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Coluna | Diego Barreto

Os dois movimentos da vida

O que a simples mecânica da respiração pode nos ensinar sobre altruísmo e cristianismo


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A Bíblia nos ensina que devemos viver para o nosso próximo. Isso significa encher-nos do que é bom tendo em vista transmitir o bem (Foto: Shutterstock)

Inspirar e expirar. Esses movimentos básicos indicam muito mais do que um ciclo respiratório. Talvez o fato de serem ações automáticas do nosso corpo seja a razão por que não damos tanta atenção ao que eles têm a nos ensinar sobre a vida, em si. E não, esse texto não é sobre meditação ou saúde. É sobre existir.

Alguns historiadores recentes relacionam momentos históricos a ciclos análogos, como o pulsar do coração (sístole e diástole) ou a respiração (expiração e inspiração), porque perceberam que a vida parece repetir esses movimentos de compressão e expansão. As fases históricas parecem alternar entre períodos de conservadorismo e progresso, guerras e paz, pobreza e riqueza, calor e frio, ciência e misticismo, razão e emoção, só para citar algumas. Em outras palavras, tudo o que ocorre na história humana parece respeitar esses dois movimentos primários, de expirar e inspirar.

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Dois movimentos distintos, com características e funções diferentes, mas que são unidos por um propósito: gerar vida. E note que nessa união de elementos contraditórios há uma tensão, que é exatamente onde eu quero que você perceba o Reino de Deus.

A Bíblia usa o ciclo respiratório para falar de inspiração profética (receber de Deus uma  mensagem, e depois expirá-la aos outros). É um conceito muito interessante e antigo, mas ainda não é sobre ele que quero falar. Quero refletir sobre nossa constante tensão entre amar o próximo e amar a nós mesmos. Quem deve ser a minha prioridade? Eu ou o meu próximo? Eu devo inspirar para mim ou expirar para o outro?

Bom, os dois são imprescindíveis. Eu sei que nossa tendência é dizer que "primeiro eu, depois o outro"; é da nossa natureza pensar assim (Mateus 16:23). Mas o evangelho subverte essa ordem quando diz: “Considere o outro superior a si mesmo” (Filipenses 2:3), “ninguém deve buscar o seu próprio interesse” (1 Coríntios 10:24), "melhor é dar do que receber" (Atos 20:35), e quando Jesus coloca o próximo antes de nós mesmos no mandamento (Mateus 22:37-39).

Aliás, muitas pessoas interpretam esse mandamento como uma ordem de Jesus para amarmos nosso próximo na mesma medida em que nos amamos, mas essa é uma leitura equivocada. O que Jesus quis dizer ali é que o amor que conferimos ao nosso próximo é o critério para o amor próprio. Em outras palavras, a maneira como eu trato o outro define o que devo esperar para a minha vida. Se eu desrespeito ou sou injusto com alguém, que direito tenho de exigir ser bem tratado? Mas se trato as pessoas com decência, desejo-lhes o bem e entrego a elas o que tenho de melhor, parece que o mundo passa a me dever o mesmo tratamento. E mesmo que isso não ocorra, minhas atitudes incondicionais indicam que não faço o bem para recebê-lo de volta, como em uma barganha egoísta, mas porque vivo para servir e contribuir com o bem-estar do meu irmão.

Essa lógica desbanca o pensamento pueril da nossa cultura atual de que “preciso me amar primeiro”. Nesta lógica estão a competição e a discórdia (Tiago 4:1). Se seguirmos a lógica do texto bíblico, o entendimento é outro: primeiro Deus, depois o meu próximo, depois eu. Eu só posso me sentir bem comigo mesmo a partir do momento em que meu irmão já está bem consigo mesmo. E se eu promovo o seu bem estar e ele promove o meu, não precisamos mais lutar.

Uma respiração consciente e sincera

É importante ressaltar que o evangelho nunca mira no comportamento das pessoas, e sim nas intenções do coração. Deus quer nos mudar por dentro porque sabe que a mudança exterior vem como consequência. Por isso, quando o evangelho diz que devemos viver para o outro, está falando de intenção, de preocupação real com os interesses do nosso próximo (Filipenses 2:4).

No entanto, para expirar (ao outro) é preciso inspirar (para si). É necessário ter para, então, dar. Isso parece contradizer o que acabei de falar, não é mesmo? Não, exatamente. A expiração é um sinal de que Deus te deu a liberdade de fazer o que quiser com o fôlego soprado em suas narinas. Ao buscar ao Pai, Cristo não visava apenas se beneficiar dEle, mas encher-se de Deus para transmiti-Lo às pessoas; isso nos ensina que, quando inspiramos, não devemos pensar em reter isso para nós.

Esse é o equilíbrio que o Reino traz à tensão entre os movimentos. Ele muda a motivação das nossas ações. Eu continuarei tendo que inspirar primeiro, reunir em mim a força e os recursos; não há como evitar. Mas inspirar para quem? O que eu farei com esse fôlego?

Quando olho para as prioridades da vida, quem deve vir primeiro? O outro. E quando olho pra mecânica da vida? Eu. Em Cristo, eu aprendi a inspirar para expirar; no corpo (energia), na arte (emoções), no conhecimento (educação e progresso), no Espírito (eternidade). Respire fundo!

Para compreender mais sobre o assunto, veja o vídeo abaixo:

Diego Barreto

Diego Barreto

O Reino

Vivendo já o Reino de Deus enquanto Ele ainda não voltou. Um olhar cristão sobre o mundo contemporâneo.

Teólogo, é co-autor do BibleCast, um podcast sobre teologia para jovens, e produtor de aplicativos cristãos para dispositivos móveis. Atualmente é pastor nos Estados Unidos.