Por que um comitê de crises é importante para a comunicação?
Dentro da comunicação estratégica, em um tempo de conflitos e incidentes públicos, é essencial compreender o papel do trabalho dos comitês de crises.
Em julho de 2020, uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo apresentou algumas informações a respeito de uma pesquisa sintomática sobre crises. Falava de uma avaliação realizada pela Deloitte Brasil. A verificação indicou que 92% dos gestores brasileiros criaram planos de gerenciamento de crise. Antes da pandemia mundial da Covid-19, apenas 18% contavam com esse planejamento.[1]
Ampliando o olhar, é possível observar a realidade mundial no mesmo sentido. A PwC Research, especializada em pesquisas corporativas, levantou dados entre agosto de 2020 e janeiro de 2021 com mais de 2.800 líderes empresariais de 73 países e 29 indústrias. Fez diferentes perguntas a eles a fim de compreender como as organizações respondem a situações de crise, incerteza e risco. Pelo menos 62% afirmaram que utilizaram um plano de resposta a crises durante a pandemia.[2]
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Planos exigem pessoas
Planos são essenciais, especialmente se colocados em prática dentro de processos muito claros e monitorados. A gestão de tudo isso, porém, passa por pessoas. Ou seja, gente que faz parte do que se convencionou chamar de comitês gestores de crises. Jonathan Bernstein, especialista em estratégias de crises e gestão de reputação, registra em um de seus livros que o comitê de gestão de crises (the core crisis management team) é parte essencial do plano de crise.[3]
O professor e consultor João José Forni também ressalta a relevância da existência de um comitê antes de situações de crise se tornarem preocupantes. E, efetivamente, quando há a necessidade de contenção de incidentes organizacionais. Forni chama a atenção para a importância de se atuar preventivamente, pois tal ação afeta a própria comunicação quando as coisas ficam complicadas.
Em entrevista à revista Organicom, sobre passos indispensáveis de uma empresa frente a uma crise, o especialista afirma que é preciso “primeiro, ter um sistema preventivo de crise, monitorando os pontos vulneráveis, com um plano de contingência para as situações de risco. Isso significa uma estratégia de administração e de comunicação eficiente”.[4]
Responsabilidade de uma igreja
No dia 16 de março de 2020, o Comitê de Gestão de Crises da Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia, sede administrativa da denominação para oito países da América do Sul, se reuniu pela primeira vez, em Brasília, para deliberar sobre as consequências da crise da Covid-19. O objetivo, desde o início, foi claro: criar um plano para enfrentar os desdobramentos de uma crise sanitária, ainda pouco compreendida, no âmbito da organização composta por mais de 28 mil congregações, 2 milhões e 500 mil membros e uma estrutura composta por quase mil instituições de ensino, hospitais, clínicas, projetos de desenvolvimento humano, fábricas, editoras e sistema de comunicação.
Os 15 membros iniciaram o primeiro encontro, já de máscaras, e com muitas informações ainda desencontradas sobre a pandemia. As dúvidas e incertezas, que rondavam a mente dos membros do comitê serviram de ingrediente para impulsionar em direção a reações rápidas. Muitos questionamentos precisaram ser respondidos: como as congregações adventistas vão realizar suas atividades diante de restrições, lockdowns e isolamento social? E as escolas? Os hospitais adventistas terão de reforçar sua atuação para fazer frente a atendimentos multiplicados diante de centenas de casos de contaminação? Como será o trabalho dos pastores adventistas diante de cultos online, atendimento virtual, etc?
Processos claros
Até agosto de 2021 foram realizadas centenas de reuniões do comitê. No início, chegavam a ser diárias, posteriormente se tornaram semanais e, recentemente, ocorrem com periodicidade quinzenal. As primeiras chegavam a ter duração de até 3 ou 4 horas. Somente em 2021, já ocorreram 12 encontros. Em todos eles, os membros decidiram adotar medidas de contenção de cunho social, educacional, sanitário, financeiro, jurídico, de recursos humanos e, obviamente, comunicacional. Tenho feito parte deste comitê desde o princípio e posso atestar que foram muitas horas debruçado em torno de planejamentos, orientações, diretrizes e sugestões de protocolos.
