A igreja e a preocupação com o desemprego dos millennials
Há muitas oportunidades para as igrejas ajudarem a jovens que precisam de um primeiro emprego e se encontram fora do mercado de trabalho.
O apóstolo Paulo escreveu, em sua primeira carta para a igreja em Tessalônica: “Esforcem-se para ter uma vida tranquila, cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos, como nós os instruímos; a fim de que andem decentemente aos olhos dos que são de fora e não dependam de ninguém”. (1 Tessalonicenses 4:11-12).
As conexões criadas pelo apóstolo entre trabalho e estilo de vida, ética, empreendedorismo e reputação traduzem o pensamento e as aspirações de trabalhadores ou aspirantes ao mercado de trabalho ainda, especialmente os millennials. Que são integrantes do maior grupo geracional do planeta, algo em torno de 2,4 bilhões, segundo a Organização das Nações Unidas. [1]
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Os millennials cresceram e viram a internet crescer. Acreditaram na promessa de democratização do conhecimento, acesso a trabalho, empreendedorismo que supera a burocracia. Viram microprocessadores com oferta cada vez mais barata, abundante, minimalista e potente, preconizando barreiras que seriam derrubadas para fazer prevalecer um novo mundo. Na década de 90, são memoráveis posicionamentos como o Manifesto Cluetrain e a Lei de Moore. Vinham carregados de uma emoção quase bíblica e eram oferecidos como atalaias desse novo e acolhedor mundo guiado pela cibercultura. Muito abraçaram a promessa e orientaram seus sonhos por ela.
Choque de realidade em 2019
Um recorte para 2019 e a realidade destina a esses devaneios um panorama que beira a crueldade, de tão diferente. Um estudo da empresa de pesquisa Centro de Inteligência Padrão, em parceria com a empresa MindMiners[2], mostra que cerca de 25% dos millennials brasileiros (que compreende jovens nascidos entre 1980 e 1996) estão desempregados. No universo de 47% dos que não estudam, existe 34% que não estudam nem trabalham.
É a Geração Nem Nem, como rotulou a pesquisa. Uma massa de desalento e desencanto, formada por jovens adultos com smartphone na mão, entorpecidos por diversas redes sociais, que assistem a incerteza com medo e ansiedade. Ainda geram intolerância e ódio como uma pirâmide irreversível de loucura. Acabam percebendo a Lei de Moore sendo declarada morta pela computação quântica, despejando desilusões diárias em aplicativos diversos sem considerar onde o desabafo termina e a intolerância começa. E assistem a um mundo soluçando recessões em série nos últimos 20 anos em contextos diversos.
E lutando para virar o jogo. Por meio de contatos pessoais em busca de emprego (58%); pesquisando em sites especializados em vagas no mercado de trabalho (56%); correndo atrás de oportunidades a partir das redes sociais (51%). E disposta a concessões: a maioria desses jovens (68%) concorda em aceitar empregos que paguem menos; aceitam também trabalhar fora de sua área de formação (82%). Quase metade (45%) disse que estaria disposta a trabalhar mais que 40 horas semanais. Defendem que o compromisso com a igualdade e inclusão (44%) é importante dentro do ambiente de trabalho, além do incentivo à geração de novas ideias e melhorias (54%).
Hora de reflexão
Analisando esses dados, talvez seja o momento de refletir se devemos parar de rotular esta geração de egoísta e mimada. É um rótulo que, respaldado pelo que esta geração vive na realidade, mais parece um entre tantos clichês tão comuns a um tipo de comentarista de rede social que critica o que supõe do conteúdo do livro, do artigo, do post ou do vídeo. Isso tudo sem sequer se dar ao trabalho de ler ou ver o que foi produzido, um tipo de desvario digital que assusta.
Para Ed Cyzewski, autor cristão e mestre em Divindade, é mais provável que os millennials estejam realmente operando a partir de um valor diferente, que é o da sobrevivência, como afirmou em artigo no site da revista americana Christianity Today com o título Millennials: eles não são quem você pensa que são[3].
