Adoração
A adoração vista por um ângulo bem interessante da colunista Fabiana Bertotti. Confira o artigo.
Resolvi tirar o domingo para ir à igreja. Não na minha, resolvi ir em duas igrejas bem distintas e prestar atenção ao culto. Sou uma curiosa crônica e o ser humano com suas várias facetas me cativa o tempo todo, naturalmente não ficaria de fora a faceta adoradora. Cresci em um lar onde meus pais eram de religiões diferentes, tios e primos também, vizinhos e amigos idem. Logo, conviver com diferentes credos nunca foi um problema pra mim e realmente acho abjeto desprezarem e ridicularizarem a fé alheia. Tenho um profundo respeito por todas as formas de culto, o que não significa, naturalmente, que concorde com tudo. E nem preciso.
Mas eu disse que fui à igreja, fui a duas delas, bem distintas em sua forma de adoração e foi nisto que me concentrei. Uma delas não tem sede própria, é uma igreja jovem, dinâmica, onde a vestimenta pouco importa e a ordem é interagir, vibrar e de todas as maneiras. O nome da igreja faz pouco sentido em português, mas ela é bem conhecida entre nós pelas músicas de louvor, chama-se Hillsong e é originária da Austrália. Seu fundador é um senhor com pinta de jovem, calças justas, linguagem descolada e nenhum formalismo ao abrir a Bíblia e trazer para os dias atuais a mensagem sagrada. O som é alto, muita percussão, jovens pulando e cantando. Adorando.
Saí de lá em tempo de chegar para a missa na St Paul’s Cathedral, a imponente construção inaugurada em 1710 no ponto mais alto de Londres e assinada pelo famoso arquiteto Christopher Wren. Por lá passaram funerais de famosos como Lorde Nelson, Churchill, Margaret Thatcher e casamentos monumentais como o da Princesa Diane com o Príncipe Charles. Um coral majestoso cantava um canto gregoriano enquanto senhores na casa dos 70 vestidos em fraque nos encaminhava para o lugar de sentar e com o dedo indicador indicava – olha veja – que ficássemos em silêncio. A cúpula alta e opulenta é a uma das mais altas do mundo e uma ampla coleção de arte enche os olhos dos visitantes que pagam até 16 pounds (60 reais) em dias de semana para visitar as galerias. Esta é a quarta construção no local que abriga templos desde 604 d.C.
Foi um dia de especial observação. Na primeira, jovens cantando entusiasticamente num teatro lotado com luzes e banda à frente. Na segunda, adoradores contritos e silenciosos que não passavam de duzentos e pareciam ainda menores comparados à imponência do Templo. De um lado uma total aproximação do sagrado como se este fosse parte da sua rotina. Nada fazia diferenciação de um programa comum com um momento sagrado, nem roupas, nem modos. No outro, a formalidade e soberania da cerimônia dava a exata posição do que presta o culto e de Quem é adorado. Num lugar, um amigo sem qualquer ritual, no outro, um soberano inacessível a não ser por muitos rituais e hierarquias.
Enquanto a música no primeiro culto me impulsionava ao movimento, ao extravasar, a do segundo me dava uma dimensão diminuta de mim mesma, comparado ao Ser para quem cantava e todo o ritmo e espaço me deixaram imóveis e contrita. E eu não sei até agora o que é melhor. Não sei e embora tenha minhas convicções que repousam sobre princípios bíblicos de como Deus espera ser adorado, fiquei pensando que estes mesmos princípios são interpretados diferentemente ao redor do mundo, das culturas, dos credos que se baseiam na mesma Palavra. Não sei se o certo é um culto formal e tradicional onde eu deva me portar tal qual em frente à um rei inacessível, nem tão pouco se é saudável agir com o Criador do Universo como um alguém comum com quem se tem um papo animado na porta de um bar. O que sei é que este meu Deus está lá nas alturas, sustentando o universo em Suas mãos, mas também pisou no mundo sujo e morreu numa cruz, não sem antes comer com pecadores, curar doentes e abraçar enfermos. Neste meu domingo de fé, fiquei pensando em quão complexa é a adoração e quão pouco hábil estou a julgar a forma de culto alheia. Pouco hábeis e mais: pouco dispostos a nós mesmos buscar a forma como Deus quer ser adorado, pois é isto que importa de fato e sempre foi um problema para a fé cristã: fazer a nossa vontade, ao invés da dEle.