Sem falar nas milhares de horas de trocas de mensagens e telefonemas para compreender como pastores, membros em geral e a sociedade enxergavam a essencial reação de uma organização religiosa em tempos desafiadores. Muitos processos da Igreja Adventista foram estabelecidos, outros melhorados e alguns repensados, pois a solução mais eficiente passava por medidas que nós tivemos de aprender em meio a uma pandemia.
Novos desafios
A comunicação estratégica sofreu significativo abalo. E não é para menos. Neste comitê, tivemos de pensar em uma comunicação especializada, eficaz e que fizesse sentido para membros, pastores dos distritos (mais de 4 mil), administradores e diretores de departamentos diversos, sociedade em geral, comunidade escolar, usuários dos serviços hospitalares adventistas, beneficiários dos projetos assistenciais (da nossa agência humanitária, a ADRA), sem falar nos funcionários das nossas dezenas de sedes administrativas na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai.
Todas as reuniões foram concluídas com atas em que deixamos registrados procedimentos, processos e responsabilidades. E eu pergunto: quem fez isso acontecer? As pessoas. Os membros deste comitê geral que citei e de outros de apoio. Além de subcomitês especializados (de cenários, financeiro, comunicacional, educacional, de programas, etc) formados na própria sede sul-americana, nossas sedes administrativas e instituições também reuniram seus respectivos comitês para deliberar e ponderar sobre aspectos específicos. O grupo maior da sede sul-americana adventista, em uma livre analogia, fez um voo panorâmico, porém os demais escritórios e as congregações locais enfrentaram os desafios bem de perto, em solo. Tomaram definições na ponta da linha, como se diz, onde os dramas de uma pandemia se mostraram muito mais cruéis, caóticos e que exigiram extrema calma, tato, habilidade e confiança em Deus.
Conclusões
Vou responder à indagação inicial que dá título a este artigo. O comitê de crises é importante para a comunicação estratégica de uma organização por três razões:
- Porque o conjunto de atitudes, comportamentos e atos dos integrantes das comissões, ou seja, os que estão envolvidos no gerenciamento, é que faz a comunicação estratégica. As pessoas, que lideram os processos, os protocolos, os procedimentos, as medidas de contenção, são as que efetivamente operacionalizam essa comunicação. Podemos até memorizar milhares de sugestões de ação, contudo na hora de uma crise é que vale muito se estamos ou não preparados para o que vem pela frente. Na maioria das vezes, a experiência mostra que ainda estamos despreparados para muitos desafios. E uma comunicação eficiente depende em muito desta liderança humana bem sólida.
- Porque comunicação organizacional não é ciência exata, por isso o comitê é essencial apoio para aprendizagem. Na comunicação adventista frente à pandemia aprendi muito com erros e acertos. Aliás, o aprendizado é parte incontestável do processo. Concluo que é imprescindível, portanto, ouvir ainda mais os públicos para conseguir ser o mais preciso diante da necessidade de compartilhar informações, muitas vezes, complexas, no entanto, absolutamente necessárias.
- Porque os comitês apontam para mudanças em processos e melhoria contínua. E isso vai impactar automaticamente a maneira como nós, enquanto organização, vamos desenvolver nossa comunicação em outras situações de crise. Tenho realizado um curso intensivo, dinâmico e multidisciplinar desde março de 2020 dentro deste comitê e dos subcomitês nos quais participei. Metodologias novas serão adotadas e uma forma diferente de enxergar os fenômenos advindos dos riscos também.
Referências:
[1] https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,pandemia-fortalece-comites-de-crise-em-empresas-estrutura-deve-permanecer-ativa-no-longo-prazo,70003353171
[2] https://www.pwc.com/gx/en/issues/crisis-solutions/global-crisis-survey.html
[3] Bernstein, Jonathan. Manager’s guide to crisis management. Brief Case Books, 2011.
[4] Comunicação em tempos de crise. Entrevista de João José Forni à revista Organicom. 1º semestre de 2007. Disponível em https://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/138934.