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Coluna | Felippe Amorim

A primeira base da cosmovisão cristã

Como a criação descrita pela Bíblia impacta a compreensão do mundo? Entenda.


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A cosmovisão cristã está totalmente baseada na Bíblia e em sua integralidade (Foto: Shutterstock)

Cosmovisão é a forma como como uma pessoa enxerga o mundo. Vimos os detalhes desse conceito no artigo anterior. E uma das melhores metáforas para compreendê-lo são os óculos. Quem precisa usá-los sabe o quanto eles fazem diferença na hora de ver o mundo. Quando você precisa de correção visual e se recusa a usar óculos, tem dificuldades para ver as coisas com nitidez. Os objetos e as pessoas ficam “desfocados” diante dos seus olhos e isso pode causar até acidentes. Outra questão é usar os óculos errados. Assim, você não verá a vida de maneira correta.

Com os “óculos da vida”, ou a cosmovisão, funciona da mesma forma. Se você colocar óculos com lentes vermelhas, verá a vida vermelha. Se usar óculos com as lentes verdes, verá a vida verde. Caso use óculos inadequados, verá a vida de maneira distorcida.

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Os óculos mais seguros para se ver a vida são aqueles cujas lentes são o cristianismo. Esses óculos tem o “grau certo” para que você não tropece nos obstáculos do mundo ou caia em buracos filosófico-religiosos profundos e difíceis de sair. Em outras palavras, a melhor forma de se enxergar a vida é através da cosmovisão cristã.     

Fundamento

O fundamento da cosmovisão cristã é a Bíblia. Não existe visão cristã verdadeira que despreze as Escrituras. Logicamente, estou falando de uma visão teologicamente conservadora sobre a Bíblia, que a considera como “A Palavra de Deus”. Portanto, autoritativa sobre as questões mais fundamentais da vida, como a origem da humanidade, sexualidade humana, essência do homem, dentre outros assuntos.

A cosmovisão cristã tem três colunas sobre as quais ela se sustenta. Todas elas, logicamente, oriundas do texto bíblico. São elas: criação, queda e redenção. Essas são as três camadas das lentes através das quais um cristão vê o mundo. Quando um cristão se depara com tragédias, o pecado, as deturpações teológicas ou qualquer outra coisa, julga a partir da visão de que Deus criou tudo perfeito, o pecado estragou a criação, mas em breve tudo será restaurado. Vamos pensar um pouco mais detidamente sobre cada uma dessas camadas.

Criação

Hoje é relativamente comum ouvir explicações alternativas para a origem da vida e do universo. Por esse motivo, parece ser muito correta a frase que diz: “A mensagem cristã não começa com "Aceite a Jesus como Salvador”, mas com “No princípio, criou Deus os céus e a Terra””.[1] É consenso entre os estudiosos da cosmovisão cristã que tudo começa com a compreensão da criação divina.

Algumas das justificativas, inclusive, tentam mesclar a explicação bíblica com o modelo evolucionista, criando o que se conhece por evolucionismo-teísta, que seria Deus conduzindo o processo ao longo da evolução.  O relato bíblico do livro de Gênesis, capítulo 1, no entanto, afirma que Deus criou tudo em seis dias, e no sétimo descansou, e que as coisas se fizeram pela força da sua Palavra. Essa visão dá sentido aos estudos cosmovisionais cristãos e ao próprio cristianismo. Pearcey indaga e responde de maneira esclarecedora sobre esse assunto, dizendo: “Como começar a construir uma cosmovisão cristã? A passagem fundamental é a narrativa da criação em Gênesis, porque é o ponto que devemos examinar a fim de aprender qual era o propósito original de Deus ao criar a raça humana”.[2]

A negação da visão criacionista da origem da vida causa, inclusive, um decréscimo no valor ontológico dos seres humanos. Não é incomum se ouvir generalizações, dizendo que em todos os aspectos houve uma evolução do pensamento humano na transição da Idade Média para a Moderna. Contudo, não é exatamente assim que se observa essa relação. A questão do valor da vida humana, por exemplo, foi nitidamente tratada de maneira menos importante a partir da modernidade. "Para os europeus medievais, a vida era significativa, plena de propósito e infinita. Para os modernistas, os seres humanos são acidentes, o produto temporário e do acaso de uma natureza cega e sem propósito" [3].

Nesse aspecto, o pensamento medieval retrata muito bem o pensamento da cosmovisão cristã. Essa noção do valor da vida só pode ser sustentada a partir do conceito criacionista de origem. A partir da narrativa bíblica de que Deus criou tudo em seis dias e no sétimo descansou, encara-se tanto o valor que o ser humano tem, como a sua função na Terra. Há um mandato cultural dado por Deus aos seres humanos no livro de Gênesis. "Deus os abençoou, e lhes disse: "Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra" (Gênesis 1:28, NVI). Essa ordem de Deus aos humanos não é uma autorização de exploração predatória, mas uma tarefa de cuidado com a natureza.

