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Coluna | Diogo Cavalcanti

Leis dominicais na Argentina 2

O viés religioso da defesa sindical do domingo no país platino


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 Após a divulgação da última coluna em espanhol, fui contatado por Juan Martin Vives, PhD. em Direito e diretor do Centro de Estudos Sobre Lei e Religião da Universidad Adventista Del Plata (UAP). Sobre as leis dominicais na Argentina, promovidas por sindicatos, Vives observou que “é errado que não haja motivações religiosas”. Embora eu tenha destacado na coluna a “afinidade” entre os discursos seculares e religiosos em favor do domingo, porém não tive acesso a dados sobre sua influência direta no caso específico da Argentina.

Segundo Vives, há, sim, uma intenção religiosa por trás da bandeira dominical dos sindicatos. Conversamos amistosamente sobre o tema, e me dispus a analisar novos dados e a escrever este segundo texto.

Fundo religioso

Segundo Vives, “em todos os casos, as leis têm sido impulsionadas pela Came (Câmara Argentina da Pequena e Média Empresa), um sindicato de pequenos comerciantes”, o qual tem relação direta tanto com a liderança episcopal na Argentina quanto tem buscado a bênção do papa Francisco. Em 2013, Osvaldo Cornide, presidente da Came, se encontrou com o presidente da Conferência Episcopal Argentina, José Maria Arancedo, “em um marco da campanha que impulsiona a entidade para conseguir o fechamento dos comércios aos domingos”, conforme relata a Came. O objetivo seria “recuperar o domingo como dia de descanso, reflexão e vida familiar”. Ainda de acordo com o site do sindicato, “a iniciativa da Came, apoiada desde o início pelo arcebispo de Buenos Aires, foi referendada pelo pontífice na semana anterior, por meio de uma carta que fez chegar à entidade por intermédio da Secretaria de Estado do Vaticano”.

Na nota do site ainda se informa que “Arancedo recebeu o documento redigido pela Came e expressou sua concordância quanto ao objetivo que persegue estar de acordo com o que a Igreja prega com relação à recuperação do domingo como um dia de participação religiosa e encontro familiar”. A razão pela busca da restauração do domingo se encontra no campo da moralidade e da religiosidade, tendo-se em vista, conforme entendem, que “a globalização tem ultrapassado as fronteiras econômicas, sociais, culturais, políticas e tecnológicas […] modificando as relações humanas” e promovendo a anulação do domingo, desintegrando famílias e, por conseguinte, a sociedade.

De uma perspectiva adventista, o materialismo frenético tem sido um fator de desintegração familiar e social. Entretanto, a imposição de um dia de descanso por motivos religiosos particulares não é a maneira adequada de lidar com a questão numa sociedade laica. O indivíduo deve escolher se quer descansar ou não e em que dia fará isso – não é algo a ser imposto a ele. Forçar a consciência, com legislações restritivas é tanto uma afronta quanto uma usurpação da autoridade Deus, que nunca força a vontade humana (O Desejado de Todas as Nações, p. 630). Está em jogo aqui tanto a separação entre Igreja e Estado como a liberdade de consciência, bandeiras defendidas historicamente pelos adventistas.

Ainda em 2013, no dia 5 de junho, Cornide se encontrou com o papa Francisco para lhe entregar um “plano detalhado” da implantação do domingo como dia de descanso. Um dos pontos nesse plano expressa o seguinte: “O Estado deve garantir ao trabalhador um descanso semanal digno. Porém não qualquer dia, mas o dia em que o descanso seja um objetivo compartilhado pela maioria dos membros da sociedade, e, na Argentina, esse dia é o domingo” (itálicos supridos). Nada mais claro do que isso.

No documento entregue, afirma-se também que a Came vem trabalhando desde meados dos anos 1990 pelo fechamento dos comércios aos domingos. “Foi apresentado um projeto de lei ao Congresso Nacional. E se tem trabalhado junto a províncias e municípios para avançar em legislações locais que supram a ausência de uma legislação nacional.” Ou seja, a estratégia tem sido trabalhar tanto do centro para as extremidades, quanto no sentido contrário.

Ao entregar o documento ao papa, Cornide teria afirmado, segundo postagem no site da Came em 5 de junho de 2013: “Você se lembra de que esta é uma campanha que fazemos há muitos anos e que, em certo momento, lhe apresentamos em Buenos Aires”. Ao que o papa respondeu: “Sim, me lembro. Deixe esse documento, que me interessa muito”. Para Cornide, o “encontro com Francisco foi esperançoso. Estamos seguros de que cumprirá um grande serviço para a igreja e o mundo inteiro”.

