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Coluna | Carlos Nunes

O maniqueísmo das redes sociais

O maniqueísmo, ou seja, essa ideia de dividir tudo em dois lados, tem algum impacto na nossa vida espiritual também? Descubra lendo esse artigo.


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maniqueismo-redes-sociais2Mais como observador do que como ator nas redes sociais, notei uma inequívoca beligerância entres os amigos que se “curtem”, compartilham “hashtags”, clicam “likes” e postam seus “coments”. E o que gerou essa guerra de argumentos? A política acendeu o rastilho da pólvora! No que nos toca em particular, pelo fato de assumirmos uma cidadania cristã, a trincheira político-partidária provocou, como diriam os mais antigos, uma cizânia virtual e real entre os crentes.

Começo minha análise dizendo que escrever não é fácil. Comunica muito mais o que o outro entende e bem menos o que queríamos afirmar. E como as redes sociais se alimentam de palavras e imagens e, estas últimas, são traduzidas por palavras, fica a ideia anti-paulina de que “nossas muitas letras, podem nos fazer delirar”... Daí que toda a habilidade das Escrituras não nos livra da palavra da moda, a chamada “polarização”. O que vem a ser isso? É o fenômeno que demarca territórios, linhas, posições, pensamentos a um ou outro lado diametralmente opostos. Elimina-se o centro, porque não há lugar para a neutralidade entre os polos.

Para efeito de argumento, prefiro substituir polarização pelo conceito de maniqueísmo. A ideia de polarização está carregada politicamente, enquanto o conceito maniqueísta amplia mais o espectro. Se não, vejamos: o maniqueísmo contrapõe duas visões, expõe um dualismo originário do conceito de que a matéria ou corpo, maus por natureza, precisava do espírito ou alma, bons em essência, para se libertar da prisão do corpo. Assim, vejo o maniqueísmo como uma vertente capaz de contrapor gremistas e colorados, petistas e tucanos, crentes e ateus, pobres e ricos, nordestinos e sulistas... Como resultado disso, só um é bom e precisa sobrepor o mau para lhe dar liberdade!

O que me espanta, do ponto de vista cristão, é que se desconheça, para efeitos de retórica, a lisonja do jovem rico diante de Jesus ao questionar-lhe sobre o que devia fazer para herdar a vida eterna. Lembram? “Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna”? “Bom só existe um, meu Pai que está no céu”, respondeu Cristo. Ora, se o próprio Deus (Jesus) preferiu diminuir-se a fim de exaltar o Pai, quem somos nós para atribuir a este ou aquele polo a primazia da virtude, da probidade, do erro ou do acerto? Penso que no atual estágio da vida em sociedade não pode haver espaço para maniqueísmos que expressam “dislikes” a cada manifestação contrária a nossos interesses político-partidários, espirituais, futebolísticos, econômicos ou de qualquer outra natureza.

Eu sou do tempo das chamadas “atualizações” do Windows. E vejo, hoje, as redes sociais funcionando como atualizações do que a Teoria da Comunicação chamou de Agenda Setting, isto é, a capacidade da mídia de agendar a vida das gentes. Fora o espaço para as digressões pessoais (fotos, ideias, passeios, frases e ditos populares ou não), comuns na rede, elas têm sido caixas que reverberam o que a mídia impõe. O que me preocupa é a quantidade desses “apocalípticos e integrados” à direita e à esquerda que vai ser tão cidadão para cobrar, fiscalizar e opinar quanto o foi por esses tempos eleitorais e maniqueístas.

Apocalípticos e integrados

É assim com os “apocalípticos e integrados” do veio social, mas também com os “apocalípticos e integrados” do veio religioso. Difícil entender? Nem tanto. Os mesmos que proliferam opinando à esquerda e à direita em tempos eleitorais, radicalizando e rechaçando os contrários, se encontram à esquerda e à direita religiosa quando surgem boatos em torno do decreto dominical, da nova sucessão papal ou nova onda ecumênica. No fundo, somos “agendados” de um e de outro lado, afloramos nosso maniqueísmo e raros de nós temos agenda própria!

Para não dizer que não me posicionei, fico com a oração atribuída a Clemente: "Guia nossos passos para andarmos em santidade, justiça e singeleza de coração, e para fazermos coisas boas e aceitáveis à Tua vista, e à vista dos que nos governam. Sim, Senhor, faze que o Teu rosto brilhe em paz sobre nós, para o nosso bem, de modo que sejamos protegidos por Tua forte mão e sejamos libertados de todo pecado por Teu braço estendido. Livra-nos daqueles que nos odeiam sem motivo. Dá-nos concórdia e paz, a nós e a todos os que habitam na terra, como fizeste aos nossos pais quando clamaram a Ti com fé, fidelidade e santidade, enquanto prestarmos obediência ao Teu onipotente e excelso nome, e aos nossos legisladores e govenadores.

Tu, ó Senhor e Mestre, deste-lhes autoridade para exercerem soberania mediante o Teu excelente e indescritível poder, para que nós, reconhecendo a glória e a honra que lhes deste, nos submetamos a eles, não resistindo em nada à Tua vontade. Concede-lhes pois, ó Senhor, saúde, paz, concórdia e estabilidade, para que possam exercer sem tropeços o governo de que os incumbiste. Pois Tu, ó celeste Senhor, Rei dos séculos, dás aos filhos dos homens glória e honra e poder sobre todas as coisas existentes na terra. Dirige, Senhor, o seu conselho conforme o que é bom e aceitável aos Teus olhos para que eles, administrando em paz, com brandura e piedosamente o poder que lhes confiaste, obtenham o Teu favor".

Carlos Nunes

Carlos Nunes

Ética Prática

Assuntos relacionados à ética sob o ponto de vista cristão e os dilemas enfrentados pelas pessoas no seu cotidiano.

Teólogo, atualmente exerce seu ministério pastoral no Peru. Jornalista profissional há mais de 20 anos, foi repórter nos jornais Diário Gaúcho e Zero Hora, e professor no curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp).