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Coluna | Edson Nunes

Nomes da Bíblia: descubra curiosidades e significados

Lidar com nomes bíblicos é uma tarefa que requer muito cuidado, estudo e comprometimento.


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No contexto bíblico, os nomes sempre estão relacionados a um significado, a uma mensagem representada àquele que o recebe (Foto: Shutterstock)

Os nomes apresentados na Bíblia Hebraica são curiosos e objeto de estudos interessantes. Por exemplo, o substantivo próprio "Adão", em hebraico אָדָם (ʾādām), é também o substantivo comum para "humanidade", "ser humano". Em Gênesis 1, esse substantivo é usado de maneira genérica, ou seja, referindo-se a toda a humanidade e em Gênesis 2, de maneira específica, ou seja, se referindo a Adão. No entanto, qual seria a origem e significado desse substantivo?

As possibilidades etimológicas incluem:

a) O acádico adamātu, que significa algo como “solo vermelho”, mas que não aparece na língua em questão com referência a homem ou humanidade nenhuma vez;

b) O acádico adamu, associado à ideia de sangue vermelho e, portanto, mas ligadas ao hebraico ʾădôm (vermelho) do que a ʾādām (ser humano);

c) O árabe ʾadam (pele);

d) A raiz hebraica ʾdm (ser vermelho).

A conclusão, ao se analisar a etimologia de אָדָם, é de que sua origem é incerta. A etimologia incerta não diminui o efeito da paronomásia entre ʾādām(Adão/ser humano) e ʾădāmāh(terra), em Gênesis 2:7. A paronomásia é quando se usa palavras semelhantes de significados diferentes para criar um jogo de palavras. Esse jogo de palavras é, muitas vezes, uma tentativa do narrador de interpretar um nome ou mesmo de conferir a ele algum significado.

Portanto, ao relacionar ʾādāme ʾădāmāhem Gênesis 2:7, é possível que o narrador (Moisés) esteja dando sua própria visão do que o nome אָדָםsignifica: o que veio da terra, o terroso. Essa relação é ainda mais profunda quando se leva em conta que ʾădāmāhé um substantivo feminino e ʾādāmum masculino. Ainda assim, mesmo com o jogo de palavras, não é possível determinar com absoluta certeza qual seja a origem de אָדָם. Seu uso, como substantivo próprio e comum, é que ditará seu significado.

O exemplo acima aponta uma gama de três direções possíveis no estudo dos nomes bíblicos: etimologia, explicação bíblica e jogo de palavras. Um outro exemplo, o nome de Jacó, clarifica ainda mais essa discussão e expõe a beleza das inúmeras linhas de estudo da Bíblia.

O nome Jacó (יעקב) tem sido considerado pelos etimologistas como uma abreviação de um outro nome comum, יעקבאל. A análise semântica e morfológica levou estudiosos a sugerir o significado de “Deus protegerá”, entre outros. Entretanto, a explicação bíblica para o nome de Jacó em Gênesis 25:26 sugere outra direção. Por ter nascido logo após Esaú, segurando seu calcanhar (עקב- substantivo), Jacó significaria algo como “tornozelo”. A explicação etimológica e a literária são bem diferentes, mas não tanto quanto a interpretação para o nome “Jacó” dada por Esaú, depois de ter sua benção da primogenitura roubada. Logo após ser notificado por Isaque que Jacó já havia recebido a benção da primogenitura em seu lugar, Esaú diz: “Não é com razão que ele é chamado Jacó? Ele me suplantou essas duas vezes...” (Gênesis 27:36).

Nesse jogo de palavras, Esaú manipula o nome de Jacó para servir ao seu propósito de retratá-lo de maneira negativa ao relacionar o nome יעקבcom o verbo עקב(algo como “atacar insidiosamente”, ou “burlar”, etc). Em Malaquias 3:6-9 há um jogo de palavras entre o nome Jacó, יעקב, e o verbo “roubar”, קבע. A inversão das letras visa criar uma relação entre os “filhos de Jacó” e as ações condenadas por Deus.

Dessa maneira, lidar com os nomes bíblicos é uma tarefa que requer muito cuidado, estudo e comprometimento. Não se deve reduzir um significado à esfera etimológica, pois o texto pode não somente fornecer um significado literário, como ressignificar o nome de acordo com o desenrolar da narrativa ou até para criar um jogo de palavras importante para algum propósito. A abundância de possibilidades faz com que o leitor esteja atento à origem do nome, mas também ao desenvolvimento de toda a narrativa bíblica.

O breve estudo dos nomes bíblicos indica, portanto, que um nome pode ganhar um sentido diferente do seu original. Assim, talvez seja possível entender que nem sempre é necessário mudar um nome para conferir a alguém um novo nome com significado mais bonito. Pode ser que a existência trate por si mesmo de conferir ao nome próprio um significado mais extenso, profundo e importante, de acordo com a experiência vivida (cf. Apocalipse 3:12; todos os nomes dados a Jesus).


Referências

BOTTERWECK, G. J; RINGGREN, H; FABRY, H. J. (eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Grand Rapids: William Eerdmans Publishing Company. 15 v.

GARSIEL, Moshe. Biblical Names: A Literary Study of Midrashic Derivations and Puns. Ramat Gan: Bar-Ilan University Press, 1991.

HESS, R. S. Studies in the Personal Names of Genesis 1-11. Winona Lake: Eisenbrauns, 2009.

KÖEHLER, L.; BAUMGARTNER, W. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Study Edition. Leiden: Brill, 2001. 2 v.

Edson Nunes

Edson Nunes

Texto e Contexto

Um convite mensal para estudo do texto bíblico e consequente maravilhamento com ele.

Graduado em Teologia e Letras, é mestre e doutor em Letras (Estudos Judaicos) pela Universidade de São Paulo (USP). Foi pastor nas comunidades Beth B’nei Tsion (Templo Judaico-Adventista), Nova Semente e Homechurch de Perdizes. Hoje é professor da Faculdade de Teologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e coautor do site terceiramargemdorio.org