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Conheça a riqueza do livro de Ezequiel 

Livro do Antigo Testamento é bastante enriquecedor e fala de temas como fidelidade e obediência a Deus e certeza da preservação e cuidado.


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Ruínas da antiga Babilônia, que foram palco de vários episódios descritos no livro de Ezequiel. (Foto: Shutterstock)

Os maiores aprendizados sobre o conteúdo de um livro bíblico se dão por meio do estudo. E esse estudo deve levar em conta uma leitura cuidadosa e amparada pelo Espírito Santo. Ao mesmo tempo, contribui para tal estudo aprofundado uma ideia sobre o contexto em que foi escrito tal obra. Isso amplia a ideia sobre as aplicações espirituais existentes.

É o caso do livro do profeta Ezequiel, escrito provavelmente entre os anos de 593 ou 592 antes de Cristo até 571. É uma obra inserida no contexto do cativeiro imposto pela Babilônia ao então reino de Judá. Para entender melhor a riqueza do livro, a Agência Adventista Sul-Americana de Notícias (ASN) conversou com Luiz Gustavo Assis. Ele é bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Adventista, campus Engenheiro Coelho (Unasp), mestre em Arqueologia do Antigo Oriente Próximo e Línguas Semíticas pela Trinity Evangelical Divinity School (Deerfield, IL), e doutorando em Bíblia Hebraica pelo Boston College (Newton, MA).

Sua pesquisa doutoral envolve a aquisição e produção de conhecimento oracular (profético) na Bíblia Hebraica, especialmente no livro do profeta Ezequiel. No momento, Assis atua como pastor de duas congregações adventistas nas cidades de Anaheim e Orange, no estado da Califórnia. Além de suas funções pastorais, ele integra o corpo de professores de Hebraico e Aramaico do Israel Institute of Biblical Studies (antigo Eteacher), e da Pós Graduação em Arqueologia do Antigo Oriente Próximo e Mediterrâneo do Unasp-EC. É casado com Marina Garner Assis e pai de três filhos, Isaac, Thomas, e Samuel.

Contexto histórico

Fale um pouco do contexto do livro do profeta Ezequiel e como essa obra nos ajuda a entender um pouco mais sobre como vivia o povo judeu antes e durante o período de exílio da Babilônia?

Um dos inúmeros tabletes cuneiformes de Al-Yahudu, “a cidade dos Judeus,” no sul da Mesopotâmia (atual Iraque). (Foto: Acervo pessoal)

Ezequiel foi um dos milhares moradores de Judá deportados pelas tropas de Nabucodonosor para Babilônia no ano 597 a.C. após décadas de violação dos termos da aliança/contrato que eles tinham com o Deus bíblico. Temos ampla documentação histórica desse evento tanto bíblica como vinda de tabletes cuneiformes produzidos por escribas babilônios.

De acordo com o relato bíblico, aproximadamente 10 mil judaítas foram deportados na ocasião (2 Reis 24:14). De acordo com uma das crônicas babilônicas, hoje em exibição no Museu Britânico em Londres (ABC 5), esse evento se deu em um sábado (2º dia do mês de Adar). A maioria desses judaítas foram assentados numa área ao sul da cidade de Babilônia. Muitos deles viviam num vilarejo chamado Al Yahudū, “cidade dos judeus.”

Há poucos mais de 10 anos, um grupo de aproximadamente 200 tabletes cuneiformes desse vilarejo foi traduzido e publicado pela primeira vez. Com base nesses textos, sabemos agora como era o dia a dia desses judaítas na Mesopotâmia. Inúmeros deles estavam envolvidos com produção de tâmaras, agricultura (cevada e trigo), e comércio uma maneira geral. Tais atividades lembram o conteúdo da carta enviada por Jeremias para a comunidade judaíta recém deportada para Babilônia (Jeremias 29:3-7). Quanto à Ezequiel, sabemos que ele residia num vilarejo não muito longe dali chamado Tel-Aviv, às margens do rio Quebar (Ezequiel 3:15). De acordo com um recente estudo, esse vilarejo é a antiga cidade de Shurrupak, no sul do atual Iraque. Com base nessas informações, é razoável concluir que Ezequiel e milhares de outros compatriotas judaítas moravam em comunidades rurais da antiga Babilônia e estavam intimamente envolvidos com a agricultura e pecuária daquela região. Dada a prosperidade material que muitos deles experimentaram, não surpreende o fato que muitos judaítas não voltaram para Judá após o decreto de Ciro em 539 a.C.

Descobertas recentes

O que se descobriu mais recentemente sobre a historicidade e aspectos arqueológicos deste livro e que nos ajuda a entender um pouco mais do que significou o exílio babilônio em termos espirituais?

Além dos inúmeros tabletes cuneiformes mencionados anteriormente, vários estudos sobre o livro de Ezequiel demonstraram o conhecimento acima do normal desse profeta de duas línguas faladas naquela região, o acádio e o aramaico. Isso sugere que o profeta tenha sido exposto a algum tipo de educação escribal após sua chegada na Mesopotâmia, algo parecido com o que lemos em Daniel 1.

Por séculos, estudiosos do livro de Ezequiel não sabiam o que fazer com algumas palavras que o profeta empregou em certas partes do seu livro. Com o conhecimento desses outros idiomas, podemos apreciar melhor o sentido das palavras do profeta. Por exemplo, no capítulo 1, Ezequiel tem uma visão do trono móvel de Deus o qual ele descreve estar rodeado de hashmal. Por muito tempo não sabíamos o significado dessa palavra. Hoje sabemos que hashmal é, na verdade, uma palavra emprestada do acádio (elmeshu) que se refere a um tipo de pedra preciosa usada na fabricação de estátuas de divindades para aumentar seu brilho. Ou seja, o profeta utilizou um vocabulário técnico de algo que lhe era conhecido para fazer uma descrição relacionada a sua visão do trono de Yahweh.

