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Coluna | Rodrigo Silva

Igreja: quem precisa dela? - Parte 1

Ao redor do mundo, pessoas estão deixando cada vez mais de lado o contato com as instituições religiosas


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Nos países desenvolvidos, o número de pessoas que frequentam uma igreja continua a cair (Foto: Shutterstock)

A partir da década de 1960, vários estudos surgiram procurando definir teologicamente qual o papel da Igreja na história da salvação. No começo do cristianismo não havia muita dúvida a esse respeito. A Igreja era apontada como um instrumento salvífico de Deus em relação à humanidade. O escritor Cipriano, que viveu no terceiro século depois de Cristo, chegou a fazer uma declaração bastante exagerada. “Não pode ter a Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe, [pois] fora da Igreja não existe salvação [e] seja quem for, se não está na Igreja de Cristo, não é um cristão verdadeiro.”

Talvez essa frase seja um pouco forçada por parece equiparar o papel da Igreja ao de Cristo, que é o nosso único e suficiente salvador. Contudo, hoje, o pêndulo da discussão parece ter ido noutra direção igualmente perigosa: o completo descaso com a Igreja. Alguns escritores chegaram ao ponto de dizer que a Igreja seria a frustração dos planos de Jesus Cristo. Segundo a compreensão desses liberais, Jesus sonhou com o reino dos céus, mas quando acordou, deu-se com a desastrosa “Igreja Cristã” que de celeste não possuía nada.

Afinal, se Jesus Cristo é o nosso único salvador, qual o papel da Igreja na nossa vida redimida? Precisamos dela para ir ao céu?

“Jesus, Sim; Igreja, não!” 

Imagine que você estivesse dando palestras sobre religião numa das mais conceituadas escolas da Alemanha. Você teria sido considerado um grande professor e, por causa disso, fora convidado para expor a jovens alemães a importância da pessoa de Jesus Cristo. Como talvez não saiba falar um alemão impecável, você tem suas aulas traduzidas por um intérprete que lhe acompanha durante todas as classes realizadas no auditório central da instituição.

Os jovens vêm em massa e, pelos seus rostos, parecem estar apreciando sua descrição de Jesus como um Deus de amor e bondade que estaria disposto a salvar a vida de cada um deles tão somente pedissem seu auxílio. Moças grávidas de namorados irresponsáveis choram ao ouvir-lhe falar do perdão divino e um grupo de viciados vibra ao saberem que ainda há uma esperança.

Tudo parece ir muito bem, até que você arrisca fazer-lhes um apelo para o batismo ou para o retorno à Igreja. Neste momento, quase em coro, eles agitam os punhos cerrados e começam a gritar com estrepitoso estrondo: Jesus ja; Kirche nein! Jesus ja; Kirche nein! Com a ajuda do intérprete, você entende e se estarrece com a frase repetitiva. Ela quer dizer: “Jesus, sim; Igreja, não! Jesus, sim; Igreja, não!”

Como reagiria diante dessa situação? Saiba que episódios muito semelhantes a esse se repetiram não poucas vezes durante a década de 1970 toda vez que jovens ouviam convocações religiosas de retorno à Igreja. Era um slogan projetado por grupos que queriam buscar um Jesus libertado de dogmas eclesiásticos. Um Cristo, enfim, que pode e deve ser encontrado fora das igrejas.

Segundo F. Roustang, presenciamos hoje o surgimento do chamado Troisième homme, ou terceiro homem - uma figura de linguagem para referir-se ao cristão não eclesial que rejeita o compromisso direto com a Igreja. Segundo seu parecer, tínhamos no passado dois tipos de homens no mundo cristão ocidental: o que cria em Deus e o que não cria. O primeiro deveria ser buscado nas Igrejas e templos espalhados por toda parte, ao passo que o segundo, por ser ateu e cético, estaria fora dos recintos sagrados.

Mas agora surge um terceiro homem: ele crê em Deus, aceita Jesus e diz concordar com a Bíblia, porém não quer compromisso com as igrejas organizadas. Em sua visão, longe de levarem o homem a Deus, as religiões modernas, incluindo seus cultos e rituais, tornaram-se o que Robert Adolfs chamara de Het Graf von Gott (o túmulo de Deus). Aliás, anos antes de Adolfs, F. Nietzche se perguntava: “O que são estas igrejas de agora senão túmulos e sepulcros de Deus?” Seria verdadeira a indagação do filósofo? A Bíblia não parece endossar esse tipo de raciocínio.

Os números da desistência

O termômetro deste sentimento de afastamento das igrejas pode ser visto em alguns números impressionantes que temos ao nosso dispor. No final de 2005, a Igreja Presbiteriana anunciou uma perda de 48.474 membros nos Estados Unidos, o que dá um decréscimo de - 2,5 % de sua comunidade total em apenas um ano.

De acordo com o Pew Global Attitudes Project, a religião é mais importante para os americanos do que para os moradores de outras nações industrializadas. Contudo, apenas 21% da população americana frequenta regularmente os cultos uma ou mais vezes por semana.

Na Europa, esse número é ainda menor: apenas 15% dos franceses e 7% dos ingleses frequentam alguma igreja no fim de semana. A mesma estatística mostra que apenas 25% dos judeus israelenses vão à sinagoga aos sábados, o que demonstra que o problema de aversão a instituições religiosas ultrapassa os limites do cristianismo.

Na Igreja Adventista, a permanência de membros recém-batizados também tem sido uma preocupação da Associação Geral, a sede mundial da denominação, que anunciou recentemente uma estatística segundo a qual a cada cinco novos membros, dois deixam a Igreja.

Ao que tudo indica, a onda de cultos virtuais pela Internet ou pela televisão – que deveriam favorecer os que, por motivo de força maior, não puderam comparecer pessoalmente ao culto –, estão se tornando o paliativo da consciência de muitos que preferem ficar em casa a louvarem a Deus juntamente com os irmãos.

Note que a tiragem de exemplares da lição da Escola Sabatina de modo algum se aproxima do número de membros que temos em nosso continente. Isso é algo sobre o qual deveríamos refletir. Afinal de contas, o estudo diário desse guia sempre foi um termômetro para medir a participação efetiva dos membros.

Vamos explorar mais sobre esse assunto na próxima parte deste texto. Para acessá-la, clique aqui.

Rodrigo Silva

Rodrigo Silva

Evidências de Deus

Uma busca pela verdade nas páginas da história.

Teólogo pós-graduado em Filosofia, é mestre em Teologia Histórica e especialista em Arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Doutor em Arqueologia Clássica pela Universidade de São Paulo (USP), é professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), curador do museu arqueológico Paulo Bork, e apresentador do programa Evidências, da TV Novo Tempo.