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Coluna | Heron Santana

Crise de combustíveis, cristãos e o meio ambiente

É possível olhar para essa crise de falta de combustíveis no Brasil e pensar em ações concretas que a própria Igreja pode desenvolver em relação ao cuidado da criação?


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Foto: REUTERS/Leonardo Benassatto

A crise de combustíveis no Brasil, evidenciada pela greve dos caminhoneiros, levou o país às mídias sociais. Os posts seguem o padrão da polarização ideológica que também tem se tornado comum entre boa parte dos brasileiros.

É uma reação baseada em duas visões de mundo que tiveram seu auge no período da Guerra Fria, entre o fim da Segunda Guerra Mundial na década de 40 e a fragmentação da União Soviética, na década de 90. O termo Guerra Fria ocorre porque não houve conflito de fato. Houve uma disputa de influências: capitalistas e marxistas confrontando ideais políticos, militares, tecnológicos, econômicos e sociais.

As redes sociais parecem ter ressuscitado esse confronto e a crise brasileira de combustíveis é apenas um fato a mais para alimentar essa polarização. É muito tempo vivendo o passado e pouca atenção dedicada ao futuro. Não vi, até o momento, nada que me chamasse a atenção, por exemplo, sobre como explorar esse momento para levar as novas gerações a refletir sobre mobilidade urbana, política de ciclovias, investimentos em carros elétricos, alternativas aos combustíveis fósseis e tudo o mais que leve a considerar o cuidado com a Terra e a natureza.

É hora de sair da trincheira. Talvez este seja um bom momento para dar um tempo a ideias do passado, se estas se mostram incapazes de propor algo novo. E olhar para frente, para a maneira como devemos viver e nos relacionar no futuro. Vale para as relações interpessoais e vale para nosso relacionamento com a natureza.

Ideias

Daí surge um questionamento envolvendo nossa conexão com o meio ambiente: a Igreja poderia participar e quem sabe protagonizar esta reflexão? Mais do que isto, ela deveria levar seus membros mais jovens, millennials e Geração Z, a debater e participar dessas questões, como uma iniciativa de respeito e cuidado pela criação, e até mesmo observar nessa iniciativa propósitos missionários?

A própria ideia de uma Igreja verde ou pelo menos preocupada com o meio ambiente causa controvérsia. Em 2016, William K. Hayes, professor de biologia e diretor do Centro de Estudos de Conservação e Biodiversidade da Universidade de Loma Linda, na Califórnia, Estados Unidos, escreveu artigo, para o site Adventist Review, com o título ​Christians and Environmental Stewardship (Cristãos e a mordomia do meio ambiente, em tradução livre).

Ele escreveu: “Muitos leem nas Escrituras uma ordenação clara para nos importarmos com a Criação, enquanto outros vêem a permissão implícita para o saque. Curiosamente, inúmeras pesquisas publicadas revelam que os cristãos e outros grupos religiosos estão menos preocupados com questões ambientais do que o público em geral. Por que isso acontece?"

Para Hayes, existem pelo menos três razões que ajudam a explicar a indiferença ou mesmo sentimentos contrários a uma agenda ambiental, por parte de alguns cristãos.

Primeiro, alguns argumentam sobre uma espécie de teologia do domínio da Terra, apoiada em Gênesis 1:26, 28, em que Deus permitiria que os humanos explorassem os recursos naturais sem preocupação com as conseqüências.

Segundo, visões escatológicas levam alguns a insistir que não precisamos nos preocupar com nosso lar terreno e com as criaturas que nele vivem, porque este mundo será destruído e recriado na segunda vinda de Jesus.

Terceiro, o radicalismo ambiental não colabora, ao expor que muitas das pautas ambientalistas podem ser fortemente influenciadas por inclinações políticas ou ideológicas.

A proposta de Hayes: como adventistas do sétimo dia, ao lado de outros cristãos, deveríamos abraçar a mordomia do meio ambiente como parte de nossa fidelidade. Ele apresenta as razões e eu destaco duas:

1. Deus espera que nos importemos com a Natureza. Para o articulista, “o ‘domínio’ dado aos seres humanos para ‘governar’ sobre todos os seres vivos e ‘subjugar’ a Terra (Gênesis 1:26, 28) refere-se às Suas expectativas de cuidarmos dela (Êxodo 23:10). Bem como para cuidar dos animais com dignidade, fornecendo-lhes comida suficiente e descanso (Êxodo 23: 5, 12; Deuteronômio 25: 4), resgatando-os do mal (Mateus 25: 2-7, 23, 24) e nunca torturá-los (Números 22: 23-33). O mundo e tudo nele pertence a Deus, não a nós (Levítico 25:23; Sl 24: 1; 1 Coríntios 6: 15-20, 10:26). Deus até autorizou o primeiro ‘ato de proteção ambiental’ (Gênesis 2:15) e o primeiro ‘ato de espécies ameaçadas’ (Gênesis 6:19).

2. Cuidar nos leva à comunhão com o Criador. Os cristãos que buscam preservar a Criação reconhecem a relação clara entre nosso entendimento da natureza e Deus. “Mas pergunte aos animais e eles ensinarão a você, ou aos pássaros no céu, e eles lhe dirão; ou fala com a terra e ela te ensinará, ou deixará os peixes no mar te informar.”(Jó 12: 7, 8).

Considero essas duas observações como algo urgente e necessário para refletir neste momento que estamos vivendo. E acrescentaria: debater e propor meios e ideias para cuidar do meio ambiente é um meio de contribuir com a missão. Existe muita gente que ainda não ouviu falar sobre Jesus. E as dificuldades provocadas pelo rápido esgotamento dos recursos naturais, motivados pela exploração irracional da Terra, pode representar prejuízos para levar o Evangelho adiante.

Cindy Tutsch, ex-diretora do centro Ellen G. White State, nos Estados Unidos, observou, em artigo para o site Adventist World, que, embora ecologia, plásticos, energia nuclear ou poluentes químicos fossem em sua maioria desconhecidos no tempo da escritora americana Ellen White, esta era uma forte defensora dos cuidados com a terra.

“Para ela, o cuidado com a terra não era distinto do cuidado com os seres humanos. Ela enfatizou que a natureza não apenas estimula a percepção da glória de Deus, mas também traz descanso e alegria para pessoas de todas as idades”. Parece ser um argumento perfeito para levar as novas gerações da Igreja a entenderem a importância de debater, cuidar e proteger o meio ambiente.


Referências

HAYES, William. ​Christians and Environmental Stewardship. Adventist Review. < https://www.adventistreview.org/1601-45>. Acesso em 28 de maio de 2018.

TUTSCH, Cindy. Ellen White and the Environment. Adventist World. < https://www.adventistworld.org/ellen-white-and-the-environment/>. Acesso em 28 de maio de 2018.

Heron Santana

Heron Santana

Igreja Relevante

Estudos e ações inovadoras que promovem transformações sociais e ajudam a Igreja a ampliar seu relacionamento e interação com a sociedade.

Jornalista, trabalhou na Rádio CBN Recife e na sucursal do Jornal do Commercio. Foi diretor da Rádio Novo Tempo de Nova Odessa, no interior de São Paulo, e hoje está à frente do departamento de Comunicação da Igreja Adventista para os Estados da Bahia e Sergipe.