Comportamentos em transformação. Como fica a comunicação religiosa?
Diante de exposições rasas sobre temas bíblicos e o fenômeno dos desigrejados, a comunicação tem um papel fundamental para ajudar a voltar os olhares para o foco correto

Qual é a melhor estratégia para o êxito da comunicação de uma organização religiosa? A resposta não é tão óbvia, pois são muitos os fatores que garantem o sucesso. Um aspecto, no entanto, parece certo: a mensagem de uma determinada organização precisa fazer sentido para as pessoas. No caso de uma organização religiosa, como uma igreja, é essencial que sua comunicação leve em conta a forma como as pessoas pensam e se comportam.
Para alcançar esse objetivo, a tendência é que a comunicação seja mais humanizada e relacional. Ou seja, o modelo de transmissão de informação idealizado na década de 1940 está definitivamente ultrapassado. Naquela época, desenvolveu-se a ideia de que comunicação consistia basicamente em um fluxo em que um emissor enviava uma mensagem a um receptor, que a recebia. Assim, acreditava-se que a comunicação estava estabelecida.
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As mudanças sociais, políticas e tecnológicas alteraram totalmente essa dinâmica. A pesquisadora Marlene Marchiori afirma que “estamos vivenciando uma nova era para as organizações, nas quais a comunicação assume, como fundamental, a criação e elaboração de significados por meio das interações entre as pessoas nos mais diversificados ambientes organizacionais”¹.
Atualmente, comunicação significa relacionamento, diálogo, escuta e capacidade de se fazer entender diante da percepção de pessoas afetadas por bilhões de dados que cruzam velozmente sua vida. Há pelo menos três fenômenos que precisam levar as igrejas a uma reflexão sobre relevância, propósito e estratégias comunicacionais eficientes. No caso das igrejas cristãs, se a mensagem é tão importante, precisa ser comunicada adequadamente.
Três fenômenos
Vamos analisar três fenômenos que impactam os comportamentos religiosos e como a comunicação moderna pode lidar com eles. Outros cenários também são relevantes, mas escolhi esses três por considerá-los representativos da transformação religiosa no mundo, especialmente no contexto das igrejas cristãs.
1. Mensagem em cultos religiosos
Há a percepção de uma sensível alteração no conteúdo apresentado, pregado e exibido em muitas igrejas cristãs atualmente. Os sermões mais expositivos, em que textos bíblicos costumavam ser explicados para a audiência, têm saído de cena. Gradativamente, surgem discursos, tanto presencialmente nos templos quanto em conteúdos gerados exclusivamente para canais digitais, centrados em autoajuda, com motivações ligadas a ganhos materiais ou excessivamente preocupados com o bem-estar humano.
Denis Fortin faz uma rápida análise dessa mudança em certas igrejas e comenta que “em geral, os sermões são mais narrativos e existencialistas, em substituição à exposição do texto bíblico”². Independentemente da avaliação sobre ser esse um ponto positivo ou negativo, essa é a realidade com a qual se precisa lidar. Observamos um cenário em que há mais sermões voltados às problemáticas humanas e menos interesse em apresentar o significado dos textos bíblicos para a vida das pessoas.
Caminho a seguir – A comunicação das igrejas talvez precise adotar duas ações principais. A primeira é intensificar a comunicação voltada a educar seus membros e simpatizantes, incentivando-os a estudar mais a Bíblia Sagrada e a conhecer profundamente a história e as crenças de sua própria organização. Esse conteúdo deve ser adaptado para o formato digital, utilizando a linguagem audiovisual que mais cativa a audiência nas redes.
Sem perder a essência e os princípios que norteiam seu sistema de crenças, a comunicação proveniente dos púlpitos precisa dialogar com a realidade da audiência. Certas expressões, abordagens e o uso de alguns recursos precisam ser avaliados, pois não basta possuir uma mensagem impactante; esse impacto precisa ser desenvolvido de maneira prática.
2. Desigrejados
O fenômeno dos desigrejados também tem um efeito real sobre o comportamento religioso atual e futuro. Não é possível explorar completamente o tema aqui, mas é importante entender o conceito. Em um artigo, Júlio Adam e Denise Santana, pesquisadores do tema, afirmam que “a situação do desigrejamento das pessoas mostra um cenário religioso crítico. Não é a religiosidade que está em crise, mas o pertencimento institucional. Hoje, não se fala em fim da religião, mas em dificuldades pelas quais passam as instituições”³.
