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Coluna | Michelson Borges

Sobre criacionismo, fundamentalismo e democracia

Será que a democracia sofre algum abalo por causa de crenças criacionistas? Leia mais nesse artigo.


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A candidatura da evangélica Marina Silva à Presidência da República tem dado o que falar. Volta e meia algum articulista ou jornalista afirma que ela é criacionista e que, portanto, representaria um risco para a nação! Marina já deixou claro mais de uma vez que não se opõe ao ensino da teoria da evolução nas escolas, e que o criacionismo até poderia ser eventualmente ensinado ali. Também já disse que, embora tenha sua opinião sobre o assunto, não se opõe à união civil homossexual. Mais ainda: certa vez, ao lhe perguntarem se é criacionista, ela disse que não, mas que crê que Deus criou a vida neste planeta, procurando, dessa forma, deixar esse assunto pra lá (o que até é compreensível, pois se trata de um desvio de atenção das coisas que realmente importam neste momento – propostas e projetos para a governabilidade – para detalhes periféricos e subjetividades religiosas). Por que ninguém pergunta se Dilma é ateia ou se Aécio é católico? Então, por que essa insistência em dissecar a religiosidade de Marina, como se o fato de ela ser evangélica e ler a Bíblia fosse uma ameaça ao Estado laico, que ela e qualquer cristão sensato defendem?

Outro exemplo desse desvio para o banal foi publicado na Folha de S. Paulo do dia 1º de setembro, com o título “Marina costuma recorrer a versículos da Bíblia para tomar decisões”. E se ela consultasse o horóscopo ou fizesse despacho, seria notícia?

Em um artigo publicado também na Folha(31/8), o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, de 83 anos, foi mais longe: “Minha convicção é a de que o comentarista não tem o direito de especular sobre a religião das pessoas que analisa. Todavia, há exceções quando se suspeita que essas crenças possam ter influência no bem-estar do povo. É o caso de fundamentalismos, inclusive o criacionismo.” E disse mais: “Não me sinto confortável em ter como presidente uma pessoa que acredita concretamente que o Universo foi criado em sete dias há apenas 4.000 anos [sic], aproximadamente. [...] Percebo no fundamentalista cristão uma arrogância incomensurável, que apenas pode ser entendida como uma perversão intelectual, que não pode deixar de impor tendências cujos limites são imprevisíveis. [...] O fundamentalismo de Marina Silva não decorre da ignorância, mas de um defeito de percepção. Os especialistas chamam essa condição de desordem do desenvolvimento neural. Essa é a razão por que espero que Marina não ganhe esta eleição.”

Será que Rogério se sentiria “confortável” com um presidente adepto do candomblé (já tivemos), do espiritismo (há inúmeros políticos espíritas) ou defensor da eugenia, como o ateu Richard Dawkins? Essas subjetividades religiosas também não representariam um risco? Marina se torna inapta pelo simples fato de crer no que a Bíblia ensina sobre a criação? Além de reforçar a ideia injusta segundo a qual os criacionistas seriam fundamentalistas (o que os aproximaria dos terroristas islâmicos), Rogério dá a entender que os criacionistas teriam algum tipo de debilidade intelectual! Ele ignora deliberadamente o rol de cientistas criacionistas que deixaram grande legado à humanidade, gente do quilate de Louis Pasteur, Blaise Pascal, Isaac Newton e vários outros. Eles também não eram dignos de confiança?

Se eu fosse cometer injustiça semelhante à de Rogério, poderia dizer que Hitler era darwinista (e quem disse isso foi a própria secretária dele) e Lênin, ateu. Mas não quero enveredar por esse caminho...

Não sei o que é pior, ver os criacionistas serem chamados de fundamentalistas ou antidemocráticos. Em artigo publicado no Carta Maior, Katarina Peixoto chama o criacionismo de “caricatura de aparência inofensiva”, e dispara: “Rejeitar uma ordem temporal biológica [aqui ela confunde biologia com darwinismo], portanto, não é tão inofensivo, nem conceitual, nem historicamente, como as nossas certezas estéticas e de classe podem dar a ver. Não é o grotesco do ignorante subletrado o que deve incomodar, pelo menos não somente. O problema é a presença das suas crenças na nossa vida cotidiana, reivindicando poder sobre ela.”

Para Katarina, criacionista é aquele que crê em coisas grotescas, como o “ignorante subletrado”. Numa só frase ela comete duas injustiças e manifesta tremendo preconceito. Ela prossegue: “Não há compatibilidade conceitual entre criacionismo, fundamentalismo de mercado, por um lado, e democracia, por outro. Há um conflito. E deve haver, para a sobrevivência da democracia e da atual experiência democratizante, sem precedentes, já vivida por este país".

Quer dizer que, além de fanático, fundamentalista e otras cositas mas, o criacionista é também um inimigo da democracia? Será que Katarina se esqueceu de que as maiores ditaduras deste planeta foram praticadas justamente em países que baniram a religião? Para a advogada Michela Borges Nunes, de Criciúma, SC, essa situação é “lamentável”. “Muitos se indignam com atos preconceituosos envolvendo raça ou sexo, por exemplo, o que pode acarretar, inclusive, um processo judicial contra o agressor. Agora, chamar de fundamentalista ou ofender uma pessoa a ponto de desqualificá-la para um cargo por causa de suas crenças, ah, isso é permitido. E o direito constitucional de liberdade religiosa? É um direito, assim como o de igualdade, garantido pela Lei Maior do País. Logo, todos também deveriam se indignar com tamanho preconceito manifestado por certos articulistas”.

Michelson Borges

Michelson Borges

Ciência e Religião

As principais descobertas da ciência analisadas do ponto de vista bíblico.

Jornalista, é editor na Casa Publicadora Brasileira (CPB) e autor de vários livros, como A História da Vida e Por Que Creio. Pós-graduando em Biologia Molecular e mestre em Teologia, é membro da Sociedade Criacionista Brasileira e tem participado de seminários em diversos lugares do Brasil e do exterior. Mantém o blog criacionismo.com.br @criacionismo