Um outro aspecto digno de ser mencionado é o contexto geopolítico da época do profeta (primeira metade do 6º século a.C.). O grande rival de Babilônia na ocasião era o Egito que tinha interesse em expandir suas fronteiras desde a fatídica derrota para os Babilônios na batalha de Carquemis, no ano 605 a.C. (ver Jeremias 46).

Muitos judaítas viam no Egito a possibilidade de libertação do exílio e de retorno para Judá. Tanto Jeremias como Ezequiel desencorajaram o povo a busco auxílio com o faraó egípcio. Para Jeremias, Nabucodonosor era o “servo” escolhido por Deus para aquele momento (ver Jeremias 25:8-9; 27:7-9). Ezequiel escreveu sete profecias contra o Egito registradas nos capítulos 29-32 e nem uma sequer contra Babilônia, demonstrando claramente o propósito divino nos eventos geopolíticos da época. De fato, o Egito jamais conseguiu exercer controle significativo na região durante aquela época, e possivelmente Nabucodonosor conquistou o Egito temporariamente no final do seu reinado em 567 a.C., de acordo com dois documentos babilônicos e um egípcio. A mão de Deus pode ser vista na história do Seu povo e, também, na história de grandes nações.

Ezequiel e Daniel

Quais relações você vê entre o livro de Ezequiel e o do profeta Daniel e como um joga luz sobre o outro?

Existem diferenças significativas entre os dois livros. Ezequiel é membro de uma família sacerdotal que se tornou profeta depois de uma visão dramática do trono móvel de Deus nos capítulos 1-3. Já Daniel é membro da família real e se torna um mediador de conhecimento divino no incidente do sonho do rei Nabucodonosor. Além dessa diferença significativa, Daniel teve toda sua carreira profética sendo um oficial dos reinos babilônico e persa.

Quanto à Ezequiel, ele viveu numa zona rural longe de palácios e dos oficiais do império. Apesar dessas diferenças, ambos os profetas apresentam um cenário de conflito cósmico entre as forças do bem e do mal e o triunfo final de Deus nessa batalha. Em Daniel, a reputação de Deus, Seu santuário celestial, Sua verdade, e Seu povo são severamente atacados por um inimigo nas visões dos capítulos 7-12, mas que no final é derrotado. De acordo com Daniel 7, após esse conflito o reino de Deus é estabelecido e dado aos “santo do Altíssimo” (versículo 22).

Já em Ezequiel, os capítulos 38-39 descrevem uma guerra entre Yahweh contra Gogue, um monarca enigmático e influente entre várias nações que trama ataques contra a cidade de Jerusalém. O próprio Deus, agindo como um guerreiro divino, destrói Gogue e seu exército. Após essa vitória, Ezequiel apresenta uma descrição extensa da reconstrução de Jerusalém e do templo de Yahweh nos capítulos 40-48 com abundante flora e um rio que emanava do templo e proporcionava água para os arredores. Em Ezequiel 47:12, o profeta descreve uma abundância de árvores frutíferas que darão seus frutos mensalmente e cujas folhas servirão como remédio, algo parecido com o que lemos em Apocalipse 22:1-3.

Em suma, ambos Daniel e Ezequiel descrevem o mesmo “final feliz” da história da humanidade apesar de o fazerem de maneira distinta.

Razões para estudar Ezequiel

Em termos de aplicação espiritual, dê pelo menos duas boas razões por que estudantes da Bíblia deveriam ler e estudar mais o livro de Ezequiel?

Ezequiel é um livro paradigmático que mostra a capacidade de Deus de controlar as forças do caos e estabelecer ordem. O livro começa com judaítas exilados no sul da Mesopotâmia e com a iminente destruição de Jerusalém e do templo de Yahweh. O mundo do profeta estava de cabeça para baixo. No entanto, ao longo do livro vemos Deus instruindo Seu povo, punindo nações perversas, derrotando Seu arqui-inimigo Gogue, reestabelecendo a fauna e a flora da terra prometida e reconstruindo Jerusalém e o templo. O livro termina com a presença de Deus entre o Seu povo. O que começou com caos, terminará com ordem.

Um segundo motivo é o uso abundante que João usa Ezequiel extensamente no Apocalipse. Ezequiel é, na verdade, o livro mais citado por João. Uma vez que o livro do Apocalipse é tão fundamental na teologia adventista, creio ser importante estarmos familiarizados com uma das principais fontes utilizadas pelo seu autor.

Qual sua parte preferida do livro e por qual razão?

Há um trecho interessante em uma das visões mais dramáticas do livro, quando o profeta é levado até o templo de Jerusalém. Ali ele contempla com horror as abominações que eram praticadas (capítulos 8-10). A glória de Yahweh se retira do templo e vai para o sul da Mesopotâmia onde Ezequiel e outros judaítas estavam e se torna ali um miqdash meat (Ezequiel 11:15-16). Essa frase pode significar tanto “pequeno santuário” como “um santuário por um curto período de tempo.” Seja qual a tradução escolhida, o que temos nessa passagem é a presença de Deus—originalmente estava restrita ao templo de Jerusalém—se fazendo presente entre os judaítas no exílio. Deus também vai para o “exílio” com o Seu povo, o que nos lembra de passagens como a profecia de Emanuel em Isaías 7:14 e da encarnação de Jesus em João 1:14. Deus sempre está em busca de se relacionar com Seus filhos e filhas.