A Igreja e a reforma trabalhista
Que oportunidades a Igreja pode encontrar diante de um tema que impacta a vida política e social de todo um país? Entenda.
“Na busca de instituições portáteis, os trabalhadores do mundo do trabalho (autônomos, subcontratados, terceirizados, etc.) começam a dar sinais de como serão as novas instituições, ao embutirem no preço do seu trabalho os recursos necessários para pagar seguros individuais e coletivos que lhes permitam enfrentar as horas de incerteza na doença, desemprego e na velhice”.
O parágrafo acima foi escrito pelo sociólogo e professor paulista José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de São Paulo. Pastore escreve artigos em vários jornais do País sobre a relação do brasileiro com o mercado de trabalho, tema quente e que atualmente chama a atenção da população por conta da reforma trabalhista, em vias de aprovação pelo Congresso Nacional.
O texto é parte do artigo “A proteção do trabalho no futuro”, publicado em dezembro de 1999 pelo já extinto Jornal da Tarde. A reflexão sobre o avanço do trabalho informal e o apelo para as instituições considerarem meios de proteção a esse mercado soa quase profético hoje, passados 18 anos da publicação. Pastore escreveu diversos livros, inclusive sobre a terceirização, que é um dos principais pontos da atual reforma. Em suas considerações sobre o trabalho terceirizado, fica evidente a tensão entre a necessidade para a economia e o desafio para o direito.
Lembro da serenidade do texto de José Pastore no já extinto jornal para me referir a um dilema que temos hoje. O Brasil está prestes a passar por uma histórica reforma, a maior desde a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). E a oportunidade de diálogo sobre o assunto se esvai em meio a confrontos ideológicos entre quem apoia e quem repudia a medida. São tensões históricas entre duas vertentes políticas que moldaram o mundo como o conhecemos. Até mesmo a escritora norte-americana Ellen White escreveu em diversas ocasiões sobre as inquietudes provocadas por entidades de classe pautadas por este espectro político. O que se desenha como um cenário de confronto pode ser uma oportunidade para nossas igrejas. Profissionais adventistas da área do Direito, da Educação, atentos a questões sociais e humanitárias e todos os que se preocupam com esse assunto, podem ser canais preciosos de orientação em tempos tão incertos.
A CLT foi criada pelo governo do presidente Getúlio Vargas, na década de 1940, para unificar a legislação trabalhista e esclarecer e proteger direitos de trabalhadores. Já são mais de 70 anos desde seu surgimento. Porém, o País vive outros tempos, outra demografia, novos desafios que pressionam por uma nova agenda. Até a relação do brasileiro com o trabalho mudou. Motivados pelo empoderamento proporcionado pela tecnologia da informação e pelas redes sociais, celebramos a era das startups. Garagem virou escritório e empresa. Aplicativos colocaram trabalhadores nas ruas das cidades brasileiras. A estabilidade não parecia ser algo essencial para os jovens que se lançavam ao mercado de trabalho nessas circunstâncias.
Nova realidade, novas oportunidades
Em 2015, 48% dos jovens brasileiros entre 19 a 35 anos, integrantes da inquieta geração Y, desejavam trocar de emprego em no máximo dois anos. Sinal dos tempos: segundo pesquisa da agência de auditoria, consultoria empresarial e assessoria financeira Delloite, esse indicador recuou para 34% em 2016. Recessão, corrupção e insegurança econômica estão levando os aspirantes ao trabalho na era digital a buscar a estabilidade criada com CLT, em 1943.
Nova realidade que traz um problema: As instituições de proteção estão falindo quando a sociedade mais precisa delas. Mais pessoas estão ocupando o País. O desemprego já ultrapassa a marca de 14 milhões de brasileiros. A proporção de idosos está cada vez maior. Um cenário que ajuda a explicar as emoções em torno do debate sobre a reforma.
É nesse descompasso entre um mundo em decadência e uma igreja desafiada ao acolhimento que nos encontramos. Igreja é sal e luz. Serviço e orientação. A metáfora de uma balsa propiciando resgate para um náufrago em águas violentas. Fico imaginando como podemos ser raio de luz sobre esse assunto para a sociedade ao abrir o diálogo com nossos jovens e com as comunidades. Debater sobre a nova dinâmica da terceirização, explorando seus desafios e oportunidades. Providenciar encontros com empreendedores adventistas, oferecendo uma nova perspectiva da relação com o trabalho. Reunir universitários para estudar o texto da Reforma, e buscar meios para refletir sobre como se relacionar com a nova realidade.
Jesus Cristo, em um momento comovente de sua jornada na Terra, recorreu ao profeta Isaías em uma sinagoga para proclamar: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor". Terminada a leitura, ainda falou: "Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabaram de ouvir". (Lucas 4:18-21). Assim como ocorreu com o mestre, o tempo também é oportuno para a Igreja ampliar sua relevância na sociedade, ocupar-se com os dilemas sociais dessa época, e tornar ainda mais poderosa sua missão de salvar pessoas para um estilo de vida alicerçado na esperança.