Como as igrejas podem, portanto, ajudá-los a sobreviver? Algumas dicas do que pode ser feito:
- Oferecer cursos e treinamentos vocacionais. Apenas 15% dos millennials têm curso superior completo, ainda segundo a pesquisa. Com a observação focada quase exclusivamente na relação desse público com seus smartphones, muitas igrejas podem relaxar a atenção para uma parte considerável dessa geração que ainda não concluiu a faculdade. Imaginem o desafio que isso representa de acesso ao mercado de trabalho. Cyzewski pergunta: “Será que esses millennials veem um lugar para si mesmos nos sermões e ministérios de suas igrejas locais?” Uma igreja atenta a esta realidade pode realizar encontros jovens com temas vocacionais, orientar e ajudar aqueles que não conseguem concluir os estudos e cursar a faculdade, apresentar meios para ampliar o conhecimento e também a chance de disputar uma
- Orientar pais e familiares sobre como ajudar os filhos millennials a superar o desemprego. De acordo com o estudo, 60% dos millennials desempregados moram com pais e familiares; 59% recebem ajuda dos pais para se manter, e 95% aspiram ter uma casa própria. Com sensibilidade, é possível identificar que alguns lares experimentem tensões diante desta situação. Muitos pais e familiares poderiam ficar encorajados se a igreja adotasse medidas espirituais e práticas para ajudá-los a motivar e animar os filhos neste contexto adverso.
- Promover encontros inspiradores com empreendedores cristãos. Para 49% dos pesquisados, o melhor cenário seria trabalhar em um negócio próprio ou em algum tipo de empreendedorismo. Encontros realizados na igreja com empreendedores, que apresentam suas histórias pessoais, sua jornada, as dificuldades pelas quais passaram. Ao mesmo tempo, oferecem orientações práticas sobre modelos de negócios que podem ser desenvolvidos pelos jovens, é uma iniciativa que pode agregar bastante e inspirar muitos que hoje encontram-se sem qualquer alternativa.
- Ser mais presente na vida dos millennials da comunidade onde a igreja está inserida. As igrejas, especialmente aquelas em áreas suburbanas, poderiam ajudar bastante se conseguissem identificar quantos millennials estão desempregados na comunidade e convidá-los para participar das iniciativas acima. As igrejas podem ter empatia suficiente para entender a pressão econômica, social e comportamental que esses jovens adultos são obrigados a vivenciar.
São cuidados que farão a diferença na vida dos jovens. Para aqueles que já fazem parte da vida da igreja, as possibilidades oferecem uma contribuição inclusive para o futuro da liderança da comunidade religiosa. Em artigo inspirador para o site ChurchPres [4], a consultora de negócios virtuais especializada em marketing digital, Mailynne Calvin, escreveu: “Se as igrejas puderem descobrir o que é importante para os millennials, nós poderemos liberar seu potencial e colocá-los em posições de liderança dentro da própria igreja. Afinal, eles são o futuro da igreja, e estaremos oferecendo algumas maneiras de explorar o talento deles, a fim de alcançar sua comunidade e, por fim, o mundo”. É um tipo de conselho que sempre vale a pena considerar.
Referências:
[1] População global da Geração Z superará os Millennials já em 2019. Disponível em <https://www.panrotas.com.br/mercado/pesquisas-e-estatisticas/2018/08/populacao-global-da-geracao-z-superara-os-millennials-ja-em-2019_158139.html>.
[2] Millennials e a Geração Nem Nem: Trabalho, educação e tendências de consumo. Disponível em: < https://mindminers.com/estudos/millennials-e-geracao-nem-nem>
[3] The Mistery of Millennials: They Aren’t Who You Think They Are. Disponível em: <https://www.christiantoday.com/article/the-mystery-of-millennials-they-arent-who-you-think-they-are/104902.htm>
[4] Empowering Millennials Become Leaders in your Church. Disponível em: <https://churchpress.co/articles/empowering-millennials-become-leaders-church/>.