Segundo esses e outros autores, os desigrejados são pessoas que se identificam como cristãs, mas não estão ligadas a qualquer organização religiosa. Muitos mantêm crenças e até comportamentos tipicamente esperados de um membro de igreja. Não são, portanto, pessoas que abandonaram a fé.
Empiricamente, há uma impressão de que a maioria dos cristãos não aderiu a esse fenômeno. No entanto, o cenário mostra uma crescente desconexão entre as pessoas e as instituições religiosas, representando um grande desafio para a comunicação das igrejas. Provavelmente, será necessário pensar em formas de se comunicar diretamente com indivíduos que valorizam a espiritualidade sem afiliação institucional, buscando alcançar suas realidades sem parecer apenas uma preocupação organizacional. A máxima de que “pessoas se conectam com pessoas” tem se confirmado no contexto religioso.
Caminho a seguir – Uma comunicação mais direta, centrada na aplicação prática dos temas bíblicos à fé cristã, pode ser uma solução. A comunicação deverá gerar, cada vez mais, identificação entre as organizações religiosas e as pessoas no dia a dia.
Histórias impactantes de testemunhos de fé, o papel social das igrejas, o dinamismo do voluntariado e das missões transculturais, além da relevância da Bíblia para a compreensão dos problemas atuais, podem atrair mais atenção. É essencial pensar em uma comunicação que contribua para que as pessoas enxerguem as comunidades de fé como espaços de apoio próximos à sua realidade. Isso pode ser mais eficaz do que investir apenas em uma comunicação voltada para grandes números, sedes, instituições, eventos e programas internos.
3. Tecnologia digital que molda comportamentos
Por fim, é inegável o impacto da tecnologia digital sobre os comportamentos religiosos. Ainda há muito a ser estudado, mas a própria realidade dos modelos de inteligência artificial (IA), por exemplo, aponta nessa direção.
Em um artigo sobre IA e divindade, Jorge Rampogna analisou a abordagem do filósofo Yuval Harari sobre o dataísmo (a supremacia dos dados) como uma possível nova religião. Ele fez uma relação com a série Kübra, que trata da temática. Segundo Rampogna, “em Kübra, a tecnologia se torna um meio de questionar e, de certa forma, substituir a figura tradicional de Deus ou de uma entidade sobrenatural. A IA manipula informações e cria uma narrativa que leva as pessoas a acreditarem em uma realidade construída e controlada por dados e algoritmos”⁴.
Se essa divinização dos elementos tecnológicos será uma realidade, ainda é difícil prever completamente. No entanto, elementos específicos da tecnologia digital – como a transmissão de cultos religiosos, a presença de igrejas no metaverso e o uso intenso das redes sociais – já moldam o comportamento religioso em diferentes níveis. As pessoas não cultuam como faziam há 30, 50 ou 60 anos.
Caminho a seguir – Diante desse cenário ainda indefinido, a comunicação das igrejas deve fomentar discussões sobre esses temas dentro da cultura religiosa. Deve buscar um equilíbrio, sem demonizar os meios digitais, mas também sem considerá-los soluções mágicas.
A comunicação religiosa provavelmente incentivará um retorno às relações pessoais e, ao mesmo tempo, expor os desafios de permitir que tecnologias criadas pelo ser humano se tornem as únicas mediadoras dessas relações.
O mundo está em transformação, e a comunicação das igrejas precisa acompanhar essa mudança. Olhar para o passado e manter a identidade é essencial, mas compreender o presente e se preparar para o futuro é indispensável.
Referências:
- MARCHORI, Marlene. Comunicação como expressão da humanização nas organizações da contemporaneidade in KUNSCH, Margarida. Comunicação como fator de humanização nas organizações, São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2010, p. 153
- FORTIN, Denis. Teologia da adoração e liturgia em Ellen White in RODRIGUEZ, Ángel. Igreja: Adoração, ministério e autoridade, Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010, página 99.
- ADAM, Júlio Cézar; SANTANA, Denise. A crise do pertencimento religioso e o movimento dos desigrejados. Caminhando, Goiânia, v. 20, n. 3, p. 354-365, 2022.
- RAMPOGNA, Jorge. Kübra: a Inteligência Artificial como divindade. https://noticias.adventistas.org/pt/coluna/jorge.rampogna/kubra-a-inteligencia-artificial-como-divindade/