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Coluna | Felipe Lemos

O Espírito Santo e a estratégia comunicacional 

A ação do Espírito Santo para uma comunicação eficiente não anula a importância de método e estratégia comunicacional. A Bíblia diz isso.


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A Bíblia tem interessantes lições comunicacionais válidas para organizações hoje em diferentes aspectos. (Foto: Shutterstock)

Há alguns dias me deparei com uma cena ocorrida em frente ao prédio onde moro. Ouvi um som de pregação religiosa ecoando pela rua. Fui verificar pela janela e constatei que se tratava de um caminhão, aparelhado com equipamentos de som, mas parado e com sinal de pisca-alerta ligado. O referido veículo travava uma das vias mais movimentadas da região. 

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Em cima do caminhão, pessoas se agrupavam em torno de um homem que falava de Cristo, de Deus e citava passagens bíblicas. A música ouvida também tinha uma letra condizente com a mensagem proferida pelo orador. Vi, também, alguns motoristas tentando desviar do caminhão, enquanto outros buzinavam atrás dele. 

Isso me levou a uma reflexão, na minha opinião, relevante para os tempos atuais. Ela tem a ver com o aparente dilema que parece existir entre a ação sobrenatural divina para comunicar e a estratégia comunicacional organizada pelo ser humano quando se trata de levar adiante a mensagem religiosa. Vamos pensar em dois aspectos importantes sobre isso e já volto ao meu relato inicial. 

O papel do sobrenatural 

Ao ler a Bíblia e crer nela como revelação divina, eu não tenho dúvidas de que Deus pode fazer Sua mensagem chegar até onde Ele deseja pelos mais diferentes meios. Há explícitos e evidentes relatos no texto dos Antigo e Novo testamentos capazes de justificar isso. O até então vacilante Moisés e seu irmão, Aarão, como ensina o livro de Êxodo, foram capacitados divinamente a conduzir a saída do povo hebreu escravizado das terras egípcias.  

Mais tarde, na história bíblica narrada no livro de Números, lemos que uma jumenta falou e perturbou um obstinado e corrupto profeta chamado Balaão. Ele efetivamente não conseguiu amaldiçoar e fazer sua comunicação de maneira eficiente junto ao povo de Israel. Deus colocou impedimentos. 

No período do cativeiro babilônico, o poder divino foi determinante para que o humilde exilado Daniel conseguisse expressar uma contundente mensagem para o rei opressor. Mais tarde, e já idoso, Daniel teve ação semelhante, de comunicação eficaz, ao interpretar o código apresentado por Deus na blasfema festa dada pelo soberano Belsazar. Obras divinas. 

Em suma, acredito totalmente na soberania divina para comunicar a salvação aos seres humanos. A autoridade do Espírito Santo é inigualável e infalível quando se trata de convencer as pessoas da necessidade de uma mudança espiritual profunda. Por isso, entendo que a mensagem ecoando do caminhão pode se tornar aquilo que uma pessoa, vivenciando uma péssima experiência individual, mais necessita. 

Estratégia comunicacional 

Lendo isso, até agora, pode-se ter a impressão de que não há necessidade, portanto, de considerar a estratégia comunicacional no contexto da difusão de mensagens religiosas. Existe, no entanto, uma ponderação digna de ser mencionada para enriquecer a discussão. 

Na mesma Bíblia Sagrada, consigo enxergar estratégia comunicacional clara da parte de Deus. Voltando ao ministério do profeta Daniel, é possível perceber uma metodologia divina para tornar a comunicação palatável e relevante para seus públicos de interesse. O rei Nabucodonosor II, no capítulo 4 do livro de Daniel, recebeu um sonho de uma árvore. O interessante é que o sonho com a mensagem foi dado ao monarca no contexto em que ele poderia entender. Comunicação eficiente. 

O teólogo e comentarista Jacques Doukhan explica que “o simbolismo da árvore não era estranho para Nabucodonosor. Heródoto fala do caso de Astíages, cunhado de Nabucodonosor, que também havia sonhado com uma árvore que simbolizava o seu domínio sobre parte do mundo. O próprio Nabucodonosor, em uma inscrição, compara Babilônia a uma grande árvore que abriga as nações do mundo”.1 

Comunicação de Jesus e Paulo 

Há também vários outros exemplos, inclusive da parte de Jesus. Cito as parábolas contadas pelo Mestre, sempre com a preocupação de se tornar compreendido pelos públicos com os quais se relacionava. No episódio da conversa com a mulher samaritana (João 4), Jesus começa o diálogo com ela utilizando dados e informações comuns, atinentes à realidade cotidiana daquela pessoa.  

Jesus efetivamente estabeleceu uma comunicação de profunda conexão com seu público. E o fez a partir de uma estratégia. Não falou com ela como se expressava diante de gentios, de líderes judaicos ou mesmo nas conversas com seus discípulos mais próximos. 

Posso, ainda, mencionar o episódio de Paulo ao ser convidado para falar no Areópago, em Atenas, como registrado em Atos 17. Ao iniciar seu discurso, seu esforço comunicacional foi direcionado a um público pouco familiarizado com a teologia judaica e mesmo acerca do cristianismo embrionário. Suas primeiras palavras evocaram imagens e textos que faziam parte do conhecimento do público grego. Aí temos uma preocupação com o público a partir de uma estratégia comunicacional. 

Não vou me alongar mais, pois quero aprofundar outros aspectos desse assunto em artigos posteriores. Essa reflexão, contudo, retoma meu relato inicial. A comunicação do pregador em cima do caminhão com carro de som certamente tem uma mensagem relevante para muitas pessoas. E que pode chegar até as pessoas por obra sobrenatural divina. 

Mas, ao mesmo tempo, percebo que Deus usa, igualmente, a estratégia comunicacional. Não vejo, na Bíblia, uma exclusão de métodos e princípios que levam em conta o melhor momento ou lugar para se falar da salvação divina. Ou mesmo a abordagem mais apropriada para públicos, muitas vezes, indiferentes ou pouco dispostos a escutar o discurso religioso convencional.  

A estratégia comunicacional para amplificar e potencializar a mensagem bíblica é perfeitamente compatível com o profundo interesse divino por sensibilizar e mudar a vida das pessoas. Não enxergo as duas ações como excludentes, mas mutuamente essenciais e capazes de produzir excelentes resultados.  

Sigo crendo firmemente nos meios nada previsíveis de Deus para fazer Sua mensagem ir muito mais longe. Creio, ao mesmo tempo, no uso de adequadas estratégias para que públicos cada vez mais segmentados e específicos compreendam a comunicação na sua realidade. 


Referência:

1.Doukhan, Jacques. Segredos de Daniel – sabedoria e sonhos de um príncipe no exílio. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2017, p. 65.

Felipe Lemos

Felipe Lemos

Comunicação estratégica

Ideias para uma melhor comunicação pessoal e organizacional.

Jornalista, especialista em marketing, comunicação corporativa e mestre na linha de Comunicação nas Organizações. Autor de crônicas e artigos diversos. Gerencia a Assessoria de Comunicação da sede sul-americana adventista, localizada em Brasília. @felipelemos29