A ética do lugar
O ministério em determinado lugar pode fazer toda a diferença na forma de enxergar a mim e aos outros
Tenho chegado à conclusão de que o lugar em que se vive diz muito sobre as pessoas, seu mundo, seus horizontes, aspirações e alcance espiritual, inclusive. Mas, além disso, o lugar comunica uma ética que tem muito a nos ensinar! Do ponto de vista social, não há muita novidade nisso, já que uma máxima antiga declarou que o “homem é produto do seu meio”. O novo, creio, é o viés espiritual dessa leitura psicossocial.
Quando Cristo rompeu a bolha da resignação social provocou uma reação que deu a dimensão do quanto essa é uma ética restritiva. Vocês lembram? Surgindo como uma alternativa no cenário judaico, Jesus foi rechaçado com a frase símbolo desse status tão limitador quanto pobre no sentido mais estrito: “Da Galileia pode vir alguma coisa boa”? Somos assim! Resistimos ao novo porque ameaça romper com os nossos paradigmas pré-estabelecidos por tantas variantes, inclusive, o lugar, do ponto de vista geográfico.
Romper a estrutura social, religiosa e cultural judaica permitiu a Cristo marcar uma diferença tão grande, que inclusive o tempo se rendeu ao seu legado ao ponto de ser considerado com as iniciais a.C e d.C. Atrevo-me a dizer que a fórmula do sucesso foi a profundidade da chamada Kenosis que deu origem a sua encarnação. Explico: o primeiro termo é grego e significa algo como esvaziamento. Somente se esvaziando da sua divindade, ainda que latente a sua condição humana, poderia haver encarnado em nosso mundo a ponto de salvá-lo!
Ele foi tão identificado com as pessoas, seus mundos, horizontes, aspirações e alcance espiritual porque viveu seus dramas e limites à profundidade! O Emanuel bíblico (Deus conosco) nao teve lugar em que recostar a cabeça como muitos desiludidos marginais que perambulam pelas ruas desse mundo. Ele teve fome, como muitos famintos que trabalham de dia para comer à noite. Ele chorou a dor da morte e do sofrimento, como milhares e milhões que a cada dia perdem queridos pela estrada da vida. Ele sentiu a opressão das hostes malignas como muitos de nós quando tentados a desanimar e cair diante da tentação, do pecado e da falta de explicação. E, aqui, um agravante: como Deus, Ele sofreu em um grau muito mais intenso do que nós, pobres mortais!
Quando vejo o crescimento da indiferença e da irrelevância cristã no cenário atual sou tentado a pensar que a culpa reside no abismo entre as gentes e o ministério pastoral dos nossos dias. Nós, pastores, disfrutamos de uma vida tão mais regalada, tão mais cercada de cuidados e possibilidades sociais, culturais e financeiras, inclusive. Temos nossos carros, casas, roupas, equipamentos, ajudas, escolas para filhos, economias guardadas, livros, conhecimento, intelecto e mundo. Tudo tao alheio, muitas vezes, e distante à realidade do rebanho que nos confiou a Igreja que, cada vez mais a bolha ministerial nos afasta do lugar e da vida daqueles que deveríamos alimentar com pão espiritual relevante, suficiente, consistente.
Que, por favor, não pensem que prego um rigor franciscano para o ministério adventista. Apenas digo que o mundo ministerial e suas facilidades têm desconectado sua mensagem da realidade daqueles que sofrem o lugar em que vivem, o grau acadêmico não atingido, a casa, roupas, carro e economias que não disfrutam e, sobretudo, a frustração de um conjunto de disciplinas religiosas que não lhes oferece um câmbio de status espiritual! Nós, líderes, precisamos mais do que oferecer uma receita bíblica formatada por um ideal holístico, viver a dimensão da necessidade humana mais profunda, como Cristo!
O Peru, com seu relevo andino árido, imponente e ameaçador ao mesmo tempo, permite vida por entre suas brechas. Uma vida dura, difícil e resignada. Aqui, lutando para ser um pastor encarnado e capaz, como Cristo, de viver seu mundo, alimentar seu espírito e promover a metamorfose pregada por Paulo em Romanos 12 foi que começou a brotar essa cosmovisão.