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Coluna | Wilson Borba

Discipulado no Antigo Testamento

Prática estava ligada a uma relação paternal entre mestre e aluno.


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O discipulado já estava presente na cultura dos patriarcas bíblicos (Foto: Reprodução / A Criação)

Em relação ao tema bíblico do discipulado, estudiosos geralmente mencionam os escritos do Novo Testamento (NT).  Mas também é necessário saber como Deus trabalhava esse processo no Antigo Testamento (AT).

(1) O discipulado era um processo teocêntrico e diário. Uma palavra hebraica traduzida por discípulos é מֻּד (limud). La Bíblia de las Américas a traduziu por discípulos em Isaías 50:4. “Manhã após manhã me desperta, me desperta meu ouvido para escutar como os discípulos”. Isto é comunhão! Este texto esclarece que o discipulado era um processo diário, e de iniciativa divina. Isaías é explícito ao informar que Deus era o verdadeiro discipulador. Os discípulos eram “discípulos do Senhor” (Isaías 8:16), pois eram “ensinados do Senhor” (Isaías 54:13). Somos dependentes de Deus para despertar, ouvir e aprender. A versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) traduziu limud em Jeremias 2:24 e 13:23, por “costume”. Por nós mesmos não podemos ser discípulos do Senhor, pois como a jumenta selvagem nos “acostumamos ao deserto”. E como o etíope não pode mudar sua pele, e nem o leopardo as suas manchas, de igual modo não podemos fazer o bem acostumados a fazer o mal.

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O processo do discipulado, portanto, não era antropocêntrico, ou centrado no homem, mas teocêntrico, causado e conduzido pelo Senhor Deus. Se considerarmos o AT ainda válido em relação ao assunto, devemos tomar sério cuidado com a ideia de que somos discipuladores, pois o resultado do processo deve ser alguém à imagem de Cristo e não do homem. Usar a expressão “discipulador” exige humildade. O cumprimento da ordem “fazei discípulos” (Mateus 28:19), em realidade, é para nos deixarmos encher do Espírito Santo (Efésios 5:18) e sermos “testemunhas” de Cristo (Atos 1:8),  e revela-Lo em nós àqueles a quem pregamos o evangelho (Mateus 24:14).

Devemos criar um ambiente de testemunho e ensino, e passar “um bom tempo com as pessoas, na confiança de que mais cedo ou mais tarde, o Senhor fará com que se decidam pelo batismo” (BURRILL, 2009, p. 27, grifo nosso). Nossa parte é importante, mas infinitamente pequena em comparação a de Deus, pois, “somente o Criador pode fazer as grandes coisas, tais como converter, ganhar, levar ao arrependimento ou à decisão – toda a autoridade é somente dEle” (BRUNNER, 1990, p. 1097, grifo nosso).

(2) O discipulado era uma relação mais de pai e filho do que de instrutor e aluno. O termo בֵּן, בְּנׄו, לַבֵּן (bēn, bənw, labēn) aparece 4.834 vezes no AT, sendo traduzido 10 vezes pela ARA por “discípulos” (2 Reis 2:3, 5, 7, 15; 4:1, 38, 5:22, 6:1, 9:1), uma vez por “discípulo” (Amós 7:14), 2.547 vezes por “filhos” e 1.923 vezes por “filho”.

Este uso esparso do termo hebraico para discípulo feito pela ARA, e abundante para filhos, primariamente indica referência majoritária ao aspecto genético da filiação, mas também sugere que nos escritos do AT há uma relação entre a palavra discípulo e filho. Não é forçar as Escrituras concluir que desde o Gênesis são apresentados aspectos de discipulado nas relações entre pais e filhos (Gênesis 18:19; Êxodo 12:26; Deuteronômio 4:10; 6: 6, 7). Lembremo-nos das palavras de Ellen White: “nossa obra para Cristo deve começar com a família, no lar...” (WHITE, 1985, p. 62).

As escolas dos profetas refletiam este modelo. Aqueles homens de Deus não atuavam simplesmente como mestres, mas como pais. A expressão “o moço do homem de Deus” em 2 Reis 6:15 parece referir-se a um jovem a quem Eliseu tratava como um filho. Se cada família em Israel tivesse provido um lar de piedosa e sã instrução, possivelmente não teria havido necessidade das escolas dos profetas, pois “na vida usual, a família era tanto a escola como a igreja, sendo os pais os instrutores nos assuntos seculares e religiosos” (WHITE, 2013a, p. 41).

Declarações do NT referentes à geração espiritual de um filho, além de refletirem a linguagem de Gênesis, capítulo 5, apontam para a mencionada relação pai-filho, e às escolas dos profetas. Por exemplo: Paulo escreveu a Filemon: “Sim, solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei entre algemas” (Filemon 10). Ele chamou a Timóteo de “verdadeiro e amado filho na fé” (1 Timóteo 1:2; 2 Timóteo 1:2).

Por sua vez, o apóstolo João chamou seus leitores de “filhinhos” (1 João 2:1). Evidentemente, este ex-filho do trovão aprendeu de Jesus o conceito de discipulado pai-filho baseado no AT. Disse Jesus: “Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco...” (João 13:33). Como percebemos, há raízes do AT na linguagem de Jesus, Paulo e João. Sem dúvida, isto é genuíno relacionamento, pois vai além do estudo bíblico, da reunião na igreja ou no pequeno grupo. Por outro lado, não deveríamos olvidar que a casa de Deus também era um cenário de discipulado.

O termo hebraico תַּלְמִיד (talmîd), em 1 Crônicas 25:8, foi traduzido na ARA por discípulo. “Deitaram sortes para designar os deveres, tanto do pequeno como do grande, tanto do mestre como do discípulo”. Ainda que haja evidentes diferenças funcionais entre os serviços do antigo templo do AT e da Igreja atualmente, esta continua sendo um lugar de discipulado, onde os dons do Espírito Santo são postos ao serviço de Cristo (Romanos 12:3-13).

(3) O processo do discipulado era baseado na Palavra de Deus e resultava em selar a Lei no coração. Deveríamos agradecer a Deus por nos despertar a cada manhã para ouvi-Lo através de Sua Palavra, pois o resultado é maravilhoso. Resguarda o testemunho, sela a lei no coração dos meus discípulos” (Isaías 8:16). Neste texto, a ARA também traduziu o termo hebraico limud por “discípulos”. O selamento da Lei de Deus no coração é uma decisiva marca do discipulado bíblico. Este selamento ocorria e ainda ocorre em resultado da comunhão com Deus, pela atuação do Seu Espírito (Jeremias 31:31-34; 2 Coríntios 3:3-5; Hebreus 10:15-17).

Segundo Ellen White, um verdadeiro discípulo terá a Lei de Deus selada no coração, com destaque para o quarto mandamento. “O Senhor ordena pelo mesmo profeta: "Liga o testemunho, sela a lei entre os Meus discípulos" (Isaías 8:16). O selo da lei de Deus se encontra no quarto mandamento. Unicamente este, entre todos os dez, apresenta não só o nome mas o título do Legislador. Declara ser Ele o Criador dos céus e da Terra, e mostra, assim, o Seu direito à reverência e culto, acima de todos” (WHITE, 2013b, p. 43). 

(4) O discipulado, além de incluir comunhão e relacionamento, era um processo missionário. O fato de Deus ser o causador e o agente do discipulado não exclui a participação humana.  O mesmo versículo que diz: “Manhã após manhã me desperta, me desperta meu ouvido para escutar como os discípulos”, também declara: “O Senhor Deus me deu língua de eruditos, para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado” (Isaías 50:4, grifo nosso). Deus despertava Isaías para ouvir Sua Palavra. Neste processo, selava Sua Lei no coração, e dava ao profeta “língua de erudito” para dizer “uma boa palavra ao cansado”. O objetivo era capacitar Isaías para a missão (Isaías 6:1-8).

Se também permitirmos a Cristo que Ele seja nosso Senhor e discipulador, o resultado do processo será o mesmo, pois “todo verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus como missionário” (WHITE, 2013c, p. 195). Considerando que “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2 Timóteo 3:16), e que não há declaração do NT que anule estes princípios de discipulado do AT, certamente eles ainda estão vigentes e devem ser praticados. 


Referências:

BIBLIA. Español. La Biblia de las Américas: Antiguo y Nuevo Testamento. La Habra, California: The Lockman Foundation, 2007.

BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução João Ferreira de Almeida. Vers. Elet. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005.

BURRILL, Discípulos modernos. 2. ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009.

STRONG, James. Nueva Concordancia Strong Exhaustiva. Nashville, TN – Miami, FL: Editorial Caribe, 2003.

WHITE, Ellen G. Testemunhos Seletos, v. 3. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985.

_____. Educação. 9. ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013a.

_____. O Grande Conflito. 43. ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013b.

_____. O Desejado de todas as nações. 22. ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013c.

Wilson Borba

Wilson Borba

Sola Scriptura

As doutrinas bíblicas explicadas de uma forma simples e prática para o viver cristão.

Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus São Paulo. Possui mestrado e doutorado na mesma área pelo Unasp, campus Engenheiro Coelho. Possui um mestrado em Sagrada Escritura e outro doutorado em Teologia pela Universidade Peruana Unión (UPeU). Ao longo de seu ministério foi pastor distrital, diretor de departamentos, professor e diretor de seminários de Teologia da Igreja Adventista na América do Sul.