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Coluna | Leonardo Godinho Nunes

Carta de amor para Éfeso

Mensagem para a primeira igreja de Apocalipse traz conforto e esperança àqueles que perseverarem


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Cartas endereças às sete igrejas contém mensagens de ânimo, exortação e esperança (Foto: Shutterstock)

Era por volta de 90 d.C., época em que Domiciano governava o vasto império romano e ao mesmo tempo empreendia uma intensa perseguição contra os cristãos. Uma das vítimas do imperador foi o último representante do círculo mais íntimo de Jesus, João, que já era idoso. Segundo a tradição cristã, ao ser perseguido e preso, o apóstolo foi lançado dentro de um caldeirão de óleo fervente, porém, Deus preservou a sua vida. Ele saiu ileso.[1] Por causa daquela situação sobrenatural, Domiciano decidiu exilar João na ilha de Patmos como um criminoso de alta periculosidade.

Foi no “dia do Senhor” (Apocalipse 1:10), um dia de sábado, quando o exilado e solitário discípulo ouviu a voz de Jesus que dizia: “o que vês escreve em livro e envia às sete igrejas” (Apocalipse 1:11) para que elas saibam as coisas que em breve devem acontecer.

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Cada igreja recebeu uma mensagem específica, apesar de as sete cartas terem circulado nas congregações que faziam parte da mesma rota. Por isso, ao mesmo tempo em que as mensagens refletem uma situação e um lugar específico, essas mensagens também foram úteis às outras congregações. Quando se lê mais de perto o texto sagrado, porém, a impressão que se tem é que as sete igrejas foram escolhidas por Cristo porque a situação vivida por cada uma delas refletia um cenário profético no transcurso da história terrestre até a Sua segunda vinda.

Ao estudarmos as sete igrejas do Apocalipse, percebemos que as mensagens possuem três possíveis aplicações: a) histórica – para uma igreja específica da Ásia menor, já no primeiro século; b) profética – o cumprimento ocorre no transcurso da história, ou seja, indica as diferentes fases que a igreja passaria e c) universal – uma mensagem para cada leitor independente do período profético que viveu ou vive.

A estrutura das sete cartas consiste em uma (a) apresentação cristológica, seguida por uma (b) avaliação, (c) exortação e (d) promessa. É significativo notar que quanto mais problemas uma igreja possuí, mais promessas Jesus faz a ela, com o objetivo de fortalecê-la a viver de acordo com o evangelho.

Contexto histórico

A primeira carta foi endereçada para a igreja que se encontrava em Éfeso, que era a principal cidade da Ásia menor. Centro político, comercial e da religião pagã. A deusa principal era Ártemis ou Diana (fertilidade) e havia dois templos dedicados ao culto ao imperador. Tudo indica que o evangelho chegou em Éfeso por meio de discípulos de João Batista ou de pessoas que ouviram a sua mensagem (Atos 18:24­-19:7). Havia ali um pequeno grupo de discípulos que permaneceu fiel por mais de 23 anos à mensagem ensinada por João (tendo em vista que a segunda viagem de Paulo terminara por volta de 53 d.C.; Atos 18:24-28).

A igreja cristã em Éfeso foi fundada mais propriamente por Priscila e Áquila (Atos 18:18-19) no final da segunda viagem missionária de Paulo. E foi em Éfeso que o grande pregador cristão Apolo aprofundou seus conhecimentos concernentes a Jesus como o Messias. Paulo mesmo morou em Éfeso por mais de dois anos. E em sua primeira prisão em Roma, escreveu a carta aos efésios (por volta de 61-63 d.C.). O apóstolo também enviou Timóteo para pastorear a igreja daquela cidade (1Timóteo 1:3). Ao que tudo indica, parece que já em 90 d.C. Éfeso era um dos principais centros do cristianismo onde se congregavam cristãos de segunda e terceira gerações.

Segundo Eusébio de Cesareia, após as guerras judaicas (70 d.C.), o apóstolo João foi enviado para ser pastor das igrejas da Ásia menor e morou em Éfeso por boa parte de seu ministério.[2] Naquela cidade havia uma igreja diferenciada que amava a Jesus, buscava viver o evangelho prático e era composta por uma diversidade de cristãos, sendo eles judeus, gentios (Efésios 2:11-22).