Preocupações e cautela

Devido ao fato de o papa ser argentino e ter enorme popularidade em sua terra natal e no mundo, e de leis de descanso dominical já estarem em vigor, têm surgido preocupações entre os adventistas argentinos, segundo Vives. Eles têm visto cartazes espalhados pelas cidades, apregoando manchetes como “O papa pelo fechamento de comércios no domingo” ou Papa Francisco: O papa que une a todos os argentinos”, este da Came, numa verdadeira campanha midiática. Pastores de cidades que aderiram às leis de descanso dominical (já são pelo menos 74, de seis províncias) têm organizado encontros para orientar os membros – encontros nos quais Juan Vives também tem palestrado. O Centro de Estudos Sobre Lei e Religião ainda preparou um informe intitulado “Los adventistas y las leyes de descanso dominical obligatorio en Argentina”, destinado ao público. Do ponto de vista institucional, a União Argentina não se omitiu, como vimos também na última coluna, e preparou em 2013 uma nota oficial, pleiteando respeito aos direitos fundamentais de liberdade religiosa.

Por se tratar de um tema sensível na perspectiva adventista, na qual se prega há quase um século e meio que o papado e o domingo ressurgiriam com poder, muitos têm enxergado nesses acontecimentos uma relação com a profecia mais ampla da imposição do domingo como dia de descanso, e, por conseguinte, a aceitação da autoridade da igreja romana. Se não como um começo, pelo menos como um ensaio do que está por vir. Aliás, há uma infinidade de iniciativas e movimentos em prol do domingo em todo o Ocidente. Como escreveu Ellen White,

“Os dignitários da Igreja e do Estado unir-se-ão para subornar, persuadir ou forçar todas as classes a honrar o domingo. A falta de autoridade divina será suprida por legislação opressiva. A corrupção política está destruindo o amor à justiça e a consideração para com a verdade; e, mesmo na livre América do Norte, governantes e legisladores, a fim de conseguir o favor do público, cederão ao pedido popular de uma lei que imponha a observância do domingo. A liberdade de consciência, obtida a tão elevado preço de sacrifício, não mais será respeitada. No conflito prestes a se desencadear, veremos exemplificadas as palavras do profeta: "O dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo." Apocalipse 12:17 (O Grande Conflito, p. 592, itálicos supridos; leia o capítulo inteiro).

Mais uma vez, como tem-se afirmado nesta coluna, é importante agir com sabedoria, fugindo tanto da indiferença quanto da agressividade, especialmente, nas redes sociais. Ambas as atitudes são prejudiciais para a causa do evangelho. Não convencem e muito menos convertem pessoas; só despertam inimizade gratuita. Precisamos tanto de serenidade quanto de firmeza. Ellen White instou líderes, editores e membros adventistas a que não se precipitassem, lançando provocações ou manifestando uma atitude polêmica (O Outro Poder, p. 39-44).

Pelo contrário, a serva do Senhor nos aconselhou a: (1) em primeiro lugar, não deixarmos de pregar a verdade, mesmo diante de conjunturas políticas e religiosas intimidadoras; (2) esforçar-nos para assegurar a liberdade religiosa, especialmente por meios legais; (3) não nos precipitar, adiantando o tempo de angústia; (4) lidar com os temas sem agressividade, de modo a não atacar indivíduos ou igrejas; e (5) em especial, viver em conformidade com o que acreditamos, sendo igualmente tolerantes (leia o capítulo 14, “Liberdade Religiosa”, do livro Serviço Cristão). Segundo ela, “a bandeira da verdade e da liberdade religiosa […] foi, neste último conflito, confiada às nossas mãos” (Atos dos Apóstolos, p. 68, 69).

Sem dúvida, vivemos em “tempos difíceis” (2 Timóteo 3:1), nos quais se torna cada vez mais complicado servir a Deus pela fé em Cristo e em fidelidade aos mandamentos (Apocalipse 12:17; 14:12). Porém, as sombras que se acumulam contra a liberdade de fé e de crença no Deus verdadeiro devem ser apenas mais um motivo para buscá-Lo com fervor. A partir de uma comunhão real com Deus, precisamos responder a esse cenário com uma ação missionária que ainda vai abalar o mundo (Mateus 24:14; Apocalipse 14:6-11). Como Cristo disse, “façamos as obras Daquele que Me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (João 9:4).

Diogo Cavalcanti

Diogo Cavalcanti

Apocalipses

O universo das profecias bíblicas e suas respostas para as inquietações atuais

Formado em Teologia e em Comunicação Social, e pós-graduado em Letras, trabalha na Redação da Casa Publicadora Brasileira (CPB). É um dos editores de livros, entre eles, o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia.