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Coluna | Ana Paula Ramos

Não é problema meu!

Como a indiferença de 38 pessoas levou uma à morte.


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A indiferença pode colocar vidas em risco. Foto: Shutterstock

No dia 13 de março de 1964, por volta das 3 horas da manhã uma gerente de bar chamada Kitty Genovese estacionou seu Fiat vermelho em uma vaga desocupada no bairro do Queens, em Nova York.

Enquanto ela caminhava para casa, um homem chamado Winston Moseley a observava do outro lado da rua. Kitty ouviu o som de passos. Quando percebeu que estava realmente sendo seguida tentou correr, mas foi em vão. Winston Moseley foi rápido, agarrou a moça pela camisa, jogou-a no chão e a golpeou com duas facadas nas costas. Gravemente ferida, Kitty ainda tinha forças para gritar: “Oh Deus, ele me esfaqueou, me ajudem!”

Robert Mozer ouviu os gritos de Kitty da janela de um prédio no 7º andar, onde ficava seu apartamento. Ele viu um homem correndo e uma mulher estirada na calçada, ele então berrou: “Deixe essa menina em paz!”

Michael Hoffman, um garoto de 14 anos, também ouviu um barulho. Após observar a cena, foi contar o que tinha visto a seu pai Samuel. O pai do adolescente imediatamente chamou a polícia e narrou o que havia ouvido do filho, mas os oficiais não  deram importância ao relato.

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Joseph Fink, que trabalhava no prédio vizinho ao de Kitty, viu os ataques com seus próprios olhos e não fez absolutamente nada. Depois que Moseley fugiu, ele simplesmente desceu ao porão para tirar uma soneca. Outra testemunha, Karl Ross, ligou para a polícia como Samuel Hoffman havia feito. Dessa vez, o socorro veio, e às 4h15 da manhã, Kitty foi levada por uma ambulância, mas acabou morrendo no meio do caminho.

Esse assassinato tornou-se uma espécie de mistério. Duas semanas depois da ocorrência, o jornal The New York Times fez uma cobertura sobre o caso, e o editor Abe Rosenthal escreveu em nota: “O que é interessante sobre esse evento é que nada menos do que 38 pessoas vieram as suas janelas às 3 horas da manhã em resposta aos gritos de terror, e permaneceram em suas janelas por incríveis 30 minutos, que foi o tempo necessário para que o assaltante completasse seu ato terrível”.

Trinta e oito pessoas assistiram à execução de uma mulher inocente, que foi abordada covardemente por um homem com desejo de matar. No entanto, todas essas 38 pessoas preferiram o anonimato à justiça. Esse ato desumano intrigou os psicólogos Bibb Latane e John Darley e foi o insight que precisavam para descobrir o que eles chamaram de “Problema do Espectador”.

Quando os detalhes desse crime chegaram ao conhecimento da mídia – especialmente o fato de 38 pessoas simplesmente ignorarem um assassinato brutal – Darley e Latane decidiram descobrir o que motivava as pessoas a prestarem auxílio em situações de emergência. Após alguns experimentos e pesquisa, eles chegaram à conclusão surpreendente de que o principal fator que influenciava a disposição das pessoas para ajudar, era o número de testemunhas presentes.

Em um dos testes, eles pediram a um garoto para encenar um ataque epilético em uma sala. Quando havia uma pessoa fazendo companhia, essa pessoa corria para ajudar o garoto em 85% das vezes. Porém, se havia mais do que quatro pessoas na sala, a pessoa corria para ajudar a vítima em apenas 31% das vezes. Em outra experiência, pessoas que estavam em uma sala e viam uma fumaça saindo por baixo da porta, relatavam o incidente 75% das vezes quando estavam sozinhas, mas apenas 38% se estivessem em grupo. Ou seja: quando estão sozinhas, as pessoas tomam decisões mais facilmente, sendo mais racionais. Mas, quando estão em grupo, o senso de responsabilidade por agir fica difuso. Supõe-se que o outro irá tomar uma decisão, ou até mesmo que o problema não é real.

O que os psicólogos argumentaram no caso de Kitty Genovese é o seguinte: o importante não é o fato de ninguém ter agido quando 38 pessoas ouviram os gritos de Kitty, mas sim o fato de que ninguém agiu porque 38 pessoas a escutaram gritar. Talvez, se apenas uma pessoa tivesse testemunhado o ocorrido, Kitty ainda estivesse viva. No entanto, sua morte não passou de um espetáculo de horror para os 38 espectadores.

O mundo está gritando por socorro. Nações inteiras precisam conhecer que existe salvação, comunidades precisam saber que alguém se importa com elas, famílias precisam de rumo, pessoas precisam de resgate. Os cristãos são pouco mais de 2 bilhões de pessoas que podem estar apenas assistindo ao pedido de ajuda dos outros dois terços da população mundial. Na verdade, nascer e viver num país cristão, ter um nome registrado em uma igreja e mesmo participar nos cultos e programas, podem ser simplesmente manifestações culturais e tradição familiar. Você pode não passar de um cristão espectador, sem viver comprometido em ser e fazer o que Deus espera de você.

Com colaboração de Marcos Eduardo Gomes de Lima (sociólogo e missionário)

Ana Paula Ramos

Ana Paula Ramos

Missão e Voluntariado

Até onde vão pessoas que se colocam nas mãos de Deus para servir na missão de pregar o evangelho.

Jornalista e escritora, foi voluntária no Egito entre 2014 e 2015, onde mora atualmente com seu esposo, Marcos Eduardo (Zulu), e suas filhas, Maria Eduarda e Anna Esther. É autora do livro Desafio nas Águas: Um resgate da história das lanchas médico-missionárias da Amazônia (CPB).