Um missionário no Peru
A experiência de ser um missionário no Peru, do colunista Carlos Henrique Nunes, e a relação com a ética. Leia e compartilhe.
Se encaminha para o final o meu primeiro ano como missionário aqui no Peru. Acho que já posso refletir sobre algumas coisas interessantes. Estou relativamente perto do meu país, mas muito longe! E isso é bom! Bom porque me oferece uma perspectiva diferente da vida em Cristo. Aqui, sou pastor de gente pobre, que mora em casas de “adobe”, que é uma mistura de barro seco, taquaras e pedras… Um tipo de betume. Por isso, entre outros motivos, que na costa peruana nao chove e não pode chover. Porque se chover as casas se terminam literalmente! É por isso que o fenômeno El Niño, que se acerca para este final de ano, já provoca muito temor… Se chover o anunciado, a cidade em que vivo, Chiclayo, será inundada em grande parte e as casas e ruas serão um grande barro a céu aberto!
Leia também:
Aqui, sou pastor em igrejas cujo piso em que os fiéis se ajoelham para orar, alguns há 10 anos, é terra! Aqui, atendo a mulheres que em um bom percentual não têm a dentição completa… Aqui, divido espaço nas ruas com homens que costumam aberta e tranquilamente urinar nas ruas, a céu aberto, à luz do dia, não importando que a seu lado esteja passando uma senhora, menina ou moça… Nesse lugar, divido o espaço das ruas com motoristas que cruzam sinais e preferenciais sem olhar para os lados ou respeitar pedestres porque a lei é a lei do mais esperto e do maior.
Aqui, conheci lugares onde os irmãos adventistas dormem em tábuas ao nível do chão isso é considerado por eles como “cama”. No Peru, meu carro não consegue estar limpo mais do que alguns minutos depois de lavado, porque as ruas por onde tráfego a visitar não têm asfalto. É terra! Por esses lados, sou surpreendido seguidamente quando, depois de estacionar meu carro para fazer compras em um supermercado, ao regressar encontro outro carro parado atrás, trancando meu livre acesso e meu direito a ir e vir, sem nenhum constrangimento. Filas duplas em avenidas e ruas movimentadas são algo comum mesmo que haja vagas normais de estacionamento ao longo das mesmas.
Por esses lados, as avenidas são depósito de lixo nos canteiros centrais ainda que existam avisos quase constrangidos de que é proibido “arrojar basura”! Por essas bandas, moradores cortam e podam árvores ao seu bel prazer sem que autoridades municipais tomem em conta ou que se pense que uma árvore podada contribui para piorar sensivelmente a qualidade do ar de uma cidade que já quase não tem verde e que mesmo as montanhas são cinza!
Você pode estar pensando que este é o verdadeiro quadro da dor, nao é mesmo? Pois eu digo que para um brasileiro que sempre pastoreou gente pobre na sua maioria, o choque cultural ainda assim é grande! Mas é nesse quadro que Deus me ensina algo que, talvez, se terminasse meu ministério no Brasil, ao lado de queridos amigos e irmãos, nunca compreenderia.
Porque é aqui, no Peru, que a cada dia cresce a consciência de que é nesse lugar que vou ser transformado por aceitar o que precisa ser aceito e mudar o que pode e precisa ser mudado! Nessa igreja, de uma cidade problemática e de gente com horizontes limitados pela crueldade da vida, aprendo a que o meu Cristianismo pode alcançar!
Louvo ao meu Deus por compreender que sempre esteve por trás de cada experiência do meu Caminho. Quando percorria as ruas empoeiradas das vilas gaúchas como repórter do Diário Gaúcho, do Jornal NH entre outros, recolhia as ferramentas necessárias para apreciar a mensagem de Deus e seu elevado padrão de conduta. Foi bebendo dessa disciplina intelectual que aprendi a apreciar os tesouros do chamado de Deus à vida cristã! É por isso aqui estou, aprendendo que a ética da dinâmica da vida peruana pode até ser questionável e seus limites escassos, mas a ética do Reino permanece a mesma! Amar, ser útil, sentir-se um com o teu próximo e perceber o alcance da tua contribuição ao Corpo de Cristo. E, nesse caso, não há limites geográficos que nos possam separar do amor de Deus, que está em Cristo!