de ter por nossas próprias forças.

Rápidas:

-Texto bíblico que fala o seu coração:

“Mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido” (Verso do Salmo 91, lido todas as noites pela minha mãe durante a minha infância, antes de dormirmos)

- Personagem bíblico que se inspira:

José – Devemos ser exemplo onde quer que estivermos e independente de quem esteja nos observando.

- Música que toca o seu coração:

O melhor lugar do mundo.

- Resuma sua profissão em uma palavra ou frase:

Cuidar é amar.

- Importância da sua família no exercício da sua profissão:

Motivação, apoio incondicional, sentido de tudo.

- Descreva Jesus em sua vida:

Meu porto seguro, meu Pai.