Apresentação de Cristo

A primeira carta do Apocalipse começa com a apresentaçãode Jesus, “ao anjo da igreja em Éfeso escreve: ‘Estas coisas diz Aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candelabros de ouro” (2:1). Em apocalipse 1:20 é revelado para João que “as sete estrelas são os sete anjos das sete igrejas” (Apocalipse 1:20).

Isso significa que a apresentação cristológica revela que Jesus “guarda” (gr.: kratôn; segura, conserva, mantêm cuidadosamente e fielmente) a igreja com o Seu soberano poder e conduz todas as coisas que a Sua igreja passará na Terra. A escritora Ellen White sugere que as estrelas são “os ministros de Deus [...]. Eles são apenas instrumentos em Suas mãos, e todo o bem que realizam é feito por meio do poder de Cristo”.[3]

É revelado que Ele “anda no meio dos sete candeeiros de ouro” e os “sete candeeiros são as sete igrejas” (Apocalipse 1:20). Isso aponta para o fato que Jesus está com a Sua igreja, se preocupa com ela ao mesmo tempo que as conhece pessoalmente. A palavra “igreja” vem do grego ekklesia, que significa: aqueles que são chamados para fora com o objetivo de proclamarem às nações o evangelho da cruz.

Por isso, Cristo disse: “ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a põe debaixo de uma cama; pelo contrário, coloca-a sobre um velador, a fim de que os que entram vejam a luz” (Lucas 8:16). “Vocês são a luz do mundo. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens” (Mateus 5:14). Jesus é o Sumo Sacerdote que assegura e garante que a chama do evangelho permaneça acesa nos corações dos cristãos e os proclama a compartilhar as boas-novas da salvação.

Avaliação de Éfeso

O segundo ponto revelado pelo Mestre é a avaliação que Ele faz da igreja de Éfeso: “conheço as obras que você realiza, tanto o seu esforço como a sua perseverança. Sei que você não pode suportar os maus e que pôs à prova os que se declaram apóstolos e não são, e descobriu que são mentirosos. Você tem perseverança e suportou provas por causa do meu nome, sem esmorecer. Tenho, porém, contra você o seguinte: você abandonou o seu primeiro amor” (Apocalipse 2:2-4). A palavra  “obras” vem do grego erga que significa: ações, atitudes e pensamentos, ou seja, Jesus conhece plenamente os problemas da igreja, toda a vida e a conduta de cada crente. A palavra “labor” vem do grego kópon que significa: trabalho árduo, até o ponto da exaustão, indicando assim a “perseverança” como “característica da pessoa que não se desvia de seu propósito, mesmo diante das maiores provações e sofrimentos”.[4] Por isso, é dito: “suportaste provas por causa de meu nome, e não te deixaste esmorecer” (v. 3).

A igreja de Éfeso marca a era da pureza apostólica (31-100 d.C.), pela oração, pregação e batismo do Espírito Santo. Os cristãos viviam na doutrina dos apóstolos, tinham tudo em comum, não havia necessitados entre eles, partiam o pão de casa em casa, tinham a simpatia da sociedade e, dia a dia, Deus acrescentava mais e mais conversos a sua igreja (Atos 2:42-47).

A igreja era perseguida pelos judeus e pelo Estado romano. Os apóstolos se tornaram mártires do evangelho. Viviam o discipulado bíblico na prática, compreendiam perfeitamente o ide (Mateus 28:19). Mas, infelizmente, por causa da intensa perseguição, da morte dos apóstolos e dos primeiros cristãos que conheceram o Salvador, o amor de muitos começou a esmorecer.

Heresias avassaladoras surgiram. Paulo, em 58 d.C., a caminho de Jerusalém, advertiu os ministros da igreja primitiva que depois da sua partida, entre eles penetrariam falsos mestres, que não poupariam o rebanho (Atos 20:29-30). Adentrava às portas das igrejas o docetismo, que acreditava que o corpo de Cristo era uma ilusão (não possuía carne e sangue), e que sua crucificação teria sido apenas aparente. Outra heresia foi o gnosticismo, isto é, o universo material foi criado por uma emanação imperfeita do Deus supremo chamada demiurgo, neste caso Jesus. Os nicolaítas foram seguidores de Nicolau, um dos sete diáconos que se apostatou (Atos 6:5), que tudo indica ter pensamentos semelhantes aos gnósticos e docetistas.

