# 502
Só podemos ter novas ideias, buscar inovação e começar de novo, quando reconhecemos como nos encontramos.
- Senhor, já escolheu seu pedido.
- Sim… Fettuccine de Frango, por favor.
- Código?
- Oi?
- Qual o código?
- Não serve só o nome?
- Não, senhor. Você tem que dizer o código.
Segundos depois…
- 502.
- Este número me persegue. Não importa a hora ou o lugar, ele sempre aparece. Já foi número da minha rua quando era criança, linha de ônibus da escola, código de erro no banco de dados e o número do primeiro apartamento depois de casado. Sempre ele: 502. Longe de acreditar em superstição, mas alguma coisa ele quer me contar.
E eu já sei o que deve ser.
“Desçam, meninos! Está na hora do pôr-do-sol! ”
Este era o chamado da minha mãe, às 18h, todas as sextas-feiras em casa. Não era tão fácil quatro crianças pararem o que estavam fazendo, a fim de iniciar o momento solene do culto, mas nada que uma contagem até três em um tom ameaçador/amoroso não resolvesse rapidinho a demora para começar a cerimônia na sala de casa.
Como somos uma família grande, o culto de pôr-do-sol era quase um evento. Tinha uma doxologia programada e todos já sabiam o seu papel naquele momento. Entre músicas e orações, o caçula tinha apenas um papel: escolher um hino, que era sempre qual número? 502, Vaso Novo.
“Ah, esse é o que ele mais gosta”, dizia minha mãe, toda orgulhosa do filho que tinha “sempre um cântico no coração e ia aonde Deus mandasse”, mas preciso confessar uma coisa: este era o único que me vinha à mente! Além de ser o mais curto, era o mais fácil de cantar. Na hora de pedir a música, eu era acometido da famigerada Perda Súbita de Memória para Hinos (PSMH). Essa síndrome volta também quando todos os versos bíblicos desaparecem de sua memória, e geralmente ocorre às sextas-feiras à noite e pode variar de nível, a depender da quantidade de pessoas no ambiente. Aliás, que alívio era perceber que, ao chegar minha vez, ninguém havia falado “Jesus chorou” (João 11:35) ou “E disse Jó” (Jó 6:1).
Vaso novo
De tanto pedir esta música, realmente virou a minha preferida. Mas só depois de muito tempo fui entender melhor a letra e a história que ela contava. O profeta Jeremias, mais conhecido como o profeta chorão, era bem dramático, tudo para chamar a atenção do povo de Israel, que constantemente duvidava do poder de Deus. Mas se olharmos por outro ângulo, podemos ver Jeremias como o profeta criativo. Nessa ilustração, ele mostra como a criatividade pode ser uma ferramenta para a fixação da mensagem.
Um dia, tive a oportunidade de fazer um vaso de barro usando uma mesa de um oleiro e depois de várias tentativas, é claro, consegui fazer um belo peso de porta. Quando Deus mandou Jeremias ir à casa de um oleiro, observar como ele trabalhava, anotar os pequenos detalhes e transformar isso em um apelo, fica claro que a comunicação só é efetiva quando a mensagem faz sentido no meu estilo de vida. O artista tem a capacidade de inventar objetos em apenas segundos e se algo der errado, não tem problema, outros formatos de vaso surgirão.
Então posso me reinventar?
Bill Fischer, professor no curso de inovação na Universidade George Washington, afirma que “inovar é reinventar a si mesmo”. Ou seja, só podemos ter novas ideias, buscar inovação e começar de novo, quando reconhecemos o quão quebrados nos encontramos.
Por isso existem algumas dicas para começar a se reinventar hoje mesmo:
- Tente novos caminhos. Sabe aquela rota de volta pra casa que você faz quase no automático todos os dias? Tente outro caminho, conheça outras ruas, novos lugares e novas pessoas.
- Entenda o outro lado. Às vezes, nos pegamos rejeitando uma ideia apenas por não entender os motivos por que ela foi criada. Antes de dizer que tal ideia é boa, ou ruim, analise todas as opções. Até mesmo aquelas que são contrárias as suas.
- Converse sozinho. Isso mesmo, se você não escuta você mesmo, como vai querer que os outros o façam? Se reinventar é um processo primeiramente pessoal, uma briga entre o seu “eu antiquado” e o “eu inovador”. Quem ganha este debate?
Este é apenas o começo de uma vida de novas atitudes e novas ideias. A escritora Rita Mae Brown uma vez disse: “Não há maior sinal de loucura do que fazer uma coisa repetidamente e esperar a cada vez um resultado diferente”. Ellen G. White também nos aconselha sobre pessoas “perfeitas” julgando que suas ideias não possuem falhas. Ela diz “…então é tempo de mudarem sua posição de líder para a de aprendiz” (Liderança Cristã, pág. 21).
Eu não sabia qual era o hino 501, nem o 503. Não procurava saber. E se for uma música maior? E se eu não souber a letra? E se for muito difícil? E, assim, nunca escolhia outro número. No final das contas, perdi a chance de aprender novas canções.
Na impureza do barro, Deus nos mostra que apesar de falhos e frágeis, podemos sempre mudar, buscar renovação. Em suas mãos nos tornamos nova criatura, devemos apenas reconhecer que somos pó nas mãos de um artista.