O mandato cultural recebido pelo ser humano não significa que tenhamos o direito de fazer o que bem entender da natureza, mas correspondente à capacidade que lhe foi concedida como algo potencial, recebida para dar continuidade à história recém-criada. Ou seja, o ser humano, de certa forma, daria continuidade ao ato criador de Deus, desenvolvendo cultura a partir da criação original.

Criação e cultura

O teólogo Andrew Sandlin faz uma diferenciação entre criação e cultura. Para ele, criação é tudo o que saiu das mãos de Deus e cultura é tudo o que o ser humano produz a partir da criação de Deus. Nesse sentido, o limão não é cultura, mas a limonada, sim. O vento não é cultura, mas a energia eólica, sim. O mandato cultural foi dado aos seres humanos quando o mundo ainda era perfeito, ou seja, faz parte da vontade de Deus que os seres humanos produzam cultura.

O criador fez uma natureza perfeita, mas não encerrou a possibilidade de que novas coisas fossem desenvolvidas a partir daquilo que ele já havia criado (cultura). Era parte da tarefa do ser humano, no mundo perfeito, modificar e criar a partir daquilo que Deus criou. Essa possibilidade de criar era parte da imagem de Deus colocada nos seres humanos. Sobre o mandato cultural, Sandlin explica:

“O homem interage com a criação de Deus para impor a vontade de Deus a ela com amor. O homem não a abandona: ele interage com ela, adicionando sua criatividade e habilidade concedida por Deus – para aperfeiçoá-la. Isso significa que, embora a criação procedente da mão divina fosse muito boa (Gênesis 1:31), ela ainda não era tudo que Deus pretendia. Em suma, a criação não era suficiente; Deus também queria cultura”.[4]

Nesse sentido, o mandato cultural é algo intrinsicamente religioso. Ao produzir cultura, o ser humano está apenas cumprindo a vontade de Deus. É lógico que a cultura produzida num mundo perfeito seria perfeita e a cultura produzida em um mundo imperfeito seria imperfeita. Nesse prisma, a cultura produzida pelo ser humano precisa estar submetida aos princípios estabelecidos por Deus em sua Palavra. Em um mundo imperfeito, a Bíblia se torna a régua para classificar a cultura que agrada a Deus.

O ser humano deveria produzir na “Terra” e para a “Terra”. Contudo, essa produção não seria penosa. Em outras palavras, o ser humano deveria produzir cultura[5]. Deus fez os seres humanos com o intuito de que eles fossem produtivos e usassem a natureza de maneira consciente e em seu próprio benefício. Nesse sentido, a cultura é algo divino. "Para se ter cultura não é preciso saber apreciar música clássica, nem poder recitar poemas de cor, nem conhecer história e geografia. Para tê-la, basta ser humano, pois não se pode ser humano sem cultura".[6] Partindo desse pensamento, compreende-se que toda produção cultural que não fere os princípios bíblicos é uma centelha do mandato cultural de Deus aos seres humanos.

Sem a criação literal, conforme relatada em Gênesis, não existe fundamento para o cristianismo. Podemos afirmar que não existe cristão de verdade que não seja criacionista, pois o conceito de criação está apresentado em toda a Bíblia e dele depende toda a Bíblia.


Referências:

[1] PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2017, p. 49.

[2] PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2017, p. 15.

[3] HIEBERT, Paul G. Transformando cosmovisões: uma análise antropológica de como as pessoas mudam. São Paulo: Vida Nova, 2016, p 181.

[4] SANDLIN, P. Andrew. Cultura Cristã: uma introdução. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2016, p. 45.

[5] A referência a cultura é no sentido de dizer que ela reflete em tudo que é produzido pelo homem, sejam coisas materiais ou imateriais.

[6] GONZALEZ, Justo L. Cultura e Evangelho: o lugar da cultura no plano de Deus. – São Paulo: Hagnus, 2011, p. 39.

Felippe Amorim

Felippe Amorim

Cosmovisão cristã

O mundo visto segundo a ótica bíblica

Teólogo com pós-graduação em Docência Universitária e Psicologia Pastoral. Também é mestre em Teologia com ênfase em Cosmovisão Cristã e doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Autor de 13 livros, apresenta o programa Bíblia Fácil na TV e Rádio Novo Tempo, e gerencia a Escola Bíblica da Rede Novo Tempo. Casado com Flor Amorim, é pai de Daniel e Lucca.