Exortação à igreja

O terceiro ponto é a exortação que Jesus faz à igreja: “Lembre-se, pois, de onde você caiu. Arrependa-se e volte à prática das primeiras obras. Se você não se arrepender, virei até você e tirarei o seu candelabro do lugar dele. Mas você tem a seu favor o fato de que odeia as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio” (Apocalipse 2:5-6).

Esse é um apelo claro de Cristo à igreja de Éfeso e ao cristão moderno; se arrependa de seus pecados, reflita e tome a decisão de viver as práticas do primeiro amor quando se deparou com o evangelho e se converteu. Isso deve ser levado a sério mesmo diante das perseguições e das perspectivas incertas. O cristão deve viver o evangelho amando as pessoas, acolhendo-as, discipulando-as, pregando e levando as pessoas a experimentarem a vida em comunidade.

Promessa de Cristo

O quarto ponto é a promessa de Jesus à igreja: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: ‘Ao vencedor, darei o direito de se alimentar da árvore da vida, que se encontra no paraíso de Deus’” (Apocalipse 2:7). A promessa inicia-se com a exortação de ouvir o Espírito. Afinal, Jesus havia dito que “quando vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade; e não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará” (João 16:13-14). A fala de Jesus se mistura com a do Espírito e fazem uma promessa ao vencedor. A palavra “vencedor” é muito significativa. Ela vem do grego nikáo e é um verbo presente, particípio, ativo, da voz média, dativo do singular, e a pergunta que se deve fazer é: o que tudo isso significa?

O verbo particípio é um adjetivo verbal. Como tal, reúne características tanto de verbo como de adjetivo. Verbo é toda palavra que indica ação, estado, ocorrência ou desejo. Adjetivos são palavras que qualificam o sujeito. Por exemplo: o juiz confiável. Nessa frase o sujeito é qualificado pelo adjetivo. A voz média, por sua vez, expressa uma ação que o sujeito realiza em si mesmo, para si mesmo ou de si mesmo. Ou seja, sofre os efeitos da ação em si e realiza a ação. Por iniciativa própria, surge a força interior guiada pelo Espírito para ser vencedor. Devido a palavra “vencedor” ser um verbo particípio, a melhor tradução para ela é: aquele que está vencendo ou que continuamente é vitorioso. Isso aponta para o fato que a vitória do cristão deve ser continua e diária.

A promessa para aquele que é continuamente vitorioso é o “fruto da árvore da vida”. O homem perdeu o acesso a árvore da vida por ocasião do pecado. Foi expulso do jardim para que não tomasse do fruto da árvore da vida, comesse e vivesse eternamente. Deus colocou “querubins ao oriente do jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida” (Gênesis 3:22, 24).

No Apocalipse é dito que “no meio da sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos” (Apocalipse 22:2). A árvore da vida estará na cidade santa e será regada com a água do rio da vida que flui do trono de Deus e todos aqueles que são vencedores terão acesso ao seu fruto. “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas” (Apocalipse 22:14).

“O grande conflito terminou. Pecado e pecadores não mais existem. O Universo inteiro está purificado. Uma única palpitação de harmonioso júbilo vibra por toda a vasta criação. Daquele que tudo criou emanam vida, luz e alegria por todos os domínios do espaço infinito. Desde o minúsculo átomo até ao maior dos mundos, todas as coisas, animadas e inanimadas, em sua serena beleza e perfeito gozo, declaram que Deus é amor”.[5]


Artigo escrito em coautoria com João Renato Alves da Silva, pastor distrital em Cuiabá, no Mato Grosso, no distrito de Parque Cuiabá.

Referências:

[1] Ellen White. Atos dos Apóstolos. 10ª edição. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006, p. 570.

[2] Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Brasileira das Assembleias de Deus, 1999, p. 78, 79.

[3] Ellen White. Atos dos Apóstolos. 10ª edição. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006, p. 586.

[4] James Strong. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.

[5] Ellen White. O Grande Conflito. 43ª edição. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005, p. 678).

Leonardo Godinho Nunes

Leonardo Godinho Nunes

Conexão Profética II

Profecias, no seu contexto, explicadas para quem quer entender o tempo em que vive.

Doutor em Teologia Bíblica pela Universidade Andrews, é pastor há mais de 25 anos e professor de Teologia. Atualmente trabalha como coordenador do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia da Faculdade Adventista do Paraná. É casado com Beverly S. M. Nunes e pai de Larissa e Eduardo.