O “adventismo” de Pedro
A fé na volta de Jesus é parte indispensável da vida cristã e deve influenciar tudo o que somos e fazemos.
O apóstolo Pedro escreveu duas das cartas mais “adventistas” do Novo Testamento. Nelas, ele se dirige a cristãos perseguidos por sua fé (1 Pedro 1:6; 4:12, 14), enquanto ele próprio se via à beira do martírio (2 Pedro 1:14). Em suas exortações, são surpreendentes as referências à segunda vinda de Cristo. Sem deixar de exaltar o sacrifício na cruz (1 Pedro 1:18, 19) e a glória atual de Cristo “à destra de Deus” (1 Pedro 3:22), ele se refere à volta de Jesus frequentemente, seja para exortar ou para motivar os cristãos. Nada mais adventista, na essência dessa palavra que exprime uma crença (à volta de Jesus), um movimento (o adventismo) e uma denominação (a Igreja Adventista do Sétimo Dia).
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Movidos pelo advento
Logo no início da primeira carta, Pedro aponta para “a salvação preparada para revelar-se [apokalyphthēnai] no último tempo [kairō eschatō] (1 Pedro 1:4, 5). Numa só frase ele combina termos básicos do estudo das profecias apocalípticas. Porém, sua referência não se trata apenas de uma ilha conceitual, mas de uma linha argumentativa consistente nas duas epístolas. A volta de Jesus motiva a uma vida pura, enxuga as lágrimas, consola nas injustiças.
Para Pedro, assim como para seus irmãos na fé, eles viviam nos “últimos tempos”. Para eles, os acontecimentos daquelas décadas eram o cumprimento das profecias relativas aos “últimos dias” (Atos 2:15-21). Tendo isso em mente, os cristãos deveriam “exultar”, como ele afirma logo no versículo seguinte (v. 6), pois, se permanecessem fiéis em meio às provações, receberiam no futuro “glória e honra na revelação [volta] de Jesus Cristo” (1 Pedro 1:6, 7). O apóstolo dá esse estímulo ao longo das duas cartas, direta ou indiretamente (1 Pedro 1:17, 20; 4:2, 7, 13; 5:1, 4). A esperança da volta de Jesus era a mensagem que deveria permear todos os aspectos da vida.
No primeiro capítulo da segunda carta, ele trata da maneira pela qual seria “amplamente suprida a entrada no reino” da glória (v. 11). Assim, revela uma forte expectativa escatológica. Assim como Pedro e os cristãos de sua época, os cristãos adventistas também creem que Deus levantou um movimento escatológico e profético, com a diferença de que entendemos que hoje estamos, de fato, no fim do tempo do fim, conforme as cronologias de Daniel e Apocalipse.
Se na época de Pedro era crucial manter a fé na volta de Jesus e se preparar para esse evento, hoje ainda mais! Como Paulo diz, “nossa salvação está, agora, mais perto do que quando no princípio cremos” (Romanos 13:11). O passar do tempo só faz confirmar a fé e apurar a expectativa. Por isso, enxergamos nossa identidade e missão no contexto da fase final da história (Daniel 8:14; Apocalipse 10:8-11; 12:17; 14:6-12). Segundo Knight, sem a perspectiva apocalíptica, o adventismo perderia sua identidade.[1] Se perdermos o senso da proximidade da volta de Jesus, que o Apocalipse tanto enfatiza (Apocalipse 3:11; 22:7, 12, 20), nossa própria sobrevivência espiritual fica ameaçada. Ellen White aconselhava:
Que o Senhor, de dia e de noite, não dê descanso aos que são agora descuidados e na causa e obra de Deus! O fim está próximo. Isto é o que Jesus quer que sempre mantenhamos diante de nós – a brevidade do tempo (Carta 97, 1886).
Não sereis capazes de dizer que Ele virá dentro de um, dois ou cinco anos, nem deveis protelar Sua vinda... (Eventos Finais, p. 33).
Tempo e preparo
No capítulo 3 da segunda carta, Pedro reafirma e conclui sua argumentação escatológica. No v. 1, diz que, “em ambas” [as cartas], procurou “despertar com lembranças” a “mente esclarecida” [já informada] dos cristãos quanto à volta de Jesus (2 Pedro 3:1). Primeiramente, alerta que, “nos últimos dias, virão escarnecedores”, negando a segunda vinda de Jesus e a destruição do mundo por ocasião desse evento (v. 3, 4). Então, Pedro, assim como Jesus, aponta para o dilúvio, como um precedente para a destruição pelo fogo (v. 5-7; comparar com I Pedro 3:18-22; Mateus 24:37-42). Se os escarnecedores desafiam a segunda vinda confiantes na regularidade dos processos naturais, o dilúvio é uma prova de que Deus intervém na natureza e, consequentemente, na história humana.
O apóstolo, então, passa a discorrer sobre o tempo da vinda de Jesus, estabelecendo paradoxos animadores: (1) a relação de Deus com o que chamamos “tempo” – para o Eterno, mil anos são como um dia (2 Pedro 3:8, em alusão ao Salmo 90:4); ou seja, como Alberto Timm destaca, a Bíblia não prega uma “escatologia frustrada”, segundo a qual Jesus e os apóstolos tiveram uma esperança que não se concretizou, como propunha Albert Schweitzer[2]; e Pedro lembra que alguns planos divinos se cumprem ao longo de eras; (2) Deus não retarda Sua promessa – Ele não quer fazer Sua igreja sofrer com a aparente demora, mas é longânimo e essa longanimidade deve ser tida “por salvação” (v. 15); (3) a vinda será inesperada, “como ladrão” (v. 10), ou seja, para os que pensam que o Dia do Senhor está “longe”, Ele chegará mais rápido do que se espera. Quando a trombeta soar e anjos cobrirem o horizonte (Mateus 24:30, 31; Apocalipse 1:7), muitos dirão: “Já?” (ver Lucas 12:40).
O apóstolo encerra apelando aos cristãos que se preparem “em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus” (2 Pedro 3:11, 12). Ou seja, diante da hostilidade do mundo e da audácia dos “escarnecedores”, os cristãos devem mais do que nunca fixar os olhos no Salvador que veio e virá. Devem dar uma resposta cheia do temor de Deus, fazendo o bem na família, na sociedade e em respeito às autoridades, pregando o evangelho e refletindo o amor divino. É a essência do adventismo. Esperamos que Jesus volte logo, mas, enquanto isso não acontece, trabalhamos motivados pelo amor divino.
Portanto, a mensagem adventista não é uma invenção do século 19. Foi transmitida de geração em geração e, no século 21, vibra com força em cada vez mais pessoas. A “bendita esperança” (Tito 2:13) anima, inspira e reduz as crises da vida ao que elas realmente são: “momentâneas” (2 Coríntios 4:17). Não são o fim, mas túneis para o recomeço, porque, “segundo a Sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2 Pedro 3:13; ver Isaías 65:17; Apocalipse 21:1).
Referências:
[1] George Knight, A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira), 2011, p. 29-50.
[2] Albert Schweitzer, The Quest for the Historical Jesus (Mineola, NY: Dover, 2005), p. 356-358, 363. Em: Alberto R. Timm, “Implicações de uma longa espera”. Revista Ministério, nov.-dez. 2015 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira), p. 11.